Santa Clara do Porto, um restauro onde não faltam aparições

Havia anjos escondidos, na igreja também ela muito escondida, mas cujo esplendor está a ser recuperado. DRCN vai organizar visitas durante a obra, a partir de Janeiro.

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No início de 2020, a Direcção Regional de Cultura do Norte vai abrir as portas da Igreja de Santa Clara, uma jóia do barroco, no Porto, a visitas guiadas. Quem se inscrever vai ter o privilégio de acompanhar de perto um minucioso trabalho de restauro que envolve, actualmente, mais de duas dezenas de pessoas, e perceber, muito de perto, a diferença entre o estado em que a talha se encontrava e o brilho que lhe começa, paulatinamente, a ser devolvido. No final do próximo ano, a obra de reabilitação estará concluída, devolvendo à cidade, e a quem a visita, um “tesouro escondido”. Onde não faltam inesperadas aparições.

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No início de 2020, a Direcção Regional de Cultura do Norte vai abrir as portas da Igreja de Santa Clara, uma jóia do barroco, no Porto, a visitas guiadas. Quem se inscrever vai ter o privilégio de acompanhar de perto um minucioso trabalho de restauro que envolve, actualmente, mais de duas dezenas de pessoas, e perceber, muito de perto, a diferença entre o estado em que a talha se encontrava e o brilho que lhe começa, paulatinamente, a ser devolvido. No final do próximo ano, a obra de reabilitação estará concluída, devolvendo à cidade, e a quem a visita, um “tesouro escondido”. Onde não faltam inesperadas aparições.

Já se sabia que a Igreja de Santa Clara, escondida de quem passa na rua, ali junto à muralha Fernandina, escondia, por detrás da opulência do barroco joanino, outras camadas de intervenção que davam um aspecto mais austero a esta igreja de génese gótica. O que não sabia, e se descobriu graças ao acaso de um carpinteiro ter retirado, do friso de um altar lateral, mais madeira dourada do que lhe fora pedido, para análise, é que havia todo um programa decorativo prévio, e muito bem conservado. Sobre os vários arcos, anjos coloridos reapareceram, com a obra em curso, pintados sobre madeira, unida, ela própria, de uma forma pouco vista, com tiras de chumbo pregadas, sobre as quais as pinturas se sobrepõem também.

A descoberta, incrível, traz um novo desafio para a equipa da DRCN, que ainda está a decidir o que fazer. Provavelmente, a maior parte destes elementos voltará a ficar escondido sob a madeira dourada do período “áureo” deste templo, mas um ou outro altar lateral mostrará estas figuras anteriores, para que quem visita o espaço perceba, também, as sucessivas intervenções de que foi alvo antes de uma fase longa, sem investimento, que a deixaram à mercê de insectos xilófagos, como as térmitas, que se empanturraram de madeira, desfigurando estatuária e pondo em risco a própria estrutura interior do templo.

Quase 2,5 milhões para devolver o brilho

A última intervenção é esta, segunda fase de uma operação que começou no início da década, com o ataque urgente às pragas e o reforço estrutural do edifício e da respectiva cobertura. Depois de um primeiro investimento de 500 mil euros, suportado em 75% pelo anterior quadro comunitário, a DCRN conseguiu que o Norte 2020, gerido pela Comissão de Coordenação Regional do Norte, voltasse a apoiar a segunda fase, que implica um trabalho profundo de restauro e de definição de um novo circuito de visita a uma igreja que, extinto o mosteiro de que fazia parte, viu alterados os percursos de ligação entre os vários espaços.

Parte do investimento de quase dois milhões que está actualmente em curso já está à vista. Toda a madeira, paredes e pinturas figurativas do coro alto estão restauradas, revelando um colorido que vai muito para além do dourado que associamos à talha. Há elementos de vermelho vivo, como na base do altar da crucificação, neste espaço, portas a imitar um mármore esverdeado e muita madeira marmoreada em tons de branco e azul, umas, de um negro profundo, outras. O acesso, pelos andaimes, a pontos de vista mais aproximados de áreas que após as obras só poderemos ver de longe são uma oportunidade, para quem aprecia o património, mas a DCRN e a tutela querem ir mais longe.

O director Regional de Cultura, António Ponte, espera que as visitas guiadas funcionem como um primeiro passo para a reapropriação deste edifício pelos cidadãos do Porto e ajudem as pessoas a perceber a complexidade técnica – e financeira também – de uma operação como esta. No início da visita aos trabalhos iniciados este Verão, que contou com a secretária de Estado da Cultura, Ângela Ferreira, Ponte admitiu que este talvez seja, neste momento, o maior estaleiro de restauro montado em Portugal. E quem entrasse esta sexta-feira na nave principal dificilmente duvidaria, tal o impacto visual das centenas de metros lineares de andaimes, formando uma teia de cinco patamares que rodeiam todo o templo, criando, a dois metros do tecto, uma plataforma onde os técnicos estão, praticamente, a terminar o trabalho na abóbada. Que já brilha como no século XVIII.

A secretária de Estado lembrou que, em 2019, Portugal investiu 21 milhões na reabilitação de património cultural um pouco por todo o país. O esforço financeiro, muito dependente dos fundos comunitários e de mecenato - como o da Irmandade dos Clérigos e a Fundação Millennium BCP neste caso –  deverá ter continuidade no próximo orçamento europeu, explicou Ângela Ferreira. Com tanto o que temos por recuperar,  será, a confirmar-se, uma boa notícia.