Dez dias que (quase) abalaram um repórter

Paulo Moura acredita no “momento propício” e na “imersão” como chaves do jornalismo “bem feito”. Há um ano estava em Mossul Ocidental, onde passou dez dias, numa casa com vista para as ruínas do Estado Islâmico.

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Nuno Ferreira Santos

Quando Paulo Moura foi ao Iraque pela primeira vez, ainda Saddam Hussein reinava na sua Babilónia. O jornalista voltou lá diversas vezes — por exemplo, com os norte-americanos por causa da invasão do Kuwait em 1990 —, a última das quais foi há um ano, para observar os despojos deixados em Mossul por quatro anos de vigência do Estado Islâmico: “O que me atraiu, quanto ao Estado Islâmico, foi a sua estranheza, o facto de ser tão diferente e tão incompreensível. O que é que concluí? Primeiro, que eles têm uma base teórica, pelo menos tanto quanto os nazis tinham, e essa foi uma coisa interessante de observar lá, ao falar com as pessoas. Não é uma coisa que surgiu do nada. Por outro lado, e em vez de estranheza, descobri que há uma grande proximidade. É até muito fácil entendê-los, de certa maneira. O que constatei é que esse movimento que surge no mundo muçulmano, e de que o Estado Islâmico é o expoente máximo, quase caricatural, é um movimento de regresso a um conservadorismo enorme e que também existe no Ocidente, em paralelo. E é por isso que é interessante observar o Estado Islâmico.” O resultado desta última viagem do jornalista — agora praticante da profissão em regime free lance, depois de mais de duas décadas ao serviço do PÚBLICO — intitula-se Uma Casa em Mossul e é uma reportagem com fôlego de livro.

Jornalismo e ficção

Dissemos jornalista? Paulo Moura prefere que lhe chamem repórter: “Digamos que é uma subcategoria do jornalista. O jornalismo começou a englobar todos os que escrevem em jornais e isso alarga o conceito até áreas que já não considero jornalismo propriamente. Repórter é um conceito mais preciso. O repórter é aquele que reporta, que levanta o rabo da Redacção, que vai aos sítios e regressa para contar. Implica uma atitude de liberdade e independência e uma capacidade de julgamento e de interpretação nas diversas situações. Dou importância a esse lado subjectivo da reportagem, conceito que para mim está muito ligado ao conceito de viagem, mesmo que não seja viajar para muito longe O repórter não é alguém que vai apenas registar factos e observar para depois fazer um relatório factual, estatístico ou quantitativo das coisas. Interpreta, e interpretar implica pensar, sentir, emocionar-se, etc.”

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Há um ano observou os despojos deixados em Mossul por quatro anos de vigência do Estado Islâmico. O resultado intitula-se Uma Casa em Mossul e é uma reportagem com fôlego de livro Nuno Ferreira Santos

Autor de vários livros — entre os quais se contam reportagens de longo curso, uma obra de ficção e uma biografia de Otelo Saraiva de Carvalho — o repórter é também professor na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, onde lecciona, entre outras, uma cadeira de Jornalismo Literário: “Fui eu que a criei e acho que é única nos cursos de jornalismo em Portugal. É uma disciplina de opção mas, curiosamente, é das que têm mais inscrições.” De que trata? “O jornalismo literário pode definir-se assim: é um jornalismo bem feito. Em termos históricos, tem uma genealogia complicada, mas podemos identificar o Novo Jornalismo dos Estados Unidos nos anos 60 [do século passado] como um antepassado mais directo. Significa usar recursos da literatura no jornalismo. Recursos, mais nada. Formas de escrita, recursos estilísticos, diálogos, metáforas, uma forma mais complexa, mais profunda e mais eficaz de escrita. Por outro lado, implica uma forma de investigação que não se limita à recolha de informação. A palavra-chave é imersão. Implica que o repórter tem de imergir nos sítios, estar com tempo, viver as situações, para poder ter uma percepção mais profunda dos acontecimentos. O Novo Jornalismo surgiu numa época de grande mudança na sociedade, radical e rápida, o que implicava a necessidade de haver alguém que ajudasse as pessoas a compreender essas mudanças. A literatura não estava capaz de o fazer, andava ocupada com experimentalismos, não estava muito atenta à realidade, e o jornalismo estava muito virado para o jornalismo político. Hoje, com a profundidade e a velocidade a que o mundo está a mudar, ao ponto de podermos falar de uma ‘generation gap’ em que as coisas mudam tão rapidamente que os pais não compreendem o que os filhos andam a fazer, precisamos também de alguém que nos ajude a compreender a situação. É esse tipo de jornalismo que tem essa função, não são as redes sociais nem o jornalismo mais convencional.”

