O Porto calmo, central e orgulhosamente liberal

Os apartamentos Thomaz Palace, para estadias de curta duração, são um manifesto de contrastes: por um lado, a História portuguesa, expressa no edifício e no passado da envolvente; por outro, a autonomia moderna, em total independência.

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Tem pouco mais de um mês o renovado edifício que acolhe os apartamentos Thomaz Palace no Porto. Ao nível da estrada talvez ainda passe despercebido, apesar da restaurada e impoluta fachada que, num tom entre o rosa e o laranja, é rasgada por altas e esguias janelas de topo circular, sob beirais cuidadosamente esculpidos ao estilo de finais da década de 1910. Ingratos, contudo, só quando vemos as fotografias do imóvel nos apercebemos de quanto andámos desatentos, voltando a sair à rua para observar de novo o prédio e apreciar-lhe bem as curvas. A elegância do passado está lá toda. Aquela traça evoca lordes de figura hirta nas suas cartolas polidas, fidalgas com vestidos de fino folho e chapéus plumados, passeatas lentas de braço dado com gestos aristocráticos de ajuste ao monóculo e à sombrinha. Pode nem se saber exactamente quem seria o Manuel Fernandes Tomás que dá nome à rua, mas confia-se que a figura justificará o nome dos novos apartamentos — que lhe prestam homenagem num “Thomaz” grafado ao estilo da época, com o H e Z a acentuarem ainda mais o apelo subliminar à ideia de requinte.

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Tem pouco mais de um mês o renovado edifício que acolhe os apartamentos Thomaz Palace no Porto. Ao nível da estrada talvez ainda passe despercebido, apesar da restaurada e impoluta fachada que, num tom entre o rosa e o laranja, é rasgada por altas e esguias janelas de topo circular, sob beirais cuidadosamente esculpidos ao estilo de finais da década de 1910. Ingratos, contudo, só quando vemos as fotografias do imóvel nos apercebemos de quanto andámos desatentos, voltando a sair à rua para observar de novo o prédio e apreciar-lhe bem as curvas. A elegância do passado está lá toda. Aquela traça evoca lordes de figura hirta nas suas cartolas polidas, fidalgas com vestidos de fino folho e chapéus plumados, passeatas lentas de braço dado com gestos aristocráticos de ajuste ao monóculo e à sombrinha. Pode nem se saber exactamente quem seria o Manuel Fernandes Tomás que dá nome à rua, mas confia-se que a figura justificará o nome dos novos apartamentos — que lhe prestam homenagem num “Thomaz” grafado ao estilo da época, com o H e Z a acentuarem ainda mais o apelo subliminar à ideia de requinte.

À entrada no prédio, o retrato do magistrado mais ilustre do Liberalismo portuense confirma esse ideário: Fernandes Tomás (1771-1822) foi juiz desembargador na Relação do Porto, assumiu funções de deputado nas Corte Gerais e Extraordinárias da Nação, liderou a Revolução do Porto, ajudou a definir a primeira Constituição Portuguesa e, lá está!, ficou retratado para a História envergando sobrecasaca cintada e grande laço pelo colarinho. Superintendente das alfândegas de Aveiro e Coimbra por altura das invasões francesas, representou a pátria junto dos britânicos durante a prestação do exército anglo-português e desse contacto terá retirado lições que lhe inspirariam mais tarde as ideias liberais na origem da revolução de 1820 — que mesmo ali ao lado, no Campo 24 de Agosto, libertou o país da regência inglesa e permitiu à Corte lusa regressar do Brasil, onde se refugiara durante a Guerra Peninsular (1807-1814).

