Nobel, Nordhaus e alterações climáticas: reconciliar Economia e Física é vital

Será que o uso de medidas físicas da produtividade do capital permitem compreender que o capital tem um contributo muito superior ao que é habitualmente estimado, permitindo assim explicar a produtividade total de factores e estabelecer uma muito mais forte ligação entre crescimento económico, conhecimento, energia e as suas implicações para o clima?

Dia de 10 de Dezembro, William Nordhaus, economista e professor na Universidade de Yale, recebe em Estocolmo (juntamente com Paul Romer) o Prémio Nobel da Economia, por “integrar as alterações climáticas na análise macro-económica de longo prazo”, enquanto decorre na Polónia a Conferência do Clima e uma semana depois de o Governo português apresentar o Roteiro Nacional de Baixo Carbono.

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Dia de 10 de Dezembro, William Nordhaus, economista e professor na Universidade de Yale, recebe em Estocolmo (juntamente com Paul Romer) o Prémio Nobel da Economia, por “integrar as alterações climáticas na análise macro-económica de longo prazo”, enquanto decorre na Polónia a Conferência do Clima e uma semana depois de o Governo português apresentar o Roteiro Nacional de Baixo Carbono.

Qual é então o contributo de Nordhaus para a Economia do Clima? Para o perceber, podemos seguir de perto o texto oficial que fundamenta a atribuição conjunta do Prémio Nobel a Nordhaus e Romer. Apropriadamente, este texto começa por rever o modelo neoclássico de crescimento económico, o modelo de Solow (o orientador do doutoramento de Nordhaus). Romer estendeu o modelo de Solow para melhor considerar a externalidade positiva associada à criação de conhecimento; Nordhaus estendeu o modelo de Solow para considerar a externalidade negativa associada à emissão de dióxido de carbono.

De forma simples, o contributo de Nordhaus traduziu-se na integração no modelo de Solow de quatro mecanismos fundamentais:

  1. o efeito da actividade económica no uso de energia;
  2. o efeito do uso de energia na concentração de dióxido de carbono na atmosfera;
  3. o efeito da concentração de dióxido de carbono na atmosfera na temperatura global;
  4. o efeito da temperatura global na actividade económico e no bem estar humano.

Este esforço traduziu-se no famoso modelo DICE – Dynamic Integrated Climate Economy, cuja primeira versão foi publicada em 1994.

Este trabalho de Nordhaus é justamente considerado, nomeadamente pela Academia, como um precursor dos actuais integrated assessment models, que integram questões económicas e ambientais para analisar trajectórias futuras do clima e da economia (daí a menção “integrated”).

Impõe-se, no entanto, uma nota de cautela sobre estes modelos: sofrem do que já foi designado como “compression of uncertainty” (tal como formulada por Arnulf Grubler ou por Mike Hulme, fundador e primeiro director do famoso Tyndall Centre for Climate Change Research, na University of East Anglia). Para que os economistas consigam fazer estes modelos, e nomeadamente considerando a sua componente de optimização, precisam de receber dos cientistas naturais uma versão muito simplificada do comportamento do sistema natural, em que a incerteza foi artificialmente reduzida, de forma a tornar o problema tratável do ponto de vista da economia.

Assim, quer as versões mais simplificadas de Nordhaus, quer as versões mais detalhadas subsequentes, devem ser acima de tudo tratadas como toy models (no sentido em que esta expressão é usada em Física), que nos permitem obter insights sobre o problema, e não modelos que nos dêem valores numéricos suficientemente rigorosos para tomar decisões com base neles (embora naturalmente esses valores numéricos sejam extremamente apelativos em termos de comunicação social...). 

No entanto, as incertezas nestes modelos não são, de todo, só do âmbito da ciência climática. Os cenários de emissões usados pelo IPCC para estimar as possíveis trajectórias compatíveis com, por exemplo, um aquecimento de 1,5 °C, estão criticamente dependentes de estimativas da evolução do PIB de cada país no próximo século (e da evolução das intensidades energética e carbónica do PIB). Estas estimativas estão por sua vez criticamente dependentes de estimativas para a evolução da produtividade total de factores, ponto onde reencontramos o trabalho de Romer.

Na fundamentação da atribuição do prémio deste ano, a Academia (Real Academia Sueca de Ciências) afirma que: “In central ways, the work by both Laureates draws on and overlaps with other sciences. (...) Thus, the two laureates have brought knowledge and nature into the realm of economic analysis and made them an integral part of the endeavour.”