Poderá essa maior liberdade de recursos técnico-expressivos aproximar o “jornalismo literário” da ficção? “Por vezes, confunde-se jornalismo literário com um jornalismo ficcionado ou que se permite deturpar os factos em prol do estilo. Mas o jornalismo literário ou narrativo é ou deve ser tão ou mais exigente, em termos éticos e em termos de rigor, do que o jornalismo convencional, quanto à confirmação dos factos, das fontes, ao contraditório, tudo isso. Liberdade em termos de estilo, sim, quanto à forma como podemos motivar os leitores, atraí-los, agarrá-los, usando recursos que os escritores de ficção andam a desenvolver há séculos e os jornalistas não. A ficção, nesse aspecto, está muito mais avançada.”

E não haverá aí, insistimos, o risco e a tentação de encenar, retocar, em caso de dúvida imprimir a lenda (como terá dito John Ford)?

“Uma coisa é uma fraude — inventar factos, dizer que aconteceu e não aconteceu, ou, tendo acontecido ontem, dizer que aconteceu hoje, ou seja, deturpar os factos para favorecer o estilo. Isso é totalmente ilegítimo. Mas uma abordagem mais artística é outra coisa. Eu não tenho de contar as coisas de uma forma cronológica, posso começar in media res e depois fazer flashbacks, etc. São liberdades que não deturpam os factos e não têm nada a ver com o rigor da investigação dos factos. Mas é claro que isso é preocupante, e designadamente em países onde não há tradição [desse tipo de jornalismo] como é o caso de Portugal. Quando alguém tem um texto um pouco mais artístico, há quem pense que o jornalista inventou, que forçou um bocado a realidade para escrever assim. Pode-se pôr a questão ética sobre se é legítimo fazer arte à custa dos actos e designadamente do sofrimento dos outros. Porque por vezes o jornalismo é feito em situações negativas extremas: bad news is good news. Muitas vezes, o material com que trabalhamos relaciona-se com situações dramáticas que implicam o sofrimento de pessoas. Se um jornalista que está a fazer uma fotografia se preocupa com o aspecto estético da imagem e fica à espera do momento certo para o enquadramento, à espera da luz, isso é legítimo? Ou devia apenas dar uma imagem informativa, por uma questão de pudor em relação ao sofrimento dos outros? A minha posição é que sim, é legítimo. É legítimo em nome da eficácia, porque uma fotografia mais bem feita, em termos artísticos, é mais eficaz, vai tocar as pessoas, vai motivá-las, vai fazê-las prestar atenção àquela realidade, e uma fotografia mais básica pode passar despercebida. Com o texto é a mesma coisa. Temos essa obrigação. Não é em nome de uma suposta arte, é em nome da eficácia informativa. Sempre. Quando eu descrevo uma realidade, nunca descrevo tudo, escolho alguns pormenores e oculto outros, é inevitável. E essa escolha é mais perigosa no jornalismo convencional e factual, que cria uma ilusão de objectividade que pode induzir em erro, enquanto no jornalismo mais literário o leitor percebe os meios, as condições em que o trabalho está a ser feito, percebe inclusivamente a subjectividade do próprio jornalista. Uma notícia com três parágrafos é sempre uma narrativa, nunca é a realidade. Mas cria uma ilusão de realidade.”

