Privados contestam devolução de 38 milhões à ADSE e falam em quebra de confiança

Em causa estão facturas de medicamentos, próteses e cirurgias que em 2015 e 2016 ultrapassaram os preços médios praticados pelos restantes prestadores. Parecer da Procuradoria Geral da República concluiu que o procedimento é legal, ao contrário do que defendem os privados.

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ADSE detectou diferenças de preços nos medicamentos que chegam aos 1300 euros Rui Gaudêncio

Os hospitais e clínicas privadas vão ter de devolver 38 milhões de euros à ADSE (sistema de assistência na doença dos trabalhadores e aposentados do Estado) relativos a facturações excessivas de medicamentos, próteses e cirurgias em 2015 e em 2016. A decisão foi comunicada nesta quinta-feira aos dez principais hospitais que têm convenção com a ADSE, mas o universo total chega às quatro dezenas de prestadores que têm 30 dias para contestar os valores.

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Os hospitais e clínicas privadas vão ter de devolver 38 milhões de euros à ADSE (sistema de assistência na doença dos trabalhadores e aposentados do Estado) relativos a facturações excessivas de medicamentos, próteses e cirurgias em 2015 e em 2016. A decisão foi comunicada nesta quinta-feira aos dez principais hospitais que têm convenção com a ADSE, mas o universo total chega às quatro dezenas de prestadores que têm 30 dias para contestar os valores.

Confrontada com a decisão da ADSE, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) considera-a "inaceitável" e uma "ruptura de confiança". "Não é razoável pretender fazer regularizações retroactivas de facturas conferidas e pagas, com base em valores que ninguém sabe quais são e em que contexto foram praticados", acrescenta a APHP numa nota divulgada ao início da noite, onde também apresenta as principais conclusões do parecer pedido ao constitucionalista Vital Moreira e que dá razão aos privados.

A APHP tem contestado as regularizações e no início do ano interpôs uma providência cautelar para tentar travar a prática. Porém, tanto a providência cautelar como o recurso foram recusados pelo tribunal, estando ainda por decidir a acção principal.

O conselho directivo da ADSE, liderado por Sofia Portela, chamou os prestadores com dívidas maiores para lhes dar conta dos montantes em causa e do parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) que considera o procedimento "legal". 

O PÚBLICO apurou que cerca de 40 prestadores de cuidados de saúde foram confrontados pela ADSE com facturações excessivas, mas o volume mais significativo concentra-se nos grandes grupos privados que trabalham com o sistema, em particular Luz Saúde, José de Mello Saúde, Lusíadas ou o grupo Trofa.

No comunicado enviado à comunicação social, a ADSE lembra que tem vindo a desenvolver mecanismos para conter a despesa e evitar a facturação excessiva, recorrendo à comparação dos preços praticados pelos diferentes prestadores na área dos medicamentos, dispositivos médicos e das cirurgias.

Diferenças de preços de 1300 e 3200 euros

E dá vários exemplos de discrepâncias encontradas em 2015 e 2016 nos preços praticados pelos privados. Em 2016, um pacemaker de dupla câmara com sensor, classificado com o mesmo código do Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde), foi facturado à ADSE com valores compreendidos entre os 4250 e os 7450 euros, ou seja, uma diferença de 3200 euros. No caso dos medicamentos, um fármaco para oncologia foi facturado a 900 euros por uns prestadores e por 2200 euros noutros: uma diferença de 1300 euros.

A comparação de preços levou a ADSE a concluir que, em 2015 e em 2016, os prestadores facturaram a mais 38 milhões de euros que terão de ser devolvidos.

Esta prática (designada por regularizações) foi introduzida em 2009, após processo negocial com os prestadores que têm convenção com a ADSE, e alargada em 2014. Em algumas áreas, o prestador factura o que entende e, no final de cada ano, o preço é comparado com o dos outros prestadores. Quando existem desvios superiores a 10% face aos valores médios, o prestador que cobrou a mais tem de reembolsar a ADSE.

PGR sustenta decisão

Antes de tomar qualquer decisão, e tendo em conta a forte contestação da APHP, a ADSE pediu um parecer ao conselho consultivo da PGR sobre a legalidade das regularizações.

No parecer a que o PÚBLICO teve acesso, a PGR concluiu que “o procedimento de regularização relativo aos anos de 2015 e 2016 é legal, não podendo ser afastado por eventuais vícios na elaboração e celebração da convenção e na actualização automática das tabelas de preços e regras em vigor”.

A PGR entende ainda que o poder de actualização unilateral das tabelas de preços e das regras da facturação “decorre do próprio contrato, sendo uma manifestação legítima da vontade inicial das partes”.

conselho geral e de supervisão da ADSE (onde têm assento representantes dos beneficiários e dos sindicatos) já tinha exigido que a regularização de facturas fosse posta em prática. Confrontado com a decisão tomada nesta quinta-feira, o presidente do conselho, João Proença, manifestou-se satisfeito por “finalmente se avançar com as regularizações”. E destacou que o parecer da PGR “dá muita força à decisão, independentemente da decisão que os tribunais” vierem a tomar em relação ao assunto.