Armando Vara: Vale do Lobo “era um excelente negócio para a Caixa, lamento que tenha corrido mal”

Ex-governante do PS diz que foi escolhido para administrador da Caixa por Teixeira dos Santos e que o banco público não “teve intervenção na guerra do BCP”.

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Armando Vara LUSA/MIGUEL A. LOPES

Eram 13h36 quando Armando Vara entrou na sala da comissão parlamentar de inquérito rodeado pelo seu advogado e pelo deputado socialista Jorge Gomes. O momento era esperado, uma vez que o antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos pediu para não ser ouvido, por se encontrar preso em Évora. E dada “essa situação” em que “se encontra”, que classificou como “martírio”, Vara avisou os deputados que pouco ou nada iria dizer sobre o principal processo que o envolve: o empréstimo para o empreendimento de Vale do Lobo. Contudo, acabou por responder às perguntas e até assumir que achou que esse seria "um excelente negócio” para a Caixa. “Lamento que tenha corrido mal.”

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Eram 13h36 quando Armando Vara entrou na sala da comissão parlamentar de inquérito rodeado pelo seu advogado e pelo deputado socialista Jorge Gomes. O momento era esperado, uma vez que o antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos pediu para não ser ouvido, por se encontrar preso em Évora. E dada “essa situação” em que “se encontra”, que classificou como “martírio”, Vara avisou os deputados que pouco ou nada iria dizer sobre o principal processo que o envolve: o empréstimo para o empreendimento de Vale do Lobo. Contudo, acabou por responder às perguntas e até assumir que achou que esse seria "um excelente negócio” para a Caixa. “Lamento que tenha corrido mal.”

Para Vara, a ideia “era um bom projecto” e foi isso que levou o banco público a entrar com 75% do financiamento à empresa. Acresce que “encaixava” na estratégia da administração da CGD de entrar no sector do imobiliário turístico. "Era excelente para a Caixa", assegurou. Segundo o ex-governante socialista, houve um “entusiasmo” no conselho de administração da CGD com este projecto. “O conselho só teceu elogios ao negócio” em reuniões em que o assunto foi “abundantemente discutido”. 

Mais tarde, já em respostas à deputada do CDS, Cecília Meireles, acabou por dizer que a decisão do negócio - e de o capital ser quase todo da Caixa - foi uma decisão do conselho, mesmo apesar das reservas do departamento de risco: “Manda quem pode”, afirmou.

Da avaliação que a Caixa então fez do negócio, que depois viria a resultar nas maiores perdas para o banco público, terá ficado claro que aquele era um negócio sem risco. Vara garantiu mesmo que a direcção de risco “nunca se opôs”. Em conclusão, Armando Vara não teve dúvidas em assumir que voltaria a defender o projecto. “Dizerem agora que era um disparate é muito fácil, mas na altura era um grande negócio para a Caixa. (...) Lamento que tenha corrido mal”, afirmou. Mais tarde acrescentaria: "Ninguém lamenta mais do que eu o que aconteceu [com o projecto]. Porque sou eu, a minha família e amigos, quem mais está a pagar”.

Para o antigo administrador da Caixa, “foi a grave crise que assolou o mundo” que arruinou um negócio quando, “no primeiro ano a empresa, amortizou 29 milhões de euros”. “Se calhar entusiasmámo-nos de mais. Eu fui um dos entusiastas do projecto. É-me difícil pensar que nas mesmas condições, não faria o mesmo. É com dor que olho para trás e vejo o que aconteceu”, disse.

Estas declarações foram feitas em resposta à deputada bloquista Mariana Mortágua, que Vara elogiou por ter “engenho e arte” para o pôr a falar. Antes, na sua declaração inicial, o socialista disse que não iria responder a perguntas sobre o empreendimento de Vale do Lobo: “Para salvaguarda dos meus direitos de defesa, não devo por ora pronunciar-me sobre créditos de Vale do Lobo”, disse, até que o processo judicial no âmbito da Operação Marquês esteja concluído. “Quero deixar claro que não vou responder a perguntas sobre Vale do Lobo”, disse.

Mas mesmo nessa declaração inicial acabou por falar e dizer que “todos os procedimentos legais e regulamentares foram cumpridos”. Ainda sobre este assunto, disse que aconteceu uma reunião em Outubro de 2006 com os promotores do empreendimento e “todos os administradores da CGD” e que, no final, houve um “agrado geral” sobre a proposta. 

