Já ninguém quer ser professor

Em Portugal, 48% dos professores têm 50 ou mais anos. Ensinam por paixão e devoção numa profissão em que o melhor do mundo são mesmo as crianças.

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Andre Rodrigues

Em Portugal, 48% dos professores têm 50 ou mais anos. Ensinam por paixão e devoção numa profissão em que o melhor do mundo são mesmo as crianças.

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Em Portugal, 48% dos professores têm 50 ou mais anos. Ensinam por paixão e devoção numa profissão em que o melhor do mundo são mesmo as crianças.

E também ensinam por falta de uma alternativa viável num país onde o professor é visto como apenas capaz de ensinar e pouco mais, sendo o desemprego a única saída. O desemprego ou a emigração.

E como ninguém quer ficar desempregado ou ver-se forçado a deixar tudo para trás, os professores ensinam, sujeitando-se a contratos temporários, viajando por todo o país todos os anos, ensinando em duas ou três escolas ao mesmo tempo, agora substituindo um colega de baixa no Algarve e no mês a seguir outro colega em Bragança, prescindindo de uma casa, família e filhos em prol das casas, famílias e filhos dos outros, lutando dia após dia no sentido de preparar crianças, adolescentes e adultos para os desafios de um mundo em tudo distante da ilusão das redes sociais.

Tudo isto apesar da constante ameaça física e psicológica de alunos e pais em escolas onde as direcções se trancam a sete chaves, longe dos professores, dos mesmos alunos e respectivos pais, cabendo aos auxiliares a inglória tarefa de arriscar a integridade física em casos de autêntica polícia, de modo a salvar professores em apuros e chamar alunos à razão. Em casos de autêntica polícia, em que o aluno é sempre a vítima e o professor o culpado. Culpado porque incapaz, por si só, de resolver todos os dramas sociais de turmas inteiras onde grassam a violência doméstica, a toxicodependência, o desemprego, divórcios, perda de familiares e amigos directos. Culpado por não ser o pai e a mãe, o irmão e a irmã, o psicólogo e o assistente social, o super-herói de todos os alunos de todas as escolas de todo o país. 

Tudo isto por apenas 1200 euros por mês, na melhor das hipóteses, isto é, no caso de de um horário completo, o qual é a excepção e nem por isso a regra para quem, apesar de leccionar há mais de 20 anos, ainda está no início da carreira, fruto da não vinculação e permanente precariedade sem esquecer o congelamento das carreiras para quem, ao fim de 30 anos, teve finalmente a sorte, e sublinho aqui a palavra sorte, de vincular em Quadro de Zona mesmo a tempo da, há muito desejada, reforma.

Quando, há 20 anos e a meio do curso universitário, decidimos, erradamente, enveredar pelo ramo de ensino, os nossos professores juraram a pés juntos haver emprego à espera. Não demorou um ano após o fim do curso para nos vermos na condição de desempregados. Vergados, humilhados, preocupados para não dizer desesperados, sujeitámo-nos a tudo. Sujeitámo-nos à degradação do ensino em Portugal. As nossas agruras fizeram manchete nos jornais, ano após ano, entre agressões, internamentos hospitalares, perseguições da parte de alunos e encarregados de educação, instabilidade, falta de meios de subsistência onde as nossa famílias, perdão, os nossos pais, foram, e ainda são, a tábua de salvação porque o dinheiro não chega, nunca chegou, não vai chegar. Deste modo passando a toda uma nação a imagem de uma carreira que ninguém quer ter, e não os censuro. Se nos tivessem dito a tempo, também não quereríamos.

Passados 20 anos, contamos pelos dedos os professores com menos de 30 anos a leccionar em Portugal. Mil num universo de mais de 126.000 professores. Menos de 1%. E daqui por dez anos, 48% destes 126.000, mais coisa menos coisa 60.000 professores, estarão na reforma ou a caminho da reforma. 

Conclusão: daqui por dez anos, precisaremos urgentemente de 60.000 professores. Ou talvez não. Talvez as turmas aumentem um pouco mais, quem ensina 30 alunos também ensina 40. Tantos professores a menos naquela que é a maior classe profissional do Estado será sempre visto como uma oportunidade para melhorar a gestão de recursos, ao mesmo tempo promovendo e reforçando os contratos de associação com estabelecimentos de ensino privado, tão recentemente criticados e, daqui por dez anos, dados como a única “alternativa viável”.

Porque, entretanto, não haverá mais professores licenciados. Não numa terra onde a formação é vista não como um investimento no futuro de todos mas antes uma ameaça a quem está directamente acima. Dependendo de muitos dirigentes, rapidamente voltaríamos todos a assinar de cruz. Daqui por dez anos estaremos mais perto deste objectivo.