Henrietta Leavitt e a nossa brutal insignificância cósmica

Num mundo de homens brancos de cabelos grisalhos do início do século XX, uma mulher, que acabou surda, e olhada como qualquer outra mulher na altura (isto é, na melhor das hipóteses, “um computador”), descobre a maior e mais poderosa régua cósmica alguma vez utilizada até à altura.

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Henrietta Leavitt Harvard College Observatory

A nossa insignificância perante o Universo observável é escandalosa. Vergonhosa, mesmo. Somos, espacialmente, uma parte em 100 tredeciliões. Um algarismo num número feito de 80 zeros. Um em 100 milhões de deciliões, ou uma coisa “grande para caraças”. E, como se não bastasse tal humilhação — que destroça mesmo os maiores egos Trumpistas, ou a monstruosidade da dívida mundial —, a nossa insignificância torna-se cada vez maior. A cada segundo. A cada instante em que o Universo, que já anda na centena de tredeciliões, se expande e se torna ainda maior. Aceleradamente.

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A nossa insignificância perante o Universo observável é escandalosa. Vergonhosa, mesmo. Somos, espacialmente, uma parte em 100 tredeciliões. Um algarismo num número feito de 80 zeros. Um em 100 milhões de deciliões, ou uma coisa “grande para caraças”. E, como se não bastasse tal humilhação — que destroça mesmo os maiores egos Trumpistas, ou a monstruosidade da dívida mundial —, a nossa insignificância torna-se cada vez maior. A cada segundo. A cada instante em que o Universo, que já anda na centena de tredeciliões, se expande e se torna ainda maior. Aceleradamente.

Antigamente é que era. Tempos em que achávamos que vivíamos no centro do Universo e em que éramos algo que importava. Demorámos tanto, tanto tempo a perceber o quão errados estávamos que até nos assenta bem esta insignificância brutal. Há pouco mais de 100 anos, o mundo inteiro (a nossa galáxia) era cerca de um trilião de vezes mais pequeno do que o que conhecemos hoje. Pensávamos que éramos um trilião de vezes mais relevantes, mas já sabíamos que não éramos nada. E, ainda assim, estávamos prestes a matar-nos como nunca, e a viver duas guerras mundiais. A matar como se não houvesse amanhã pelo controlo de qualquer coisa como uma parte num quintilião, durante não mais do que um piscar de olhos cósmico.

No início do século XX, homens brancos, de cabelos grisalhos e com posses, discutiam imensas coisas. Os homens brancos discutiam, por exemplo, o que eram estruturas espirais estranhas no céu, incluindo Andrómeda. Quase todos concordavam que eram coisas muito próximas e que tudo o que existia era a nossa galáxia. Tinha de ser. Quem pensasse que poderiam ser outras ilhas de estrelas distantes e tornar o Universo incrivelmente maior era, de certo, louco.

Num mundo de homens brancos de cabelos grisalhos do início do século XX, uma mulher, que acabou surda, e olhada como qualquer outra mulher na altura (isto é, na melhor das hipóteses, “um computador”), descobre a maior e mais poderosa régua cósmica alguma vez utilizada até à altura. Uma forma de medir distâncias para além da nossa própria galáxia. Henrietta Swan Leavitt percebe que pode usar estrelas variáveis, chamadas Cefeidas, para, medindo o seus períodos e brilhos aparentes, saber quão longe estão.

O que Henrietta fez foi descobrir a chave para medir o Universo para além dos nossos umbigos cósmicos. Para enfim revelar a nossa verdadeira insignificância. Mas também para demonstrar o quão fantásticos podemos ser se não nos restringirmos a homens brancos de cabelos grisalhos e abraçarmos a nossa riqueza, diversidade e curiosidade. Quase sem nos apercebermos, Henrietta inventou a Astrofísica extra-galáctica e abriu as portas para descobertas sem fim, tornando o Universo, quase de um dia para o outro, um trilião de vezes maior e mais fascinante. Matéria escura, toda a estrutura cósmica, um trilião de galáxias, energia escura e a expansão do Universo. Tudo isso só foi possível pelo trabalho desta figura gigante que viveu por tempo demais na sombra escura da história da ciência e das maiores revoluções científicas e filosóficas.

A humanidade foi, na construção de ideias e conhecimento, feita quase apenas de homens brancos, relativamente ricos e privilegiados, grisalhos e de “boas” famílias, durante demasiado tempo. Muitos deles fantásticos e inspiradores, claro. Ainda assim, a humanidade, como um todo, não foi mais do que um cérebro a meio gás que apenas explora uma pequeníssima fracção da sua total capacidade. Incapaz de explorar toda a sua riqueza e diversidade. Quantas ideias e descobertas ficaram pelo caminho? Quantas obras? Quantas figuras inspiradoras e verdadeiramente revolucionárias nunca foram conhecidas porque não era homens, nem de cabelo grisalho, nem privilegiados?