A amálgama kitsch e agregadora dos Circle num Milhões de Festa que ainda continua a ser o que era

Os finlandeses assinaram o concerto mais electrizante do festival barcelence, em dia em que Warmducher e Squarepusher cumpriram e Lena d’Água e Primeira Dama não conseguiram afirmar o potencial deste encontro intergeracional.

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Quatro músicos formam uma pirâmide sustentada pela força dos músculos de uma base humana. Todos eles exibem os instrumentos como se de armas de guerra se tratassem, enquanto o baterista, fora desse desenho, continua a marcar o ritmo das notas ainda suspensas no ar. Este é o final glorioso e épico de uma história iniciada cerca de uma hora antes, escrita sem subtileza, mas com ironia quanto baste, para que se perceba que não é para ser levada com mais seriedade do que lhe é merecida.

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Quatro músicos formam uma pirâmide sustentada pela força dos músculos de uma base humana. Todos eles exibem os instrumentos como se de armas de guerra se tratassem, enquanto o baterista, fora desse desenho, continua a marcar o ritmo das notas ainda suspensas no ar. Este é o final glorioso e épico de uma história iniciada cerca de uma hora antes, escrita sem subtileza, mas com ironia quanto baste, para que se perceba que não é para ser levada com mais seriedade do que lhe é merecida.

Escrevem estas linhas os finlandeses Circle, que, sexta-feira, ao segundo dia do Milhões de Festa, depois de um primeiro de acesso livre, foram a sítios onde os mais optimistas não imaginariam que pudessem chegar, para deixarem bem claro que este iria ser o concerto da noite. E, de facto, em dia marcado pelo garage rock'a'billy dos londrinos Warmducher, pela electrónica contundente do inglês Squarepusher e por uma fuga revivalista ao passado de Lena d'Água, foram responsáveis por uma actuação magnetizante e superior.

Quando em 2009 passou pelo Teatro Sá da Bandeira, no Porto, a banda nascida em 1991, que conta com mais de três dezenas de discos, conseguiu ofuscar algum do protagonismo dos norte-americanos Isis, para quem abriram o concerto, ainda que tenham suscitado opiniões divididas. Nessa altura, não se pode dizer que os finlandeses tenham reunido o consenso, mas seguramente ganharam aí mais alguns adeptos. Em Barcelos, no palco Milhões, foram mais do que consensuais.

A banda fundada pelo baixista Jussi Lehtisalo personifica na perfeição o significado do termo kitsch. Esteticamente, a nível visual, são uma amálgama de várias épocas coladas por um gosto duvidoso, mas sem que pareça uma manta de retalhos. São cinco elementos que, à primeira vista, podiam fazer parte de cinco bandas diferentes. Há um viking que toca uma guitarra do modelo SG, uma espécie de punk colorido que segura um modelo da Flying V, um baixista que podia encabeçar uma banda folk-metal e um teclista-vocalista que nos remete para um Ney Matogrosso, se tivesse nascido na Escandinávia.

Sonoramente, também são um caldeirão de influências, que, bem misturadas, soam a algo inovador e com carisma suficiente para que a eles se cole um selo de certificação de propriedade. Sem qualquer constrangimento pegam no kraut e levam-no para o metal (às vezes extremo), ou no folk para o fazer encontrar com o punk. Tudo isto conduzido a três vozes: a do teclista Mika Rättö, num registo mais teatral e agudo, a liderar, a do guitarrista Janne Westerlund, mais solta e próxima do punk, e de Jussi Lehtisalo, mais épica e por vezes gutural.

Lá atrás, com um kit de bateria sem grande espalhafato – sem timbalões, apenas com bombo, tarola, prato de choques e ride –, Tomi Leppänen segura toda esta empreitada com linhas entre a cadência repetitiva do krautrock e a dinâmica do rock mais duro.

Os finlandeses têm a capacidade de ser exuberantes sem passarem a fronteira em direcção ao ridículo. Conseguem não se levar demasiadamente a sério sem entrar nos meandros da paródia exagerada. São genuinamente postiços e irremediavelmente cativantes.

A nível de performance, não têm balizas. Se num momento são a banda mais viril que o rock alguma vez viu, noutras avançam para poses e cenas homo-eróticas. Aqui e ali, Mika Rättö, qual bailarina clássica, é convidado por Jussi Lehtisalo a passos de dança menos convencionais num concerto deste género. A dada altura, o último sustenta-o com os próprios braços. Em atitude são tão seguros como a actuação que assinaram.

Rock'n'roll, electrónica e potencial desperdiçado

Actuação igualmente segura, mas menos surpreendente, tiveram os Warmducher. O trio que pratica um som muito próximo do que fazem uns Jon Spencer Blues Explosion foi uma aposta ganha para o palco Lovers. Dentro do eclectismo característico dos cartazes do Milhões de Festa, a banda composta por um guitarrista esguio e com o carisma de uma rock star em decadência, por um baixista responsável por um som sujo e grave, mas sem perder o groove, e por um vocalista gingão, não deixou ficar mal a facção mais roqueira.

O mesmo aconteceu com a electrónica de Squarepusher, que, entre o drum and bass e o acid house, encontrou frente ao palco Milhões adeptos da sonoridade por onde se move também um Skrillex, embora o britânico seja mais duro e menos pop que o norte-americano.

Horas antes, pelo outro palco tinha passado Lena d’Água e Primeira Dama com a Banda Xita para um encontro intergeracional que se adivinhava mais promissor do que a prática veio revelar. Potencialmente, este encontro, a longo prazo, poderá funcionar. Em Barcelos, apesar de a diva do pop rock não ter perdido o magnetismo e de Manuel Lourenço (Primeira Dama) convencer a solo, faltou a intrusão esperada num encontro desta espécie, que não faz sentido existir se, como aconteceu, não funcionarem como um só.