O entulho da Grande Lisboa está a parar em Loures e a câmara está farta

Entre 2016 e 2018, o volume de entulho que a câmara de Loures teve de tirar de terrenos vazios mais do que triplicou. Há riscos ambientais e uma factura pesada para o erário público.

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Daniel Rocha

O método varia consoante as pessoas envolvidas, mas os grupos mais organizados fazem assim: primeiro passam de carro, devagar, a avaliar o melhor sítio; mais tarde voltam, os mesmos ou colegas, para descarregar o que querem.

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O método varia consoante as pessoas envolvidas, mas os grupos mais organizados fazem assim: primeiro passam de carro, devagar, a avaliar o melhor sítio; mais tarde voltam, os mesmos ou colegas, para descarregar o que querem.

Este é um lado da reabilitação urbana que geralmente passa despercebido. As milhares de obras que pululam por toda a Grande Lisboa originam muitos milhares de toneladas de entulho e este nem sempre tem o devido tratamento. A sua deposição ilegal em terrenos vazios está a aumentar e a tornar-se um problema sério.

“Colas, vedantes, aditivos, fibras de amianto, solventes, tintas, lâmpadas, filtros de ar condicionado” são, segundo o vice-presidente da câmara de Loures, alguns dos resíduos que têm aparecido em vários locais do concelho. “É um problema ambiental de grande dimensão”, alerta Paulo Piteira.

Em Loures, perante o aumento exponencial do volume de deposições ilegais dos últimos anos, a câmara entendeu que chegou o momento da “tolerância zero”. Na semana passada, a Polícia Municipal, com a ajuda da PSP da GNR, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR), lançou uma campanha de fiscalização que a autarquia quer que sirva de aviso aos prevaricadores.

Com recurso a drones e câmaras ocultas, a polícia conseguiu seguir os passos de cinco pessoas e detê-las no preciso momento em que começavam a despejar o lixo das carrinhas. Em operações stop e inspecções a estaleiros de obras ainda foram identificadas mais três dezenas de infracções.

“Esta situação tem vindo a trazer para o espaço público um volume de resíduos muito significativo. Tem vindo a penalizar muito o espaço público do nosso concelho”, afirma Bernardino Soares, presidente da câmara, que esta terça-feira pediu ao Governo que actue. “Este problema só será resolvido quando tivermos uma política nacional de valorização destes resíduos que torne atractiva a sua entrega legal”, diz o autarca, propondo a criação de uma entidade gestora para os resíduos de construção e demolição (RCD), como se designa oficialmente aquilo a que também se chama entulho.

Estas entidades gestoras, que congregam produtores para os tornar co-responsáveis pelo que acontece aos materiais em fim de vida, existem já para embalagens, vidros, pilhas, electrodomésticos, óleos, carros, pneus e medicamentos. “Podemos limpar mais e ter mais fiscalização, mas precisamos de um esforço global”, diz Bernardino Soares.

As descargas ilegais comportam riscos de “contaminação de terrenos, cursos de água e lençóis freáticos”, refere Paulo Piteira, mas têm também um custo para os cofres públicos que tem vindo a subir. Em 2018, a câmara de Loures teve de remover mais de seis mil toneladas de entulho de terrenos vazios, o que custou quase 138 mil euros. Apenas dois anos antes, em 2016, o volume de resíduos retirados tinha sido de duas mil toneladas.

“Temos a convicção, muitas vezes documentada, que uma parte deles vem de outros concelhos”, declara Bernardino Soares. “Os locais de origem são muito diversificados. Há gente da margem sul que vem cá, como certamente haverá gente da margem norte que vai lá. É certo que a cidade de Lisboa tem um contributo forte”, esclarece Paulo Piteira.

Apesar da dimensão metropolitana do problema, cada autarquia continua ainda a agir sozinha. O vice de Loures faz questão de enfatizar que, naquele concelho, “a moldura contra-ordenacional associada a este tipo de crimes é pesadíssima”, indo dos 20 mil aos 200 mil euros para particulares e dos 30 mil aos 300 mil euros para empresas. Paulo Piteira diz que existem “redes organizadas de recolha e transporte”, que apresentam “alguma sofisticação” e que fazem desta “uma actividade lucrativa”.

“Esta situação é intolerável”, diz Bernardino. O autarca pede à população que denuncie as descargas ilegais e vai mandar construir um centro municipal para recolha destes resíduos, onde seja possível fazer uma primeira triagem e o seu reencaminhamento para empresas que os valorizem.