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Está agora a escrever um romance, um thriller político. Não quer fazer experiências estilísticas. Diz que a literatura está numa época em que tem que mostrar para que é que serve Nuno Ferreira Santos

O bloco de notas e a caneta

Uma Casa em Mossul (subtítulo: “Os ultimos dias do Estado Islâmico”) será um exemplo de jornalismo literário, nele sendo legíveis a subjectivdade do repórter, a sua liberdade interpretativa, o labor reflexivo para contextualizar o núcleo do livro, que é a narração dos dias passados em Mossul e em Erbil perseguindo uma realidade então já evanescente: o Estado Islâmico. Assim se compreende, por exemplo, a reutilização de uma “conversa” tida com o escritor J. G. Ballard em 2004, a propósito da “violência como forma de liberdade”.

Explica Paulo Moura: “O livro é essencialmente um relato subjectivo, meu. Podia ser outra coisa, mais factual, ou até científica, sobre o Estado Islâmico, uma investigação, mas não é por várias razões e uma delas é que não tive oportunidade de fazer isso. O âmbito do meu trabalho nunca poderia ser esse. Portanto, reduzi o livro àquilo que é: um relato da minha experiencia lá, do meu contacto com as pessoas, sem grandes ambições de generalizar. Apenas falei com as pessoas com quem falei e o jornalismo é isso, não é um trabalho científico. E sendo um relato subjectivo, ocorreram-me outras histórias que, na minha perspectiva, têm a ver com esta. Uma delas é essa entrevista com Ballard, cujo discurso senti como premonitório do que viria a acontecer depois, sobretudo quanto à atracção que o Estado Islâmico exerceu sobre jovens, no Ocidente, que nem sequer muçulmanos eram.”

Enquanto vigorou o califado proclamado por al-Baghdadi a 6 de Julho de 2014, num discurso complexo, culto e ressoante de alusões familiares a um estudioso do Islão, discurso que o autor cita aliás abundantemente, Mossul foi pouco permeável à curiosidade mediática do Ocidente. Os jornalistas ocidentais que se aventuraram no vasto território governado pelo Estado Islâmico ou acabaram sendo barbaramente assassinados, como Daniel Pearl, ou se converteram intempestivamente ao islão violento do Daesh, como terá sido o caso de John Cantlie, cujo paradeiro continua ignorado. O tema é desenvolvido por Paulo Moura na segunda parte do livro, na qual pesquisa também casos históricos de imersão de ocidentais na cultura muçulmana (Sir Richard Burton, por exemplo). Não tendo podido imergir de outra maneira, Paulo Moura queria, pelo menos, aproximar-se “o mais possível, estar nos sítios ondes eles [os elementos do Daesh] ainda estavam ou tinham acabado de estar, falar com as pessoas que acabavam de escapar ao domínio do Estado Islâmico”. Convirá dizer aqui que o repórter cultiva “o momento propício” e que não foi por acaso que entrou (clandestinamente, porque as forças regulares iraquianas não queriam por lá observadores estranhos no momento do assalto final) em Mossul Ocidental no dia em que a cidade foi oficialmente “libertada”: 10 de Julho de 2017.

“Eu queria estar no momento de transição, no momento em que já não existe o califado mas ainda não há uma alternativa, ainda há combates, ainda está tudo fresco. Eu acredito muito nesse tipo de momentos, acredito em ir aos sítios no momento certo, no momento em que se capta a realidade numa dimensão especial. Acredito que esses momentos são propícios, são melhores para perceber a realidade”, afirma Paulo Moura, que viajou para Erbil (no Curdistão iraquiano) e ali ficou “à espera de entrar em Mossul no momento em que se podia já entrar mas em que a situação ainda não estava controlada”.

