José Queirós, um jornalista ímpar que nunca abdicou do Porto

José Queirós (1951-2019), co-fundador do PÚBLICO, onde foi editor, subdirector, director adjunto, editor-executivo e provedor do Leitor, bateu-se para que o jornal tivesse uma redacção em Lisboa e outra no Porto.

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Nelson Garrido

A notícia propagou-se ao longo do dia sem aviso: o jornalista José Queirós, co-fundador do PÚBLICO, morreu na madrugada desta quinta-feira, aos 67 anos, com um cancro. As reacções, murmuradas ao telefone ou apregoadas nas redes sociais, iam sublinhando o rigor, a clarividência, o sentido ético de um homem que marcou várias gerações de jornalistas. 

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A notícia propagou-se ao longo do dia sem aviso: o jornalista José Queirós, co-fundador do PÚBLICO, morreu na madrugada desta quinta-feira, aos 67 anos, com um cancro. As reacções, murmuradas ao telefone ou apregoadas nas redes sociais, iam sublinhando o rigor, a clarividência, o sentido ético de um homem que marcou várias gerações de jornalistas. 

José Queirós nasceu numa família de classe média do Porto em 1951. Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mas não chegou a terminar o curso.

Talvez estivesse demasiado envolvido na luta antifascista. Fez parte d’O Grito do Povo. E tornou-se dirigente da Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP), criada em 1972 a partir da junção do grupo do Porto que publicava o jornal O Grito do Povo e dos núcleos O Comunista.

Conta o historiador José Pacheco Pereira que José Queirós “teve responsabilidades nas Beiras”. Nessa qualidade, tinha que zelar pelos quadros que estavam na clandestinidade e pela distribuição de imprensa clandestina. Nos turbulentos anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, ainda fez parte do Comité Central do OCMLP. Cedo foi afastado.

O historiador José Manuel Lopes Cordeiro precisa que José Queirós era responsável apenas pela organização da Beira Litoral da OCMLP. E que integrou ininterruptamente a direcção da OCMLP desde os finais de 1973 até Janeiro de 1976.

Costumava dizer que já era jornalista antes de assumir o jornalismo como profissão. E quem trabalhou com ele, década após década, reconhece que estava talhado para o ofício.

Quis experimentar a assessoria

Tornou-se estagiário do jornal O Primeiro de Janeiro em 1977. Destacava-se na procura da verdade e na qualidade da escrita. O semanário Expresso, que tinha sido fundado em 1973 por Francisco Pinto Balsemão, escolheu-o para delegado do Porto.

Tinha curiosidade pelo outro lado, o dos políticos. Quis experimentar a assessoria. Tirou uma licença sem vencimento e durante alguns meses foi assessor de Rosado Correia, ministro do Equipamento Social no IX Governo Constitucional, encabeçado por Mário Soares (1983-1985).

Indicou Joaquim Fidalgo, então no Jornal de Notícias, para substituto. Fidalgo, hoje professor da Universidade do Minho, vê nesse gesto um reflexo da honestidade de José Queirós, que podia ter apontado um amigo próximo e preferiu recomendar o colega de profissão que entendeu mais adequado, mas também um sintoma da sua inteligência estratégica, já que ambicionava expandir a delegação do Porto. “Quando saímos do Expresso para fundar o PÚBLICO, em 1989, a delegação tinha dez pessoas.” Foi muito por causa de José Queirós, afiança, que o PÚBLICO nasceu, em 1990, com uma redacção e uma edição em Lisboa e uma redacção e uma edição no Porto.

“O Zé não queria ir para Lisboa, eu também não”, recorda. Acreditava que um verdadeiro jornal nacional não se reduzia à capital. E que era possível fazer grande jornalismo fora de Lisboa, a partir do Porto. Aliás, estava convencido de que era fora da capital que melhor se podia sentir a pulsação do país. Fidalgo, que aderiu de imediato a essas ideias, julga que esse é o seu maior legado: o Porto também pode ser um pólo de massa crítica; os jornalistas que escolhem viver fora de Lisboa não estão condenados a ser menores.

"Uma pessoa generosa"

Vicente Jorge Silva foi o primeiro director do PÚBLICO. Quando soube que José Queirós tinha morrido, a primeira coisa que lhe veio à cabeça não foi a aventura do lançamento do jornal, mas a noite de São João em que José Queirós lhe quis mostrar o Porto, cidade que ele, natural da Madeira, julgava escura e triste. “Além de ser uma pessoa generosa e um profissional do mais alto nível, era a pessoa que eu conhecia que melhor conhecia o Porto”, diz.

No princípio do PÚBLICO, José Queirós era responsável pelo caderno Local Porto. Depois, foi subdirector, director adjunto e editor-executivo. O jornalista Luís Costa, que com ele trabalhou nesses anos, começa por lhe apontar três qualidades, “inteligência, capacidade de organização e sentido ético”, para logo acrescentar muitas outras.

"Foi o primeiro e o melhor director que eu tive"

Sofia Branco, presidente do Sindicato dos Jornalistas, conheceu-o no Verão de 1999. Ele era director-adjunto. Ela era estagiária. “Foi o primeiro e o melhor director que eu tive”, diz. “Acho que era um verdadeiro director. Nunca mais encontrei ninguém com a mesma capacidade de ouvir, de pôr a reflectir, às vezes só com um olhar, sem dizer uma palavra”.

Quando Sofia Branco terminou o estágio, José Queirós e Joaquim Fidalgo levaram-na a almoçar. Com eles ia outra estagiária, Ana Cristina Gomes, hoje também na Agência Lusa. Falaram sobre aqueles meses de partilha e aprendizagem. E ao tirarem tempo para isso era como se lhes dissessem que estagiários não eram só pessoas que estavam de passagem, a desenrascar; mereciam atenção, respeito. Todos contavam.

José Queirós saiu do PÚBLICO em 2002. Durante seis anos foi chefe de redacção do Jornal de Notícias. Dedicou-se então à editora Figueirinhas. Voltou ao PÚBLICO em 2010, desta vez como provedor do Leitor.

“Agora farto-me de ler, sou sério candidato a leitor número um do PÚBLICO, leio o jornal de ponta a ponta. Se já antes o fazia, quando por aqui andei e ajudei a criar este diário, se continuei a fazê-lo, por gosto”, lê-se na pequena nota biográfica que então escreveu. “Tenho orgulho neste jornal e zango-me com ele quase todos os dias. Suponho que se chama a isto um afecto possessivo, que devo recalcar semana após semana, para ganhar a distância necessária na avaliação das críticas que me chegam.”

“Quando ele foi provedor falou comigo porque eu estava a acabar o meu mandato e disse-me que não sabia se conseguia exercer o cargo e eu disse ‘Claro que sim!’”, recorda Joaquim Vieira. “Isso mostra a sua modéstia. Era uma pessoa que não dava um passo maior do que a perna, gostava de pisar terreno sólido, do ponto de vista profissional.”

Agora, declara Sofia Branco, a melhor forma de o jornal o homenagear seria recuperar a figura do provedor do Leitor. “Era bonito que fizessem isso escolhendo uma mulher.”

O corpo de José Queirós está desde sexta-feira em câmara-ardente no Tanatório de Matosinhos, junto ao cemitério de Sendim. O funeral está marcado para as 14h00 deste sábado. Com Sara Viana