Descoberta enguia que produz a maior descarga eléctrica gerada por um ser vivo

Afinal, existem três espécies de enguias-eléctricas, e não uma só, e uma delas consegue fazer descargas de 860 volts. Encontram-se na Amazónia, incluindo o Brasil, e noutros países da América do Sul

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Até aqui pensava-se que existia apenas uma espécie de enguia-eléctrica, a Electrophorus electricus, e que se distribuía por toda a Amazónia. No entanto, um estudo publicado esta terça-feira na revista Nature Communications demonstra que existem três espécies e que se concentram em diferentes regiões da floresta tropical. A Electrophorus voltai, uma das espécies descobertas, é capaz de produzir uma descarga eléctrica que pode atingir os 860 volts, a maior descarga gerada por um ser vivo.

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Até aqui pensava-se que existia apenas uma espécie de enguia-eléctrica, a Electrophorus electricus, e que se distribuía por toda a Amazónia. No entanto, um estudo publicado esta terça-feira na revista Nature Communications demonstra que existem três espécies e que se concentram em diferentes regiões da floresta tropical. A Electrophorus voltai, uma das espécies descobertas, é capaz de produzir uma descarga eléctrica que pode atingir os 860 volts, a maior descarga gerada por um ser vivo.

A espécie Electrophorus electricus encontra-se sobretudo no escudo das Guianas, um planalto que abrange o Sul da Venezuela, a Guiana, a Guiana Francesa, o Suriname e o Norte do Brasil. Já a Electrophorus voltai habita principalmente o escudo brasileiro, planalto situado um pouco mais a sul do escudo das Guianas. A outra espécie descoberta, a Electrophorus varii, aparece em maior número nas planícies da bacia hidrográfica do rio Amazonas.

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Espécie Electrophorus varii no Rio Negro, um dos maiores afluentes do rio Amazonas D. Bastos

“As mortes causadas por enguias-eléctricas em seres humanos são raras, devido aos baixos níveis de corrente (um ampere) e à curta duração [da descarga eléctrica]”, explica ao PÚBLICO Carlos David de Santana, cientista brasileiro do Museu Nacional de História Natural da Instituição Smithsonian, em Washington, e coordenador da investigação. “Ainda assim, o choque causa a contracção involuntária dos músculos e uma sensação de entorpecimento dolorosa, efeitos que podem ser comparados aos de um taser utilizado pelas autoridades”, completa Santana. A espécie E. voltai pode tornar-se mais perigosa quando, em algumas partes do ano, forma cardumes. “Se uma começa a descarregar, todas as outras o fazem em simultâneo.”

Em 1800, o naturalista alemão Alexander von Humboldt descreveu um ataque de enguias-eléctricas, que saltavam para atingir os cavalos da expedição, quando atravessavam um lago. Essa descrição era vista como uma lenda, até que em 2016 uma equipa norte-americana observou realmente este tipo de comportamento em laboratório e publicou os resultados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

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Espécie Electrophorus electricus no escudo das Guianas R. Covain

Os investigadores recolheram 107 enguias-eléctricas ao longo dos últimos seis anos no Brasil, na Guiana Francesa, no Suriname e na Guiana. Foram feitas análises de ADN, da morfologia e da distribuição geográfica e medida a tensão da descarga eléctrica dos animais. Carlos David de Santana e a sua equipa descobriram diferenças na forma do crânio, nas barbatanas peitorais e no arranjo dos poros que cada espécie possui.

Evolução das espécies

A partir das comparações genéticas, os investigadores concluíram que os antepassados das enguias-eléctricas surgiram na América do Sul há cerca de dez milhões de anos. Há 7,1 milhões de anos começaram a evoluir dois grupos de enguias-eléctricas. Um desses grupos é o antepassado comum das espécies E. electricus e E. voltai e vivia em áreas de relevo mais elevado. O outro grupo é o antepassado da espécie E. varii e habitava zonas de planície.

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Carlos David de Santana E. Kauano

A divergência entre a E. electricus e a E. voltai terá começado aproximadamente há 3,6 milhões de anos, altura em que o curso do rio Amazonas adoptou o rumo actual e passou a fluir entre o escudo das Guianas e o planalto brasileiro. A elevada tensão eléctrica das descargas de ambas as espécies pode ser uma adaptação à baixa condutividade eléctrica dos afluentes do rio em regiões de relevo elevado. Em contrapartida, as águas que circulam nas planícies da Amazónia, onde vive a E. varii, contêm minerais que favorecem a condução da electricidade.

Carlos David de Santana, em comunicado da instituição onde trabalha, sublinha também que a sequenciação total do genoma das três espécies no futuro e a sua comparação poderá fornecer novas pistas sobre a origem das descargas eléctricas. Uma vez que as três espécies divergiram há milhões de anos, a electrogénese – produção de electricidade por meio dos tecidos vivos – das enguias pode ter evoluído de forma distinta. “É possível que tenha diferentes enzimas ou componentes que podem ser utilizadas na medicina ou servir de inspiração a novas tecnologias”, indica o investigador.

Preservar a biodiversidade

Existem na América Central e do Sul 250 espécies de peixe capazes de gerar choques eléctricos, que os utilizam para comunicar e navegar. As enguias-eléctricas, que também recorrem às descargas eléctricas para a comunicação e navegação, são os únicos que usam esse mecanismo para caçar e se defenderem. Podem atingir os 2,5 metros de comprimento.

A E. electricus foi descrita pela primeira vez em 1766, pelo naturalista sueco Carlos Lineu. “A identificação de duas espécies novas de enguias-eléctricas revela o quanto está por descobrir na floresta tropical da Amazónia”, destaca agora Carlos David de Santana.

Perguntámos-lhe como tem olhado para os incêndios brutais dos últimos tempos na Amazónia: “É desolador ver o que está a acontecer na Amazónia”, responde, destacando a importância de preservar a biodiversidade. “Temos de ter presente que ainda só descobrimos uma pequena porção de toda a biodiversidade (entre um e 10%). Queimar focos de biodiversidade como a Amazónia é como queimar uma biblioteca mundial sem saber 90% do conteúdo dos livros que contém.”

Texto editado por Teresa Firmino