“José Afonso era um génio da simplicidade”

Os UHF celebram José Afonso em A Herança do Andarilho, em disco e ao vivo. E vão fazê-lo no festival O Sol da Caparica, para contrariar o silenciamento do cantor.

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Esta quinta-feira, 2 de Agosto, José Afonso faria anos, 89. Esta quinta-feira, 2 de Agosto, António Manuel Ribeiro faz anos, 64. José Afonso nascido em Aveiro, António nascido em Almada, quis o segundo celebrar em disco a obra do primeiro, depois de, ainda jovem, o ter ouvido a cantar na rádio (sem saber quem era) e de, por várias vezes, ter sido desafiado a fazer versões de canções suas nos UHF. A Herança do Andarilho, o disco, editado primeiro em CD e depois em vinil, é o resultado dessa vontade. Que tem andado por vários palcos e estará agora também, em meados de Agosto, no Festival O Sol da Caparica.

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Esta quinta-feira, 2 de Agosto, José Afonso faria anos, 89. Esta quinta-feira, 2 de Agosto, António Manuel Ribeiro faz anos, 64. José Afonso nascido em Aveiro, António nascido em Almada, quis o segundo celebrar em disco a obra do primeiro, depois de, ainda jovem, o ter ouvido a cantar na rádio (sem saber quem era) e de, por várias vezes, ter sido desafiado a fazer versões de canções suas nos UHF. A Herança do Andarilho, o disco, editado primeiro em CD e depois em vinil, é o resultado dessa vontade. Que tem andado por vários palcos e estará agora também, em meados de Agosto, no Festival O Sol da Caparica.

Há outra razão para voltar agora a estas canções: contrariar o silenciamento. “Já não passa em lado nenhum, ninguém toca José Afonso”, diz ao PÚBLICO António Manuel Ribeiro. “Se perguntarem numa escola, ninguém sabe quem é. E nós conseguimos trazê-lo para a televisão, para a rádio.” No caso dos UHF, a ligação é antiga. “Quando se agarra na música do José Afonso e se desmonta, percebe-se que aquilo é tudo feito à base de dois, três tons. Ele era um génio da simplicidade, na linha melódica, a voz dele é que comandava tudo.” O problema era: como pegar nisto? “A primeira vez que me aconteceu foi com A morte saiu à rua, para o projecto Filhos da Madrugada [1994]. Quando agarrei na canção, pensei: estou feito. Isto é estrofe, solo de flauta, estrofe, solo de flauta; e agora, como é que eu vou fazer isto? Então lembrei-me de fazer um declamatório, com a banda meio jazzística a tocar e a responder à palavra.”

Onze canções, várias leituras

No disco, a par de três originais do grupo (Nove anos, Porquê (português) e Vernáculo (para um homem comum)) há versões de sete temas de José Afonso: Traz outro amigo também, Os vampiros, Vejam bem, Era de noite e levaram, No comboio descendente, A morte saiu à rua (gravada ao vivo) e Grândola vila morena, esta com seis vozes convidadas: Samuel, Manuel Freire, José Jorge Letria, Vitorino, Manuel Paulo e Armando Teixeira.

“Houve várias leituras. Na canção Era de noite e levaram reforcei toda a parte acústica, sobretudo as percussões, sem pôr nada eléctrico. O Vejam bem surgiu com um convite da Associação 25 de Abril com a RTP, nos 35 anos do 25 de Abril, gravámos no Tivoli. Fizemo-la em british  blues, o padrão do trio com voz, e calhou mesmo bem.” A mais recente foi Os vampiros: “Foi a primeira vez que ouvi o José Afonso sem saber que era o José Afonso, em 1969, na Renascença. No dia seguinte só queria repetir, porque aquilo tinha-me ficado na cabeça. Agora, quando agarrei na guitarra eléctrica para o ensaio com a banda, sai-me aquilo assim, sem ser preciso mais nada, parecia que tinha sido feito para mim. Depois metemos um bandolim eléctrico, que dá um toque muito bom, a guiar as guitarras: as minhas influências de Fairport Convention também estão cá.”

Crise e memória

No LP, os temas escritos por António Manuel Ribeiro vêm todos no lado B, seguidos de A morte saiu à rua. “Os três temas meu simbolizam a herança: este gajo influenciou-me.” Nove anos, o primeiro, é uma regravação (30 anos depois) do tema que abria o LP Noites Negras de Azul, de 1988, e foi escrito no dia em que José Afonso morreu, em 1987. “Eu estava na altura a viver em Oeiras, fui a casa, liguei a televisão, e quando virei as costas começo a ouvir a voz do José Afonso. Disse: morreu. É muito nosso: esqueceram-no e já lhe estão a fazer homenagens!” Porquê (português) é uma reacção visceral aos anos do início da crise: “Porquê/ É a pergunta/ Que sai da boca/ E enche a rua// Porquê, porquê, porquê/ Outra vez/ O naufrágio português.” O vocalista dos UHF pensou: “Vamos pelo esgoto. É que eu ando no país real e o gajo [Sócrates] falava de um país que não havia. Mais uma auto-estrada, um aeroporto, um TGV? Já havia desemprego, fábricas a fechar.” Por fim, Vernáculo é a regravação do tema mais visceral do disco A Minha Geração (de 2013), virulento, meio dito meio cantado como no FMI de José Mário Branco, e com uma duração de dez minutos e dez segundos: “Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar/ Idiotas convencidos/ Que um dia um voto lançou pela TV/ E se acham a desempenhar uma tarefa magnífica.”

Para António Manuel Ribeiro, A Herança do Andarilho continua a ser gratificante. “Tenho uma honra muito grande de este disco estar a ser um sucesso de vendas, já vai na segunda edição em CD, agora há o LP, e os direitos estão a ir para a família [de José Afonso], honradamente. Porque eu tenho memória, estive lá atrás. Sei como as coisas tristemente eram. Espectáculos feitos no meio do campo, onde se recebia por paga uma sandes e um copo de três, em palcos sem condições, às vezes com megafone. Era uma época em que éramos todos porreiros. Tudo isso fez o nosso crescimento.”