A saga labiríntica de um contribuinte para receber 268 euros do fisco

Eis a crónica de um reembolso anunciado. António, pai de um contribuinte residente em Espanha, está cativo do fisco: não para o filho pagar IRS mas para o receber.

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Rui Gaudêncio

António tem um pomar para cuidar, mas os tempos livres nem sempre os pode passar junto das árvores em Gondomar. Muito se tem ocupado este bancário reformado a tratar de burocracias com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nos últimos dois anos. Não que alguma coisa esteja aparentemente em falta, mas para que o filho, distante a trabalhar em Espanha a mais de mil quilómetros, possa receber um pequeno reembolso de IRS de 268 euros e 12 cêntimos.

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António tem um pomar para cuidar, mas os tempos livres nem sempre os pode passar junto das árvores em Gondomar. Muito se tem ocupado este bancário reformado a tratar de burocracias com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nos últimos dois anos. Não que alguma coisa esteja aparentemente em falta, mas para que o filho, distante a trabalhar em Espanha a mais de mil quilómetros, possa receber um pequeno reembolso de IRS de 268 euros e 12 cêntimos.

Não tem sido fácil consegui-lo; aliás, ainda não viu o cheque chegar-lhe ao correio e já passaram mais de dois anos desde que tudo começou em Abril de 2016. Apesar da insistência junto dos serviços do fisco, da multiplicação de telefonemas, dos lembretes e das próprias promessas já dadas pela AT de que o pagamento chegará, esse dia ainda não tem data conhecida.

Eis, esta, a crónica de um reembolso que tarda em chegar. Difícil de mensurar se caso idêntico a muitos outros ou peripécia isolada, mas em todo o caso peculiar. E aqui se conta na versão que António, pai e representante legal do contribuinte, descreve como “um calvário”.

Eis o que se passa: A.N. (iniciais do filho de António, que o PÚBLICO decidiu manter sob reserva) é analista financeiro em Barcelona. E é aí, no Reino de Espanha, onde é residente fiscal, que paga o seu IRS, ou melhor, o Impuesto Sobre la Renta de las Personas Físicas. Nos últimos anos, decidiu aplicar uma parte das poupanças em Certificados do Tesouro em Portugal. O calvário burocrático veio depois.

Em 2015, chegou o momento de A.N. receber os juros do dinheiro aplicado naqueles títulos da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP. E como mandam as regras e acontece com qualquer aforrador, o IGCP teve de reter na fonte o IRS devido sobre o rendimento alcançado (à taxa liberatória de 28%).

Até aqui tudo bem. E tudo bem, também, com o que se passaria a seguir: como Portugal e Espanha têm uma convenção para evitar a dupla tributação dos contribuintes e as regras lhe são fiscalmente mais favoráveis a A.N. relativamente ao rendimento aplicado nos Certificados do Tesouro, António, como seu representante legal, apresentou na autoridade tributária portuguesa um pedido de reembolso dessa diferença: os tais 268 euros e 12 cêntimos. Mas demorado é o tempo que vem a seguir até tudo ficar encaminhado.

O enredo tem início em Abril de 2016. António vai a um Serviço de Finanças no Porto para colocar a questão. Inicialmente, garante, diziam-lhe que teria de o fazer nos serviços de Lisboa mas o representante legal de A.N. acabaria por conseguir avançar com o tal pedido. Só que António começou por entregar um documento errado – apresentou a declaração periódica de rendimentos Modelo 22 RFI, em vez da correcta declaração Modelo 23 RFI, a que lhe permitia accionar a convenção celebrada com Espanha e pedir o reembolso do imposto.

Para todos os efeitos, o pedido é entregue em Abril desse ano (devidamente certificado pelo IGCP e pela dependência de gestão tributária da Catalunha), mas ao fim de um ano, aos 268,12 euros, nem vê-los.

Uma espera prolongada

António foi esperando até que decidiu começar a ligar para a Direcção de Serviços de Relações Internacionais da AT para saber do andamento do caso. E ali um funcionário dizia-lhe – com correcção e diligência, salienta António – que o processo estava a aguardar despacho favorável do superior hierárquico.

Se é verdade que o código do IRS prevê que o reembolso em excesso do IRS retido na fonte seja pago “no prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício”, António e o filho também estão a par da lei e sabem que essa contagem se suspende sempre que o procedimento fica “parado por motivo imputável ao requerente”. Mas mesmo aqui, lembra António ao PÚBLICO, já passou o tempo suficiente para os 268,12 euros serem regularizados.

Finalmente em Março deste ano, quase dois anos depois do pedido, algo acontece: A.N. recebe resposta daquela direcção de serviços a notificá-lo de que o reembolso foi deferido por despacho. Estava autorizada a restituição do imposto. E chegava uma promessa: iria ser pedido à Direcção de Serviços de Reembolsos a emissão do pagamento dos 268,12 euros.

O ofício, como esperado, terminava com “melhores cumprimentos”. Mas a assinatura não trazia ainda o tão aguardado dinheiro. Março, Abril, Maio, Junho, o tempo seguia em frente e António, sem notícia dos euros reclamados, ligava para os serviços do fisco para saber como estava o processo. Pedem-lhe, do outro lado da linha, que coloque a pergunta no “e-balcão” (através do Portal das Finanças). E assim o fará no dia 6 de Junho de 2018, como confirmou o PÚBLICO na documentação cedida pelo representante legal de A.N.

Também António desejaria “melhores cumprimentos” ao incógnito destinatário do fisco que o iria ler essa missiva, mas, antes disso, já que o dinheiro não se vislumbrava ter chegado, cordialmente pedia explicações: “Sirvam-se, pois e por gentileza, informar o que de concreto possa haver.”

Alguns dias depois, a 15 de Junho, respondem-lhe da AT. a informar que o pedido de reembolso enviado pela Direcção de Serviços de Relações Internacionais (para a Direcção de Serviços de Reembolsos) estava “a ser analisado”; e deixava-se mais uma garantia: depois de finalmente emitido esse reembolso, ele seria “enviado para a morada” indicada pelo contribuinte no tal formulário da declaração modelo 23 RFI.

Lidas as palavras, falta cumprir-se a reiterada promessa. Os 268 euros e 12 cêntimos podem já ter passado a fronteira, mas, certo, diz António, é que ainda não bateu à porta de A.N. – pelo menos até sexta-feira à tarde.

Pai e filho esperam agora ver o reembolso resolvido. Mas suspiram: se pelos 268 euros e 12 cêntimos tem sido uma saga, já contam vê-la com novos episódios nos próximos anos. É que A.N. investiu em mais Certificados do Tesouro e, em Janeiro, apresentou novos pedidos de reembolso de parte dos ganhos obtidos em 2016 e 2017. Cá estará para contar a sua história.