A chave para o desenvolvimento futuro destas linhas de investigação está provavelmente na conjugação dos papéis do “conhecimento” e da “natureza”, em conjunto com uma forte perspectiva histórica.

Façamos aqui um pequeno desvio. Um dos aspectos pelos quais Nordhaus é conhecido entre os economistas é por ter sido, a partir dos anos 80, o co-autor do famoso livro de texto de Paul Samuelson. Ora Paul Samuelson fez o seu bacharelato em Física e, no doutoramento, a sua formalização da Economia, mais tarde publicada no livro Foundations of Economic Analysis, inspirou-se fortemente na Termodinâmica, tal como formulada pelo físico americano Joseph Willard Gibbs. São palavras do próprio Paul Samuelson quando disse “"Until the laws of thermodynamics are repealed, I shall continue to relate outputs to inputs –​ i.e. to believe in production functions.” [1]

Também Samuelson, numa entrevista [2] em 2009, em resposta à pergunta:

“(...) What would you say to someone starting graduate study in economics? Where do you think the big developments in modern macro are going to be, or in the micro foundations of modern macro? Where does it go from here and how does the current crisis change it?”

disse:

"Well, I'd say, and this is probably a change from what I would have said when I was younger: Have a very healthy respect for the study of economic history, because that's the raw material out of which any of your conjectures or testings will come.”

Como é habitual na atribuição dos Prémios Nobel, frequentemente considera-se que o vencedor do Prémio é merecedor, mas que a sua contribuição mais importante não é aquela que foi mencionada pela Academia. O caso mais famoso é talvez o de Albert Einstein, a quem o prémio foi atribuído pelo efeito fotoeléctrico e não pela teoria da relatividade (restrita e generalizada).

Para William Nordhaus, aplica-se talvez também esta situação, referente a vários trabalhos, mas dos quais o que é neste momento relevante destacar é o seu trabalho de 1996 sobre a iluminação. Neste trabalho, faz simultaneamente uma análise histórica e termodinâmica, sobre a inovação na tecnologia de iluminação e sobre as consequências dessa inovação para os nossos cálculos de índices de preços e de PIB.

Concretamente, estimou os custos e o desempenho das tecnologias de iluminação, desde a pré-história, passando pela Babilónia, até às múltiplas tecnologias dos últimos séculos (velas, lâmpadas com óleo de baleia, lâmpadas incandescentes, lâmpadas fluorescentes). Fez fogueiras, fez experiências com lâmpadas do tempo dos romanos, um verdadeiro trabalho de investigação entre as ciências naturais e a economia. Com esta informação, construiu um índice do “verdadeiro preço da luz”, que comparou com o “índice de preços oficial”. E que concluiu Nordhaus? Tomando como referência o ano de 1800, em 1992 o verdadeiro valor da luz já era 1000 vezes superior ao que era estimado pelas estatísticas oficiais!

Mais recentemente, em 2007, Nordhaus aplicou este mesmo tipo de análise à capacidade de cálculo dos computadores, mais uma vez concluindo que as medidas de preço feitas com base no desempenho físico têm reduções muito superiores às que são apresentadas nas estatísticas oficiais.

Para terminar, ilustremos esta ideia, com uma pequena parábola, bastante simplificada. Consideremos Inglaterra no século XVIII, antes da Revolução Industrial. Um agricultor trabalha a terra só com um cavalo, e produz alimento suficiente para a sua família. A esmagadora maioria dos ingleses são agricultores. Fast forward para o presente. O agricultor trabalha agora a terra com um tractor de 100 cavalos, isto é, com uma potência igual à de 100 cavalos e produz 100 vezes mais. Como é que sabemos isto? Porque hoje só 1% dos ingleses é que são agricultores. What’s the catch? É que hoje, um tractor de 100 cavalos tem um custo na ordem das dezenas de milhares de euros, e um cavalo tem um custo na ordem dos milhares de euros. Isto é, o tractor é dez vezes mais caro, mas 100 vezes mais produtivo.

Será então que o uso de medidas físicas da produtividade do capital, na abordagem que Nordhaus aplicou à iluminação e à computação, permitem compreender que o capital tem um contributo muito superior ao que é habitualmente estimado, permitindo assim explicar a produtividade total de factores e estabelecer uma muito mais forte ligação entre crescimento económico, conhecimento, energia e as suas implicações para o clima?

[1] Paul A. Samuelson, Collected Scientific Papers, 1972: p.174
[2] https://www.theatlantic.com/politics/archive/2009/06/an-interview-with-paul-samuelson-part-two/19627/