Governo e entidades públicas falham prazos e obrigações de informação ao Parlamento

Assembleia devia receber informação regular para cumprir a sua competência de fiscalizar a actividade do Executivo e de muitas entidades públicas, mas quase metade dos relatórios não são entregues. As falhas são generalizadas – e prazos é algo que poucos cumprem.

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Nuno Ferreira Santos

Prazos trimestrais, semestrais e anuais ultrapassados em semanas, meses e até anos; relatórios de actividades e contas que não chegam ou entram só depois de serem pedidos; estudos e auditorias que nunca foram feitos. Governo, entidades públicas e ordens profissionais que são obrigadas a prestar contas regulares à Assembleia da República (AR) têm, em muitas ocasiões, ignorado a lei e não comunicam ao Parlamento boa parte da informação que deveriam.

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Prazos trimestrais, semestrais e anuais ultrapassados em semanas, meses e até anos; relatórios de actividades e contas que não chegam ou entram só depois de serem pedidos; estudos e auditorias que nunca foram feitos. Governo, entidades públicas e ordens profissionais que são obrigadas a prestar contas regulares à Assembleia da República (AR) têm, em muitas ocasiões, ignorado a lei e não comunicam ao Parlamento boa parte da informação que deveriam.

São raras as entidades que se podem gabar de ter o currículo limpo: o Governo é o que tem mais faltas, mas até entidades como o Conselho Superior da Magistratura, o Tribunal de Contas, o Provedor de Justiça, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a Comissão de Protecção de Dados, o Conselho de Fiscalização das secretas ou vários reguladores têm falhado nos últimos quatro anos os prazos de entrega ao Parlamento da informação que é obrigatória por lei.

Essa é a conclusão de uma análise ao último Relatório de Informações a prestar à Assembleia da República no âmbito da aprovação das leis e dos decretos-lei, cujos dados são compilados pelos serviços parlamentares anualmente desde 2012. O mais recente é de 2018 e abrange a legislação entre 1977 e 2018, depois da “limpeza” que o actual Governo foi fazendo à legislação que já estava “caduca” – já chegou a fazer-se abrangendo também 1976.

O trabalho parece hercúleo: a DILP - Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar pesquisou 19.385 diplomas (3494 são leis saídas do Parlamento; os restantes são decretos-lei vindos do Governo) e 121 ditavam obrigações de prestar informação à AR, num total de 139 comunicações a fazer por ano. Depois, questionou as respectivas comissões parlamentares que deveriam receber a informação. Do total de 139 comunicações que deviam ser feitas anualmente, 76 obrigações foram cumpridas (boa parte, depois do prazo), mas 56 não foram. Houve ainda sete casos em que os pressupostos que exigiam a comunicação à AR não se cumpriram.

Do Governo, são as áreas da Saúde e das Finanças que mais obrigações têm – e, também por isso, são quem mais falha. Na área da droga, o SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências tem apresentado, sistematicamente com quase um ano de atraso, os relatórios sobre a situação do país em matéria de drogas e de álcool, assim como sobre as políticas de prevenção, tratamento e reinserção de toxicodependentes. Já o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida devia fazer um relatório anual sobre a sua actividade, mas a única coisa que tem enviado ao Parlamento são os pareceres que lhe foram pedidos no âmbito, por exemplo, da eutanásia e das chamadas barrigas de aluguer.

O relatório anual de avaliação do programa de troca de seringas nas prisões, que o Governo devia ter elaborado, nunca chegou, entre 2015 e 2018. E, no mesmo período, também não entregou qualquer relatório sobre as condições de aplicação da informação genética na área da saúde, onde se inclui o recurso a testes genéticos, as bases de dados genéticos.

Em falta está igualmente o programa de intervenção para a redução do sal nos alimentos (depois da redução no pão, em 2009) e a listagem dos edifícios públicos com amianto. E da DGS - Direcção-Geral de Saúde não chegou qualquer relatório anual sobre a actividade de transplantação de órgãos humanos. Chegaram, mas meses depois do prazo, os relatórios anuais de acesso aos cuidados de saúde no SNS e entidades convencionadas. E os planos de actividades da Entidade Reguladora da Saúde deviam ser apresentados na comissão no primeiro trimestre mas só o têm sido no segundo.

Ordens com muitas falhas

Onde é que o Executivo falhou também? Não enviou ao Parlamento qualquer relatório sobre a avalização da exposição involuntária ao fumo do tabaco, sobre o inventário da deposição de resíduos industriais para a implantação do Plano Nacional de Prevenção daqueles resíduos, sobre o estado do ordenamento do território, sobre o ordenamento e gestão do espaço marítimo nacional, sobre os efeitos das alterações climáticas (devia ser feito anualmente pelo respectivo observatório), nem sobre o estado do património cultural no país (era a cada três anos, desde 2001). Faltam ainda os relatórios finais das missões de contingentes militares portugueses no estrangeiro, bem como os de execução dos programas operacionais de fundos europeus do QREN 2007/2013.

Na área das Finanças, até ao final de 2018, o Executivo também não remeteu qualquer informação à Comissão de Orçamento (devia fazê-lo trimestralmente) sobre as operações de recuperação de dívidas ao fisco e à Segurança Social (como a que fez em 2016), sobre os financiamentos e condições dos empréstimos no âmbito da emissão e gestão da dívida pública, ou sobre os movimentos do Fundo de Apoio Municipal.

Reguladores como o das comunicações (Anacom), da concorrência (AdC), da energia (ERSE), da aviação (ANAC) ou da comunicação social (ERC) têm também falhado em algumas obrigações (como os planos de actividades e dados sobre vencimentos) e, quando as cumprem, têm-no feito sistematicamente fora do prazo (e só depois de a COFMA as pedir).

As ordens profissionais estão obrigadas, desde 2015, a enviar ao Parlamento relatórios sobre a “prossecução das suas atribuições” até 31 de Março. A Ordem dos Médicos devia fazê-lo a partir de 2016, mas só o fez sobre 2017 e 2018, em ambos os casos com pelo menos três meses de atraso; a dos Farmacêuticos só enviou o de 2017 e apenas no fim de Abril de 2018; da Ordem dos Psicólogos só foi remetido um relatório em Março de 2017; e dos Nutricionistas há a indicação de que só terá sido enviado o de 2016. Não há registo dos relatórios que deveriam chegar da Ordem dos Médicos Veterinários nem da Ordem dos Notários.

O relatório do Parlamento poderá, no entanto, ter falhas. A Ordem dos Nutricionistas confirmou entretanto ao PÚBLICO que tem remetido anualmente, dentro do prazo, toda a informação devida por lei ao Parlamento. 

A rematar, uma curiosidade: há uma lei de 1998 que obriga quem está no poder no Governo nacional, nas regiões autónomas e nas autarquias a elaborar relatórios anuais, até Março, sobre o grau de observância do respeito pelos direitos da oposição. Nada foi entregue no Parlamento, mas a verdade é que também nenhum partido da oposição parece ter-se preocupado com isso.

Notícia corrigida:

1 - Os planos de actividades da Entidade Reguladora da Saúde não chegaram fora do prazo como se dizia na versão inicial, mas apenas foram apresentados na Comissão de Saúde já fora do prazo, por marcação do Parlamento.

2 - Com a informação remetida pela Ordem dos Nutricionistas comprovando as entregas anuais dos relatórios de actividades, mas cuja indicação não consta no documento elaborado pelos serviços do Parlamento que serviu de base a esta notícia.