Torne-se perito

Há finalmente uma garrafa de champanhe no frigorífico à espera de Peter Higgs

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O físico britânico assistiu ao anúncio da descoberta no CERN FABRICE COFFRINI/AFP

Peter Higgs pode abrir a garrafa de champanhe. As parcas respostas que o físico britânico deu aos jornalistas nos últimos anos incluíam sempre esta bebida caso o bosão com o seu nome fosse descoberto. Ontem, em Genebra, repetiu o desejo quando foi revelada a existência de uma partícula que parece ser o bosão de Higgs. "Nunca esperei que isto acontecesse durante a minha vida e vou pedir à minha família para pôr o champanhe no frigorífico", disse o físico de 83 anos, quase meio século depois de ter publicado os dois artigos fulcrais para a física de partículas.

O britânico deu os parabéns aos cientistas do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) e disse mais de uma vez que ele não era o centro das atenções, mas sim os milhares de investigadores que nas últimas décadas tornaram o momento possível. Mas Higgs tornou-se uma estrela, e os jornalistas perguntaram logo aos responsáveis do CERN se a descoberta daria direito ao Nobel.

"Este é um resultado importante e deveria dar a Peter Higgs o Prémio Nobel", defendeu, por sua vez, Stephen Hawking, numa entrevista à BBC News, publicada após o anúncio da descoberta. O físico britânico chegou a apostar que o bosão de Higgs não seria encontrado. "Os grandes avanços na física nascem de experiências que deram resultados inesperados", disse, justificando a aposta que fez com Gordon Kane, da Universidade de Michigan. "Parece que acabei de perder cem dólares."

Mas Hawking considera o bosão muito importante: "Será uma forte prova para o tão conhecido Modelo-Padrão da física de partículas [que descreve as partículas elementares e as forças que as unem]."

Nem sempre Peter Higgs foi uma estrela da ciência. Desde o início desta história, em 1964, e durante décadas, Higgs e os outros cinco cientistas que propuseram a existência desta partícula mantiveram-se desconhecidos de grande parte do mundo. Naquele ano, Peter Higgs trabalhava na Universidade de Edimburgo, na Escócia, e publicou dois artigos que defendiam a existência daquilo que viria a ser chamado bosão de Higgs, a partícula das partículas, que dá massa às outras partículas.

O britânico não era o único a chegar a essa conclusão. Semanas antes, Robert Brout (falecido em 2011) e François Englert, dois físicos belgas, publicavam um artigo a propor este bosão com outro raciocínio. No final de 1964, os norte-americanos Tom Kibble, Gerald Guralnik e Carl Richard Hagen também escreveram um artigo a defender o mesmo.

Depois de o primeiro artigo ter saído numa revista do CERN, Higgs viu o segundo recusado neste laboratório, acabando por ser publicado nos EUA. Dois anos mais tarde, convencia uma plateia de físicos na Universidade de Princeton, nos EUA, de que a sua proposta era válida. Em 1972, o físico norte-americano Benjamin Lee associou então o nome de Higgs ao bosão e "as outras pessoas ficaram relegadas para uma nota de rodapé", lamentou Peter Higgs em 2010.

Os outros cientistas não o culpam pelo nome do bosão e reagem pior à sua designação como "partícula de Deus" - um termo que surgiu em 1993, no título de um livro do Nobel da Física Leon Lederman. "Ele queria dizer "o raio da partícula" [goddamn particle, no original] e o seu editor não deixou", contou Higgs ao jornal Guardian, que, apesar de ser ateu, não simpatiza com essa alcunha por respeito aos crentes. Ao cair do título parte da palavra goddamn, ficou então a partícula de Deus.

Com a construção de acelerador de partículas LHC e com a busca do bosão, Higgs foi-se tornando mais famoso. Nos últimos anos, pedia ao médico que o mantivesse vivo para testemunhar esta descoberta. O momento chegou. Agora, se houver um Nobel, resta saber quais serão os três laureados entre os cinco físicos vivos. Um Nobel também pede champanhe.

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