Dos neo-noirs existencialistas a Ida Lupino

Um filme de que não se gostou e uma série de que se gostou levaram a uma busca pelas versões femininas de The Long Goodbye ou The Big Lebowski.

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Ida Lupino Silver Screen Collection/Getty Images

Não gostei de Under the Silver Lake, de David Robert Mitchell, visto há uns meses no cinema, mas pus-me a pensar no quanto gosto dos filmes que o inspiraram, do The Big Sleep de Hawks ao The Long Goodbye de Altman. Se bem que separados por décadas, em comum, esses dois têm não só Philip Marlowe e Raymond Chandler, mas também a argumentista Leigh Brackett. Em vez de rever The Long Goodbye, fui ler o guião que Altman praticamente ignorou – está na internet, se bem que faltam algumas páginas, o que até é bom.

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Não gostei de Under the Silver Lake, de David Robert Mitchell, visto há uns meses no cinema, mas pus-me a pensar no quanto gosto dos filmes que o inspiraram, do The Big Sleep de Hawks ao The Long Goodbye de Altman. Se bem que separados por décadas, em comum, esses dois têm não só Philip Marlowe e Raymond Chandler, mas também a argumentista Leigh Brackett. Em vez de rever The Long Goodbye, fui ler o guião que Altman praticamente ignorou – está na internet, se bem que faltam algumas páginas, o que até é bom.

Depois, nas entrevistas sobre a óptima Russian Doll, a co-criadora Leslye Headland mencionou The Long Goodbye e O Grande Lebowskineo-noirs "existencialistas”, chamou-lhes, onde o mistério em si não é propriamente muito importante – e perguntou onde é que estavam as versões femininas desses filmes. A série não é de detectives, mas tem muito disso no seu ADN, tal como Search Party. Se calhar, elas estão é na televisão.

Por falar nisso, a Sight and Sound de Abril tem um texto de Imogen Sara Smith sobre as detectives no cinema e na TV, enquanto, há uns meses, o Vulture publicou uma lista de Angelica Jade Bastién de noirs com mulheres, o que me levou ao delicioso Lured, um Douglas Sirk pré-melodramas technicolor com uma Lucille Ball pré-I Love Lucy.

Sem sair do Altman, a double bill de sábado passado na Cinemateca tinha uma média de Chabrol e A Perfect Couple, um Altman de 1978, comédia romântica com Paul Dooley a transbordar de ideias que, mesmo que não seja perfeita, me encantou. Antes disso, Lily Tomlin e Art Carney em The Late Show, de Robert Benton, com produção de Altman a piscar os olhos a todo esse passado.

Na lista para ler está Liberating Hollywood: Women Directors and the Feminist Reform of 1970s American Cinema, de Maya Montañez Smukler, sobre a década de 70 e a Nova Hollywood, era que só 16 mulheres puderam realizar filmes que tiveram estreia comercial. São filmografias curtas, com poucos meios e nem sempre o melhor material, e a lista inclui Elaine May – heroína de sempre – Joan Micklin Silver – ninguém pega no novo restauro de Between the Lines, de 1977, para passar em sala? –, Joan Rivers, Anne Bancroft, Jane Wagner – esposa de Lily Tomlin – e Claudia Weill.

Ainda assim, é bem melhor do que as décadas anteriores, em que, depois do som, Hollywood só teve espaço para Dorothy Arzner – o Dance, Girl, Dance dela devia ser mais visto –, Esther Eng e Ida Lupino. Esta última, aprendi no Seduction: Sex, Lies, and Stardom in Howard Hughes's Hollywood de Karina Longworth, denunciou colegas comunistas. Mas, ao contrário de Elia Kazan – cuja esposa, a Barbara Loden de Wanda, é uma das 16 mulheres de Maya Smukler –, fê-lo pela calada. Curiosamente, o seu tenso, curto e perfeito The Hitch-Hiker, o primeiro noir realizado por uma mulher, só tem homens.