Macron confronta França com a sua História ao reconhecer tortura na guerra da Argélia

Presidente assumiu responsabilidades do Estado francês na morte do comunista Maurice Audin e autorizou consulta de documentos históricos sobre outras vítimas das Forças Armadas durante o conflito.

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Maurice Audin, matemático, comunista e anticolonialista Wikipedia

Sessenta e um anos depois do desaparecimento do matemático comunista Maurice Audin, às mãos das Forças Armadas francesas na Argélia, o Estado francês assumiu as suas responsabilidades. Numa tomada de posição histórica, Emmanuel Macron reconheceu que Audin foi torturado e assassinado e admitiu a utilização sistemática de tortura durante a guerra da independência da antiga colónia de França (1954-1962).

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Sessenta e um anos depois do desaparecimento do matemático comunista Maurice Audin, às mãos das Forças Armadas francesas na Argélia, o Estado francês assumiu as suas responsabilidades. Numa tomada de posição histórica, Emmanuel Macron reconheceu que Audin foi torturado e assassinado e admitiu a utilização sistemática de tortura durante a guerra da independência da antiga colónia de França (1954-1962).

Esta quinta-feira o Presidente francês deslocou-se a Bagnolet, nos arredores de Paris, para pedir pessoalmente desculpa à viúva do matemático, Josette Audin (87 anos), e agradecer-lhe por “nunca ter desistido de ver a verdade reconhecida”. Macron assumiu que Audin “morreu sob tortura”, tendo sido vítima de um sistema instituído na Argélia pelas autoridades francesas.

“A morte [de Audin] apenas foi possível devido a um sistema legalmente instituído: o sistema de prisão-detenção, posto em prática através dos poderes especiais conferidos por lei às Forças Armadas da época”, referiu o Palácio do Eliseu, em comunicado, citado pelo Le Monde.

A legislação em causa foi aprovada pelo Parlamento francês em 1956 e dela resultou uma total liberdade para os soldados franceses reprimirem a sublevação argelina e manterem a ordem. Segundo o Eliseu, ela “promoveu os desaparecimentos e permitiu o uso da tortura para fins políticos”.

Para comprovar esta tese, Macron autorizou ainda a desclassificação de documentos históricos confidenciais relativos a outros desaparecidos e a vítimas do Exército francês. “Será conferida uma autorização geral, através de decreto ministerial, para que historiadores, famílias e associações possam consultar os documentos. Estamos a colocar o problema dos desaparecidos no centro da questão”, aponta o Eliseu.

Maurice Audin foi preso durante a Batalha de Argel, a 11 de Julho de 1957. Tinha 25 anos. Suspeito de envolvimento nas actividades da Frente de Libertação Nacional, que combatia pela independência da Argélia, o então professor assistente na Universidade de Argel e filiado no Partido Comunista local foi detido em casa e levado para o centro de detenção de El Biar, para nunca mais voltar.

Durante décadas a versão oficial das Forças Armadas foi a de que Audin escapou ao seu cativeiro. Mas Josette desconfiou desde o primeiro dia. Sem sinais do marido ou do seu corpo, processou o Estado francês por homicídio logo em 1957 e iniciou uma longa maratona jurídica pela verdade, que se arrastou até hoje. E que transformou Maurice num símbolo do anticolonialismo e da luta pelas vítimas da repressão francesa na Argélia.

Só em 2014, na presidência de François Hollande, é que Estado reconheceu que Maurice não tinha escapado e que tinha morrido na prisão. Uma tomada de posição importante, mas ainda insuficiente para Josette, para os historiadores e para os que durante anos denunciaram torturas e execuções ocorridas numa guerra em que Argel diz ter perdido 1,5 milhões de vidas argelinas.

Durante a campanha presidencial de 2017, Macron recuperou o tema para o espaço mediático, ao desafiar Marine Le Pen e a extrema-direita a debaterem com ele os “crimes contra a Humanidade” cometidos por França durante os 132 anos de colonização da Argélia.

A admissão de que a morte de Maurice resultou de tortura às mãos das Forças Armadas – o Eliseu diz que o matemático foi “torturado até à morte ou torturado e depois executado” – marca, finalmente, um ponto de viragem na batalha de Josette pela verdade e no debate francês sobre um dos momentos mais negros da sua História. Os media franceses comparam-na mesmo ao pedido de desculpas público de Jacques Chirac, em 1995, pelo envolvimento das autoridades francesas na identificação e entrega de judeus às forças alemãs, durante a ocupação nazi de Paris.

“É um alívio, um momento histórico, a concretização de uma abordagem que permite finalmente a França enfrentar uma parte da sua História. Não é um momento de acusação, mas de verdade”, celebrou o também matemático e deputado do Em Marcha!, Cédric Villani, na rádio France Inter.

Num comunicado divulgado pelo site Mediapart, a família de Audin sublinhou o “enorme significado político e histórico” da tomada de posição de Macron e espera agora que possa ajudar a cumprir o último capítulo da reposição da verdade sobre o desaparecimento: “Queremos encontrar o corpo de Maurice para que possa ser sepultado”.