Resíduos sem indústria

Raramente se viu pior do que Linhas de Sangue, mesmo contando com as prateleiras dos videoclubes.

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É inevitável que toda a indústria produza resíduos, objectos mais ou menos embaraçosos que a própria lógica industrial, por pudor, se encarrega de esconder da vista do grande público – por exemplo, no cinema americano, aquilo a que muitos anos se chamou o straight to video, filmes que eram poupados à exposição em sala e remetidos à obscuridade das prateleiras dos videoclubes. Pensamos nisso a ver Linhas de Sangue, filme tão tacanho e tão grotesco que só pode ter comparação nessas monstruosidades do straight to video, e que confirma esta estranha peculiaridade do cinema português, a de não ter indústria mas ainda assim produzir resíduos, e expô-los ao maior número possível de pessoas.

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É inevitável que toda a indústria produza resíduos, objectos mais ou menos embaraçosos que a própria lógica industrial, por pudor, se encarrega de esconder da vista do grande público – por exemplo, no cinema americano, aquilo a que muitos anos se chamou o straight to video, filmes que eram poupados à exposição em sala e remetidos à obscuridade das prateleiras dos videoclubes. Pensamos nisso a ver Linhas de Sangue, filme tão tacanho e tão grotesco que só pode ter comparação nessas monstruosidades do straight to video, e que confirma esta estranha peculiaridade do cinema português, a de não ter indústria mas ainda assim produzir resíduos, e expô-los ao maior número possível de pessoas.

Que dizer de um filme que mal acabam os créditos iniciais já está a fazer piadinhas (“Berlim, Checoslováquia”) e, pior, a dizer ao espectador, não vá ele não dar por ela (a essa legenda segue-se mesmo outra a dizer que a primeira era uma graçola, e que Berlim não é nada na Checoslováquia), que está a fazer piadinhas? O plano a que essas legendas são apostas – uma vista de edifícios modernos de Lisboa captada provavelmente através de um drone – é o único a exibir algum tipo de opulência de produção, ainda que num estilo de anúncio publicitário. Depois, não se perde pela demora, e quem não sabe ao que vai rapidamente percebe na penosa primeira sequência, que se arrasta (e arrasta e arrasta) entre graçolas e caretas e uma longa cena de “acção” (aspas intencionais), sem qualquer noção de ritmo narrativo ou visual, tudo desprovido de qualquer espécie de subtileza ou elegância (outras noções que faltam a Linhas de Sangue). O BI do filme fica tirado aí: parece o resultado do encontro entre a mais pobre televisão humorística (tipo Malucos do Riso) e o trash mais boçal, a desejar ser confundido com Tarantino. Se mistura “comédia” e “acção” dá impressão de o fazer sempre como desculpa: o humor vem amparar a inabilidade para fazer um filme de acção competente, a acção vem amparar a falta de graça geral, como se Linhas de Sangue nunca quisesse ser o que parece, mas acabasse por parecer exactamente o que é. É tudo tão mau, tão pueril, tão chato, que chega a dar pena – sobretudo dos actores, quase sempre inocentes, e genericamente capazes de conservarem uma dignidade que o filme insistentemente lhes tenta roubar. Mas milagres só os santos, e nada redime Linhas de Sangue: raramente se viu pior do que isto, mesmo contando com as prateleiras dos videoclubes.

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