A (falsa) excepcionalidade portuguesa

As figuras que, em Portugal, mais facilmente podemos qualificar como populistas ou são claramente impreparadas e desarticuladas e normalmente oriundas de partidos irrelevantes, ou, ainda que articuladas, não conseguem construir um discurso global que não seja dedicado apenas a assuntos específicos.

Foto
LUSA/MIGUEL A. LOPES

Actualmente, Portugal aparece no contexto político europeu como uma excepcionalidade, pela ausência de fenómenos populistas com expressão eleitoral significativa. A isto contraporão alguns os exemplos do Bloco de Esquerda e do PCP, que não só têm expressão eleitoral como foram determinantes para a actividade governativa durante esta legislatura. Só que dizer tal coisa é alargar demasiado o âmbito do populismo, que assim passa a integrar todo e qualquer discurso menos centrista, mais deslocado do mainstream.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Actualmente, Portugal aparece no contexto político europeu como uma excepcionalidade, pela ausência de fenómenos populistas com expressão eleitoral significativa. A isto contraporão alguns os exemplos do Bloco de Esquerda e do PCP, que não só têm expressão eleitoral como foram determinantes para a actividade governativa durante esta legislatura. Só que dizer tal coisa é alargar demasiado o âmbito do populismo, que assim passa a integrar todo e qualquer discurso menos centrista, mais deslocado do mainstream.

Dito de outra forma: dizer que estes partidos são populistas não é mais do que fazer uso de um discurso panfletário, que por certo recolhe apoios internos mas nem por isso deixa de estar deslocado quando comparado com os verdadeiros fenómenos populistas que se mostram na Europa. O que, em última análise, poderá ter como consequência a sua não-identificação, ou identificação tardia, quando Portugal deixar de ser a tal excepcionalidade. O que poderá acontecer em breve.

De acordo com a sondagem ICS/ISCTE sobre o populismo, analisada neste texto publicado no Expresso por Pedro Magalhães, e que serviu de ponto de partida para este artigo, o eleitorado português não tem uma predisposição menor do que outros para aderir a ideários populistas. Eis alguns dos dados que apontam neste sentido: 86% dos inquiridos concordam com a ideia de que os políticos falam muito e fazem pouco; 73% concordam ou concordam totalmente com a ideia de que existe uma divisão profunda entre o povo e a elite; já 58% dizem que, em política, chegar a compromissos significa abdicar de princípios — o que demonstra bem uma certa valorização do antagonismo e do confronto, em detrimento do compromisso e da cedência, indispensáveis para uma democracia sã. Dados como estes acabam por fazer cair o mito da singularidade do povo dos “brandos costumes”, que já era em si historicamente infundado.

Isto significa que não existe um desdém generalizado que impeça a ascensão de partidos populistas. Antes pelo contrário, assim os dados da sondagem nos mostram, existe receptividade a esse tipo de argumentário. O problema (um bom problema, diga-se) está na fraca qualidade das interpelações. As figuras que, em Portugal, mais facilmente podemos qualificar como populistas, ou são claramente impreparadas e desarticuladas e normalmente oriundas de partidos irrelevantes, ou, ainda que articuladas, não conseguem construir um discurso global que não seja dedicado apenas a assuntos específicos.

Em princípio, podemos também apontar a falta de assuntos que constituam uma oportunidade para abordagens populistas. Fruto da nossa localização geográfica, os grandes problemas que afectam a Europa, como a (des)integração de migrantes que conduz a um tecido social cada vez mais fragmentado e polarizado ou os atentados sistemáticos ao Estado de Direito, não são sentidos por cá. Contudo, não nos podemos esquecer da corrupção e do potencial populista que ela tem.

Com razão ou sem ela, a ideia que passa é que Portugal é um país minado pela corrupção, seja nas altas esferas de decisão, seja através do pequeno favor que garante o acesso ao emprego ou ao subsídio. Digo com razão, ou sem ela, porque se é verdade que os casos de corrupção que têm vindo a público não podem ser normalizados, até pelas figuras que envolvem, também não devemos entrar numa insustentável caça às bruxas que dissemine a ideia de que a corrupção se sobrepõe sempre ao mérito. E que quem chega a lugares de topo o consegue apenas por vias travessas.

Um comportamento deste género, quase persecutório das elites, apenas afastará os melhores da vida pública e, ainda pior do que isso, aprofundará a sensação de barreira intransponível entre nós e as elites. Entre nós, o povo trabalhador, e eles, a elite corrupta. E isso é tudo o que os populistas querem.