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Nuno Ferreira Santos

Lembrados de que, por exemplo, no dia 26 de Abril de 1974 já só haveria em Portugal antifascistas de longa data, perguntámos se esses momentos de transição não serão enganadores: “Sim, mas uma pessoa apercebe-se disso! Uma das coisas de que me apercebi foi que provavelmente a maioria da população da cidade apoiou o Estado Islâmico enquanto ele durou. Também faz parte da função do repórter descodificar isso, tentar perceber até que ponto o que se diz agora é uma tentativa de colagem ao novo discurso dominante, ao discurso dos vencedores, e perceber como é que as pessoas permitiram atrocidades contra populações inteiras. Contra os yazidis, por exemplo, toda a gente viu, toda a gente presenciou e ninguém mexeu uma palha, ninguém protestou. E também em ralação à população xiita. Porque quem está hoje em Mossul são os sunitas. Onde é que estão os xiitas que lá viviam?”

O repórter passou os dez dias seguintes — “Ainda havia combates a decorrer e zonas da cidade ainda controladas pelo Estado Islâmico e os soldados das forças iraquianas tinham ordens para matar tudo o que mexesse, para não fazer prisioneiros.” — imerso num mar de ruínas e testemunhos do passado recente: “A cidade estava totalmente destruída, não havia comida, não havia água, não havia nada. Já não se distingue onde é que são as ruas. Foram bombardeamentos sobre bombardeamentos sobre bombardeamentos. As pessoas tinham uma grande expectativa de contar, de pedir ajuda, viam-me a mim, o primeiro estrangeiro que ali apareceu, como alguém que de alguma maneira os ia poder ajudar. Não só queriam falar como queriam dar os seus nomes, exigiam que eu apontasse os seus números de telefone, era uma marca pessoal, para não ser apenas uma história anónima. Sempre que sabiam que eu estava numa casa a falar com uma família, chamavam os vizinhos e os amigos, e a certa altura estavam centenas de pessoas à porta, e pela rua fora, e eu tinha que sair dali quase a fugir porque todos queriam falar comigo.” Como únicas ferramentas de trabalho, as de sempre: “Sou fiel ao bloco de notas e à caneta. Também faço fotografias, até com telemóvel, para meu registo pessoal e para memorizar sítios e pessoas. É um meio às vezes mais eficaz e mais económico do que escrever. Mas nunca é o essencial. O essencial é tirar notas, porque nesse processo já há uma filtragem. Quando tiro notas, de certa forma já estou a escrever o texto quando estou a viver as situações. As notas que eu tiro já são em função daquilo que eu sei que me vai ser útil e de que vou precisar, e essa selecção permite-me poupar tempo. E eu estou sempre a tirar notas.”

Jornalismo: serviço público

Se o bloco de notas e a caneta são recursos ainda ao alcance de um repórter free lance, o mesmo se não pode afirmar de outros meios, igualmente necessários mas caros e potencialmente problemáticos. É o caso dos tradutores, a propósito dos quais se conta no livro episódio ilustrativo de um que decidiu substituir-se à voz que deveria ter traduzido: “Como a maioria das pessoas só falava árabe, tive de trabalhar com um tradutor, sendo que nestes sítios não se contrata um tradutor profissional, arranja-se alguém que fale uma língua qualquer que entendemos e que seja barato, porque numa zona de conflito o mercado funciona e os preços disparam: são sempre 300, 400 ou 500 dólares por dia. E é um perigo trabalhar com um tradutor destes porque ou não sabe traduzir, ou é tendencioso, por negligência ou por dolo, muitas vezes é mesmo alguém que está ali para nos manipular ou para nos mostrar a sua visão da realidade. Na prática, o que acontece é que o tradutor não traduz o que as pessoas dizem mas a sua interpretação daquilo que as pessoas disseram. O que é que é preciso fazer? É preciso dar um curso acelerado ao tradutor, explicar-lhe que é preciso traduzir cada frase dita sem fazer julgamentos, não fazer resumos, traduzir frase a frase, etc.”

