Bloco da social-democracia e das contas certas?

Confortável junto de um eleitorado urbano sensível a apelos radicais e a bandeiras fracturantes da guerra cultural, o Bloco ensaia a moderação do discurso para abrir o partido

Uma das revelações mais extraordinárias destes primeiros dias de campanha eleitoral vem do esforço do Bloco de Esquerda para disputar o grande maná do eleitorado do centro. Dizer sem rubor algum que “o programa do Bloco é social-democrata” faz parte desse esforço. E afirmar que o Bloco é um partido de “contas certas” confirma a inflexão da velha natureza ideológica do partido e a sua “normalização”. Depois sucessivas dissidências e cisões, com destaque para o abandono da Ruptura/Frente de Esquerda Revolucionária em 2011, o partido foi-se institucionalizando e esvaziou o seu passado quando aprovou quatro orçamentos do PS pensados para chegar ao défice zero. 

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Uma das revelações mais extraordinárias destes primeiros dias de campanha eleitoral vem do esforço do Bloco de Esquerda para disputar o grande maná do eleitorado do centro. Dizer sem rubor algum que “o programa do Bloco é social-democrata” faz parte desse esforço. E afirmar que o Bloco é um partido de “contas certas” confirma a inflexão da velha natureza ideológica do partido e a sua “normalização”. Depois sucessivas dissidências e cisões, com destaque para o abandono da Ruptura/Frente de Esquerda Revolucionária em 2011, o partido foi-se institucionalizando e esvaziou o seu passado quando aprovou quatro orçamentos do PS pensados para chegar ao défice zero. 

Confortável junto de um eleitorado urbano sensível a apelos radicais e a bandeiras fracturantes da guerra cultural, o Bloco ensaia a moderação do discurso para abrir o partido. Os slogans em favor do radicalismo esquerdista acabaram e o mínimo vestígio de vocação revolucionária foi enterrado sem que o mundo desabasse. Pelo contrário. O Bloco gaba-se hoje do apoio a um Governo que teve como trunfo um controlo férreo das contas públicas e o pior historial em décadas no capítulo do investimento público e essa abertura não o penaliza nas sondagens. O que mais encanta o eleitorado moderado de esquerda que pode dar a maioria do PS não é a revolução ou o palavreado anticapitalista, mas a renúncia a aventuras. Quando Catarina Martins alerta para “tempos de grandes incertezas e sob permanente ameaça de novas crises”, é para eles que está a falar.

Há, porém, um dilema identitário a resolver nesta estratégia. Se o Bloco tenta vestir a pele de cordeiro, não consegue apagar a sua natureza de lobo. Se o partido tem uma costela social-democrata, será a dos anos de 1920, não a da moderna social-democracia europeia que nasce no SPD (Programa de Bad Godesberg, 1959) e ainda menos os da Terceira Via. O Bloco continua a conservar um discurso hostil ao mercado livre, às empresas e ao lucro e insiste na nacionalização de sectores e companhias estratégicas. Quer contas certas mas não as aplica nesse mundo de sonho com 25 dias de férias e 35 horas de trabalho para todos, aos custos das renacionalizações ou programas de 150 mil casas a rendas baixas.

O Bloco quer ser normal e chegar ao sentimento dos eleitores normais. Fica-lhe bem. Mas como não pode deixar de ser o que é, força-nos a um choque entre os desejos e os programas. Para ser social-democrata e apelar com consistência a contas certas tem ainda um longo caminho a fazer.