Por essa altura, Fernandes Tomás também já tinha fundado o Sinédrio: uma sociedade secreta que, nunca ultrapassando o número de 13 associados, seguia o curso dos acontecimentos políticos em Portugal e Espanha para tomar pulso às tendências e aspirações do chamado “espírito público” e assim preparar a revolução que pôs fim ao Absolutismo monárquico. É certo que, agora, quase dois séculos depois da revolta iniciada no Campo 24 de Agosto, esse secretismo já não se justifica. A luta política está dependente da exposição nos media e o que se discute em corredores ocultos é, quando muito, a melhor forma de obter a manchete desejada. O Thomaz Palace preserva, no entanto, os princípios do espírito liberal: propõe a quem visita o Porto que aí se acomode em plena liberdade e autonomia, usufruindo de casa totalmente equipada numa localização perfeita a poucos passos tanto da boémia da Baixa como das auto-estradas que permitem escapadinhas rápidas a outros territórios.

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Paulo Pimenta

Bom gosto esmerado

Há quatro anos, quando Aurora Dolgner pela primeira vez reparou no edifício, o seu estado de degradação não a impediu de logo lhe reconhecer o garbo e adivinhar o potencial. “Já nessa altura achei o prédio lindíssimo”, recorda a empresária. “O Porto ainda não tinha tanta procura turística como hoje, mas pensei que seria um bom investimento porque o prédio estava mesmo muito perto da Rua de Santa Catarina, com a vantagem de ter nas traseiras um logradouro para estacionamento e ser suficientemente sossegado para que os hóspedes regressassem a qualquer hora sabendo que conseguiriam ter uma noite tranquila e recuperadora, o que é muito difícil noutras zonas da Baixa.”

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Paulo Pimenta

Concretizada a compra, seguiram-se as habituais burocracias e trabalhos de reabilitação pelo arquitecto Pedro Pinheiro, do gabinete InDetails, e a gestão ficou a cargo de Filipe Ferreira. “Mantivemos a fachada original e as quatro paredes principais do prédio, mas, tirando isso, tudo desapareceu para criarmos espaços novos”, conta o filho de Aurora. “Escolhemos linhas simples, mas os rodapés são de 35 centímetros de altura como os originais, os pés direitos continuam a ser muito altos e as portas de cada apartamento mantêm-se em madeira como as antigas.” Acrescentem-se soalhos cuidados, mansardas com traves de madeira no tecto, varandas contornadas a ferro e portadas nas principais janelas, e já se obteve “um level up em relação à generalidade dos apartamentos que se estão a disponibilizar pelo Porto”. Ainda assim, o toque verdadeiramente premium chega depois com os detalhes: cozinhas repletas em que não faltam sequer espremedores de citrinos, máquinas de café e ilhas onde exercitar dotes de chef; jardins interiores sem grande privacidade, mas que compensam pelo aconchego arejado; camas com régias almofadas para embalar o grasnar das gaivotas; e, por todos os apartamentos, várias consolas, banquetas, bancos e outros adereços que denunciam o bom gosto clean e esmerado com que Aurora Dolgner distribuiu pelo imóvel não só amor maternal, mas também o donaire próprio dos interiores contemporâneos.

Os apartamentos Thomaz Palace convidam assim a estadias prolongadas, com as suas cozinhas a apelarem à confecção de petiscos caseiros regados a bom vinho e, sorry pela franqueza!, as varandas a fazerem apetecer até um bom e pausado cigarro. Razões para conflito (interior) também podem haver algumas, quando se impuser decidir se é melhor ficar em casa a saborear o conforto e privacidade de um espaço tão apetecível ou sair para a rua com swagger de tripeiro convicto para usufruir da imersão plena numa cidade cada vez mais vibrante e cosmopolita. Escolha difícil? Certamente. Mas dos fracos não reza a História e para os compêndios só entram personalidades de calibre como o de Fernandes Tomás, que, perante escolhas bem mais sérias, soube optar por soluções que o afirmaram como patriota de “glória absoluta e fama sem mancha”. Se o Thomaz Palace vem agora prestar-lhe homenagem, quase 200 anos depois, deixemos que a sua figura também outros inspire na descoberta do que mais autêntico há hoje pela cidade. Viva o Thomaz! Viva o Porto liberal!

A Fugas esteve alojada a convite dos Apartamentos Thomaz Palace