A inaceitável discriminação dos mais velhos

Mesmo que a maioria dos funcionários se queira reformar na casa dos 60, haverá uma minoria que deseja continuar a trabalhar e a contribuir com o seu saber para a qualidade do serviço público.

A reforma compulsiva na Função Pública aos 70 anos está em vias de acabar. Como o PÚBLICO noticiou na sua edição de ontem, o Governo está a preparar uma proposta de diploma para extinguir uma lei que tem quase um século e que foi produzida pouco tempo depois do 28 de Maio de 1926 para “arredar os ineptos pelo progresso dos anos”.

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A reforma compulsiva na Função Pública aos 70 anos está em vias de acabar. Como o PÚBLICO noticiou na sua edição de ontem, o Governo está a preparar uma proposta de diploma para extinguir uma lei que tem quase um século e que foi produzida pouco tempo depois do 28 de Maio de 1926 para “arredar os ineptos pelo progresso dos anos”.

A formulação da lei, destinada a afastar os funcionários “ineptos” aos 70, tem o ar do tempo em que foi escrita – ?quando a esperança de vida era diminuta e muito poucos ultrapassavam essa barreira etária. O facto de, 95 anos depois, se manter em vigor o conceito ultrapassado de reforma compulsiva de alegados “ineptos” é uma inaceitável discriminação dos mais velhos e, em muitos casos, um desperdício de saber e de valor dentro do Estado.

Não se trata aqui de defender o aumento da idade da reforma. Trata-se somente de abrir a possibilidade, aos funcionários públicos que o desejarem, de se manterem em funções depois dos 70. Afinal, os 70 anos de hoje não são os 70 anos de 1926. Como é que este direito à escolha pode configurar, como disse ontem o PCP, um “retrocesso civilizacional”? Abrir a porta, para quem o deseje, à continuação em funções será, isso sim, um avanço civilizacional – acabando com uma discriminação da lei que coloca os maiores de 70 no patamar dos “ineptos”. Aqui, como em outras questões, a lei deveria contemplar o direito à diferença: mesmo que a maioria dos funcionários se queira reformar na casa dos 60, haverá uma minoria que deseja continuar a trabalhar e a contribuir com o seu saber para a qualidade do serviço público. Aliás, muitos deles vão naturalmente entregá-lo às instituições privadas, depois de terem sido expulsos por “inépcia” da função pública. Se juntarmos a isto o facto de não existir limite de idade no caso dos cargos políticos, a manutenção em vigor desta norma de afastamento compulsivo na Função Pública torna-se ainda mais grotesca ao vedar o direito ao trabalho a partir dos 70 anos. Acabar com esta inaceitável discriminação é um bom princípio antes de se fazerem discursos sobre “envelhecimento activo”.