No início da audição, Armando Vara quis explicar as dificuldades que teve em aceder a informação por estar preso. “Procuro sensibilizar para a situação em que me encontro e que resulta da impossibilidade de acesso a qualquer tipo de informação desde há 5 meses o que inviabiliza a possibilidade de preparação”, começou por dizer.

Logo de seguida quis contar que ele e as pessoas com quem “partilha este martírio” estão limitadas na sua possibilidade de acederem a informação, porque nem um “computador sem acesso externo” lhe permitem ter. “Tudo o que tenho a escrever, escrevo à mão”. A seguir a esta constatação, fez uma consideração sobre o sistema, dizendo que este fala muito em “inclusão”, mas que quem sai da prisão, “sairá info-excluído”.

Nas primeiras respostas, começando pelo deputado Virgílio Macedo, do PSD, Vara contou que foi convidado para administrador da Caixa Geral de Depósitos pelo então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos. 

Caixa sem influência na “guerra do BCP"

Ao mesmo deputado, respondeu sobre a influência da CGD na guerra do BCP, dizendo que uma das primeiras decisões da administração de que fez parte foi relativa à venda das acções que a Caixa tinha no banco privado para reduzir a participação. Contudo, isso foi notado pelo então administrador do BCP, Paulo Teixeira Pinto. “Fui falar com Paulo Teixeira Pinto” sobre a decisão de ir retirando a Caixa do banco privado. Nessa conversa, o então administrador do BCP ter-lhe-á pedido para que pelo menos a CGD mantivesse 1% do capital porque entendia que o Estado ter uma participação protegia o BCP de uma possível OPA. Vara conta aos deputados que lhe disse: “Estamos a vender porque a exposição era exagerada e não víamos uma necessidade de manter uma participação num banco que era concorrente”, disse.

Apesar desta situação, Vara garantiu aos deputados: A Caixa "nunca teve qualquer intervenção nas guerras do BCP. Tentou desfazer-se de forma a não causar danos à instituição e a si própria".

Uma afirmação que não foi aceite pelo deputado do PSD à luz dos créditos concedidos a Joe Berardo. Questionado sobre estes créditos para compra de acções, Vara refugiou-se no facto de as decisões serem num “órgão colegial”. “Tomávamos as decisões por bom senso”, afirmou.

Armando Vara deixou ainda a ideia de que não houve nenhum administrador do banco público que tivesse questionado ou posto em causa os créditos a Berardo (sem nunca mencionar o nome). “Bastava que um elemento do conselho de administração desse sinal de algum desconforto para que a operação parasse, ficasse para a próxima reunião ou até que a pessoa se sentisse confortável ou até retirada se fosse o caso”, disse.

Créditos problemáticos: “Se tivéssemos imaginado não tínhamos concedido"

Armando Vara defendeu aos deputados que é preciso contextualizar alguns dos créditos que se revelaram problemáticos com a altura em que foram concedidos e que depois sofreram com a crise. “Se tivéssemos imaginado alguma vez que algum daqueles créditos não ia ser pago não o tínhamos concedido", disse em resposta à deputada socialista Constança Urbano de Sousa.

Para o antigo administrador - e também antigo ministro de governos PS - o que aconteceu a algumas das empresas “foi que o que arrasou boa parte das finanças do mundo inteiro e que Portugal não podia ficar impune. Toda a economia que estava alavancada em empréstimos bancários, faliram", defendeu.

A deputada insistiu na ideia de como podia ser normal, mesmo no contexto de há muitos anos, conceder empréstimos com os clientes com capitais próprios insuficientes, não dando as garantias necessárias. A essa pergunta, Vara acedeu: “Era normal e até mais normal nuns sítios do que noutros”. Antes já tinha admitido que “na altura isso era o pão nosso de cada dia na banca”. “Se era normal já sei porque estamos aqui hoje a discutir as perdas da CGD”, respondeu a deputada.

Constança Urbano de Sousa tinha questionado Armando Vara sobre o facto de enquanto administrador ter votado favoravelmente à concessão de empréstimos ao Grupo Lena para a compra da Abrantina com propostas de concessão que foram revistas várias vezes em três semanas e sempre com a redução de garantias cada vez que a proposta era alterada. Sobre este assunto, Vara disse apenas: “Não tenho grande memória dessa operação, não quer dizer que não tenha tido responsabilidade”, disse.

Nesta resposta, Vara acabou por revelar que era procedimento interno não haver grande discussão na administração em frente a terceiros, para não dar a ideia de divisão no banco público, acrescentando que não se recorda de alguém ter levantado problemas sobre estes créditos.