Festivais de sardinha

Primeiras impressões do enviado especial da Direcção-Geral dos Assuntos Marítimos e Pescas da Comissão Europeia aos festivais de sardinha portugueses este Verão.

Caro senhor director,

A verdade faz-nos mais fortes

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Caro senhor director,

Agradeço-lhe, uma vez mais, ter-me confiado esta missão de visitar os principais certames de sardinha em Portugal no Verão de 2018. Em dois meses, visitei oito: comecei na III Grande Festa da Sardinha na Figueira da Foz no início de Junho, desci um pouco até às festas de Lisboa, com o ponto alto a 12 do mesmo mês (com a curiosidade de este ano o tema ser “salvem a sardinha!”), subi de novo, à Praia de Angeiras já no início de Julho, desci até Pedrógão de 12 a 13, dei um saltinho a Peniche (14 e 15), subi de novo até à Costa Nova (19 a 22), fui a Cascais ao Mercado da Sardinha (que teve o ponto alto de “tentar bater o novo recorde de sardinhas assadas”) e acabei no Festival da Sardinha de Portimão, a Sul, já no início de Agosto, provavelmente o maior de todos.

Antes de lhe enviar o relatório de missão detalhado resultante do preenchimento dos formulários oficiais, gostaria de lhe deixar algumas impressões sobre o tema: aqui, as pessoas atiram-se às sardinhas como gato a bofe, fazendo concursos familiares de quem come mais e só deixa a cabeça e a espinha do meio. Na introdução a uma reportagem sobre um dos certames pode ler-se: “Apesar das notícias que estão a preocupar pescadores e armadores, este é o fim-de-semana da sardinha em Peniche. Um festival onde a sardinha é servida sem cotas ou limites, cada um pode comer as sardinhas que quiser além do menu base sem pagar mais por isso.” Ou seja, os pareceres que a nossa Direcção-Geral pede anualmente ao ICES (Conselho Internacional para a Exploração dos Mares), em lugar de servirem de alerta, ainda servem para abrilhantar a narrativa, numa espécie de pré-holocausto da sardinha em que vale tudo, que para o ano pode não haver. Será que vale mesmo a pena torná-los públicos?

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Uma sardinha-panda: será que se a sardinha fosse assim a comíamos? Gonçalo Calado/João Encarnação

Sempre que pude, assisti à cerimónia da abertura dos certames. Invariavelmente, os governantes locais, regionais ou nacionais garantem que a sardinha não faltará e agradecem aos pescadores o esforço na pesca e na preservação deste recurso identitário. São aplaudidos por um público em êxtase, talvez já sugestionado pelo cheiro a sardinha assada que começa a sair dos grelhadores. Receio que ainda estará para nascer para a política o governante eleito que interdite a pesca da sardinha em Portugal. Serão todas comidas até à última espinha, até ser totalmente insustentável economicamente ir ao mar. Só não o é já pelos vários subsídios que existem à actividade, como bem sabe. Aliás, como uma parte apreciável do custo real de cada sardinha não vem reflectido no preço final ao consumidor, as pessoas queixam-se pouco, o que em nada contribui para a tomada de consciência da escassez do recurso.

Deixe-me confidenciar-lhe que, embora cansado, considero que esta missão foi para mim uma experiência sociológica muito enriquecedora. Espero que os resultados que lhe farei chegar ajudem a delinear melhores propostas de tomada de decisão política ao nível da Comissão Europeia. Ainda assim, para o ano prefiro que me destaque para os festivais do arenque ou da anchova um pouco mais a norte, que isto aqui é muito forte. Vou agora de férias mas fico-me pelas febras grelhadas.