Morreu Leon Lederman, autor da expressão “partícula de Deus”

Físico norte-americano que descobriu o neutrino do muão morreu esta quarta-feira aos 96 anos.

Fotogaleria

Leon Lederman venceu um Nobel da Física de 1988 por ter descoberto que existe mais do que um tipo de neutrinos. Foi director do Fermilab – um laboratório de física de partículas de altas energias nos Estados Unidos – durante mais de dez anos e era conhecido por ter chamado “partícula de Deus” ao bosão de Higgs. Além disso, era um entusiasta da educação científica. O físico norte-americano morreu esta quarta-feira aos 96 anos em Rexburg, no Idaho (EUA), anunciou em comunicado o Fermilab.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Leon Lederman venceu um Nobel da Física de 1988 por ter descoberto que existe mais do que um tipo de neutrinos. Foi director do Fermilab – um laboratório de física de partículas de altas energias nos Estados Unidos – durante mais de dez anos e era conhecido por ter chamado “partícula de Deus” ao bosão de Higgs. Além disso, era um entusiasta da educação científica. O físico norte-americano morreu esta quarta-feira aos 96 anos em Rexburg, no Idaho (EUA), anunciou em comunicado o Fermilab.

Nasceu em 1922 em Nova Iorque, onde os seus pais – imigrantes judeus russos – tinham uma lavandaria. Começou mesmo por tirar um bacharelato em química. Só depois de ter cumprido serviço militar pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial é que estudou física de partículas na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, segundo o comunicado.

Foi então na física de partículas que se destacou. Em 1962, juntamente com os seus colegas e físicos Jack Steinberger e Melvin Schwartz, conseguiu produzir um feixe “especial” de neutrinos – partículas elementares muito esquivas, que têm pouca massa e carga eléctrica nula – num acelerador de elevada energia.

“Eles descobriram que, por vezes, em vez de se produzir um electrão, é produzido um muão, mostrando assim a existência de um novo tipo de neutrino, o neutrino do muão [hoje sabe-se que existem três tipos: o neutrino do electrão, o do muão e o do tau]”, lê-se no comunicado. Por isso, Leon Lederman, Jack Steinberger e Melvin Schwartz ganharam o Nobel da Física de 1988.

Mas as descobertas não ficaram por aqui. Em 1977, no Fermilab, Leon Lederman liderou a equipa que descobriu o quark bottom (uma partícula fundamental). Actualmente conhecem-se seis quarks.

Foto
Numa actividade de divulgação científica no Fermilab Fermilab

O físico acabou mesmo por ser director do Fermilab entre 1978 e 1989. Foi director na altura da construção do grande acelerador de partículas Tevatron (o maior do mundo entre 1983 e 2010), que está desactivado desde 2011.

“Leon Lederman proporcionou uma visão científica que permitiu ao Fermilab continuar a ser um pioneiro tecnológico por mais de 40 anos”, referiu Nigel Lockyer, actual director do laboratório. “A liderança do Leon ajudou a moldar o campo da física de partículas ao conceber, construir e operar o Tevatron e a posicionar o laboratório como um líder mundial na ciência de neutrinos e de aceleradores.”

Os seus colegas também destacam a capacidade de liderança de Leon Lederman. “Uma das suas grandes competências era conseguir boas pessoas para trabalhar com ele. Não era egoísta com as suas ideais. O que conseguiu surgiu por conseguir uma grande equipa”, conta Alvin Tollestrup, cientista do Fermilab e que trabalhou com Leon Lederman durante mais de 40 anos.

“O Leon tinha a capacidade de liderar. Unificava e persuadia”, diz por sua vez John Peoples, também antigo director do Fermilab, que trabalhou igualmente mais de 40 anos com o físico. “Tinha a capacidade de ouvir cuidadosamente as pessoas e de conseguir sintetizar bem as coisas.”

Depois de se reformar do Fermilab, Leon Lederman tornou-se professor de física na Universidade de Chicago. Actualmente, vivia em Rexburg com a sua mulher, Ellen Carr Lederman. Segundo o jornal norte-americano The New York Times, tinha demência e os médicos aconselharam-no a viver num ambiente pacífico. Em 2015, vendeu mesmo a sua medalha do Nobel no valor de 765.0002 dólares (664.701 euros) para despesas médicas. A conta de Twitter do Nobel assinalou esta quinta-feira a sua morte.

Mas Leon Lederman também ficou conhecido pela criação da expressão “partícula de Deus” para o bosão de Higgs, partícula subatómica detectada em 2012. A expressão faz parte do nome do seu livro A Partícula de Deus: Se o Universo é a Resposta, o que é a Pergunta? (The God Particle: If the Universe Is the Answer, What Is the Question?), que escreveu em conjunto com o escritor norte-americano Dick Teresi. Os autores explicam logo no início do livro que escolheram esta expressão porque o editor não os deixou usar a expressão “partícula maldita”.

Contudo, como explica Sean Carroll no livro de 2012 A Partícula no Fim do Universo (editado em Portugal pela Gradiva), físicos de todo o mundo odiavam o nome. “Peter Higgs, de quem provém o nome mais tradicional, diz com uma gargalhada: ‘Fiquei realmente irritado com aquele livro. E penso que não fui o único.’” Muitos dos físicos não gostavam do nome porque associa a ciência à religião.

Uma história com Einstein

Leon Lederman era ainda conhecido por ser um apaixonado pela educação e divulgação científica. Por exemplo, enquanto era director do Fermilab lançou o programa gratuito e ainda em funcionamento Física aos Sábados de Manhã. Estudantes podem aprender mais sobre física de partículas com os cientistas.

O seu sentido de humor e capacidade de contar histórias também não passaram despercebidos. “Parecia ter um enorme armazém de piadas”, conta John Peoples. “Tinha uma personalidade alegre e podia ter sido um humorista.”

Quanto às histórias, Sean Carroll conta no seu livro que uma das favoritas de Leon Lederman era com Albert Einstein. Enquanto era estudante de doutoramento, conseguiu interpelar Einstein enquanto este caminhava nos jardins do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA). “O grande homem [Einstein] ouviu pacientemente enquanto o ansioso jovem [Lederman] explicava a investigação em física de partículas que andava a fazer em Columbia, e depois disse com um sorriso: ‘Isso não é interessante.’”

Esta semana, no obituário de Leon Lederman no jornal The New York Times o físico teórico do Fermilab Joseph D. Lykken faz-lhe uma homenagem considerando-o “o melhor embaixador da física para o público em geral desde Einstein.”