É possível que algum leitor mais puritano, ou distraído quanto às condições económicas que vão amordaçando o jornalismo sério e meditado, se surpreenda ao saber que “este projecto só foi possível, em termos logísticos, práticos e financeiros, porque houve o apoio de uma bolsa da Nomad para reportagens de viagem.” Conta o autor: “Eles é que me contactaram e deram-me liberdade para escolher qualquer tema que implicasse uma viagem. Sem esse apoio, e só com os meus meios de jornalista free lance, eu não poderia ter feito um trabalho destes, porque as viagens, os tradutores e os meios logísticos locais custaram um preço que nunca seria pago pelo retorno que tenho depois com a venda das reportagens, seja em livro ou em jornais.”

Refira-se que estamos falando de uma agência de viagens “que tem uma fundação chamada Manifesto que tem um fundo para apoiar reportagens de viagem.” Contrapartidas? “Nenhuma. Deram-me cinco mil euros e pediram-me apenas que na contracapa do livro estivesse um pequeno selo identificando o apoio da Nomad. Não interferiram em nada, nem no tema. A minha ideia era já fazer um livro, mas entretanto vendi reportagens ao Expresso e à Visão sobre estes temas, enquanto estava lá no Iraque.”

 Abrir-se-á, com isto, um inesperado canal de financiamento do jornalismo de fôlego? “Se aceitarmos que o jornalismo é um serviço público e necessário, o que não é um dado adquirido, então temos de ver como é que será possível continuar a fazê-lo, pois está provado que o mercado já não é suficiente. O jornalismo que faço só vai ser possível se houver apoios e eu, que já fui mais renitente em relação a esse tipo de coisas do que sou hoje em dia, acho que é preciso explorar estas novas vias de mecenato, de fundações ou do próprio Estado. Se o Estado financia as artes, o jornalismo não é pelo menos tão útil e importante existir numa sociedade democrática como as artes? Se o mercado não o financia, não o torna possível, o Estado tem a obrigação de o fazer.

Garantindo, claro, as condições de independência que são condição da própria existência do jornalismo.” A quadratura do círculo? Talvez. O problema é que, como constata (ironicamente?), “a própria função do jornalista é cada vez menos especializada. Um jornalista, hoje, não é um trabalhador muito especializado, está abaixo de operário de linha de montagem e tem um salário em conformidade. Acho muito bem, ganha o salário mínimo. Pois se não faz nada de especial por que é que haveria de ganhar mais? Qualquer cidadão pode fazer jornalismo! Tem os meios, tem um telemóvel e faz. Por que é que há-de ser bem pago?”

Entretanto, não será por causa disso que está agora a escrever um romance: “A minha preocupação é a mesma: a realidade. Não quero escrever romances para fazer experiências estilísticas ou para revolucionar a literatura desse ponto de vista. A literatura está numa época em que tem que mostrar para que é que serve.” Será uma espécie de thriller político: “É uma história que tem que ver com a guerra do Iraque e como se construíram todas as mentiras para provocar a guerra.” O que procura o repórter na ficção? “Não me interessa fazer uma investigação sobre o que aconteceu. Esse é o lado jornalístico mas eu, como jornalista, nunca fui um jornalista de investigação, nem me interessa muito isso, no sentido policial do termo, de descobrir o escândalo e divulgá-lo. Nunca foi isso que me interessou, interessou-me sempre mais a compreensão da parte psicológica das personagens, o que motiva as pessoas, como é que reagem nas situações extremas que procuro, de conflito, de guerra. Há características humanas que só se manifestam em momentos limite, de grande crise, e isso interessa-me muito. A ficção é uma espécie de continuação desse processo, é um método para eu tentar desenvolver isso criando personagens e as suas relações, as suas reacções psicológicas em situações extremas, muito baseadas nas experiências que eu tenho. Tenho uma experiência muito grande nesse tipo de situações e há muitas coisas que vi ou que senti e pensei e que não tinham cabimento nas reportagens, e que quero tentar usar para tentar compreender certas realidades através da ficção.”