E quando os filhos saem de casa e os pais não sabem o que fazer?

O síndrome do ninho vazio existe e pode levar alguns pais à depressão. A receita é transmitir confiança aos filhos e deixá-los voar, recomendam os especialistas. Quanto aos pais, há projectos que podem pôr em prática.

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Imagem do filme Bao DR

Na cozinha, uma mulher faz pãezinhos chineses com destreza. Põem-nos a cozer ao vapor e leva-os para a mesa, onde ela e o marido comem em silêncio. Ele sai para trabalhar e ela fica a terminar a refeição até que o último pãozinho, o bao, ganha vida. É um bebé que segue a mãe para todo o lado, mas à medida que cresce vai ganhando autonomia para mal daquela mãe que não se consegue adaptar. O fim fica para quem quiser ir ver a curta-metragem Baoda realizadora Domee Shi, que antecede Os Incríveis 2, nos cinemas. Amanhã começam as candidaturas à primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, altura em que muitos jovens optam por escolher cursos ou escolas que ficam longe da casa dos pais. Como lidam estes com a situação?

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Na cozinha, uma mulher faz pãezinhos chineses com destreza. Põem-nos a cozer ao vapor e leva-os para a mesa, onde ela e o marido comem em silêncio. Ele sai para trabalhar e ela fica a terminar a refeição até que o último pãozinho, o bao, ganha vida. É um bebé que segue a mãe para todo o lado, mas à medida que cresce vai ganhando autonomia para mal daquela mãe que não se consegue adaptar. O fim fica para quem quiser ir ver a curta-metragem Baoda realizadora Domee Shi, que antecede Os Incríveis 2, nos cinemas. Amanhã começam as candidaturas à primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, altura em que muitos jovens optam por escolher cursos ou escolas que ficam longe da casa dos pais. Como lidam estes com a situação?

Depende. Tal como a mãe chinesa de Bao, também os pais portugueses promovem pouco a autonomia dos filhos, começa por dizer a psicóloga Teresa Espassadim, da Clínica Psicodinâmica, em Lisboa, e que foi coordenadora do Gabinete de Orientação do Instituto Superior de Engenharia do Porto. “Há um estilo mediterrânico que parece que temos de estar muito juntos para sermos felizes enquanto há outros estilos parentais que promovem mais a autonomia”, aponta. 

Embora se verifiquem algumas mudanças – os jovens vão estudar para outra cidade ou para outro país, e, terminado o curso, emigram – os pais continuam com as suas vidas muito focadas e centradas nos filhos. E, por isso, quando eles saem de casa podem sofrer do chamado síndrome do ninho vazio, ou seja, podem mesmo adoecer, entrar em depressão porque deixam de ter uma missão na vida e as suas rotinas em torno dos filhos. “Continuam a existir pessoas a sofrer com um vazio que se instala. A sós ou acompanhadas”, aponta Júlio Machado Vaz, psiquiatra, por e-mail, reconhecendo que são sobretudo as mães as que mais sofrem com o alegado abandono. No entanto, Bárbara Ramos Dias, psicóloga clínica e especialista em psicologia adolescente, refere que começam a surgir pais que sofrem do mesmo mal.

Separações e outras complicações

Bárbara Ramos Dias lembra que, por altura de os filhos saírem de casa, algumas mães passam pela menopausa. “A pessoa não se sente bem consigo, sente que já não tem objectivos na vida”, descreve. Teresa Espassadim acrescenta mais um dado para o sentimento de vazio: actualmente, muitos casais deixam para mais tarde a maternidade, logo, a idade da reforma pode coincidir com a altura em que os filhos abandonam o lar. “Quando as angústias são mascaradas por estar ocupado e preocupado com a vida de outros, os vazios podem ser mais angustiantes”, aponta a especialista.

Por vezes, é quando os filhos saem de casa que os pais se confrontam consigo próprios e concluem que o que os unia era apenas a descendência. “Após 30 anos, as pessoas podem perceber que são estranhas [uma para a outra]”, refere Espassadim. “Se se trata de um casal é preciso avaliar o estado da relação, o face a face pode ser insuportável ou [por outro lado] uma oportunidade de viver mais livremente”, aponta Machado Vaz. Se há casais que escolhem esta altura para se separar, outros aproveitam para se (re)conhecer. “Muitos reencontram o amor que os uniu, outros dizem que não faz sentido. O mais importante é compreender que esta é uma nova fase da vida”, acrescenta Bárbara Ramos Dias. 

Mas não são só os pais que sofrem, os filhos também. A psicóloga que acompanha adolescentes conhece alguns casos de jovens que se sentem inseguros com o abandono da casa paterna. “E se não consigo pagar a renda? E se algo corre mal? E se a minha mãe passar o tempo todo a ligar-me? E se o meu pai ficar zangado pela decisão que tomei?” Estas são algumas das perguntas que surgem em consultas, revela Bárbara Ramos Dias. Desde que os filhos são pequenos que é importante prepará-los para serem autónomos – ensiná-los a cozinhar, a passar a roupa, a gerir o dinheiro – e responsáveis, propõe. “Quando saem para a faculdade ou quando querem ir viver com um amigo, os pais devem reconhecer que o filho tem coragem, dar-lhe força e apoiá-lo”, sugere.

Teresa Espassadim é da mesma opinião: cabe aos pais dar espaço aos filhos para que estes possam fazer as suas escolhas. Voltando a Bao, a mãe do pãozinho chinês fica em stress quando este quer ir brincar com os outros meninos. A psicóloga lembra que muitos pais vão às festas de anos dos amigos dos filhos e lá permanecem. São pessoas que “vivem a vida social dos filhos, que não lhes dão espaço”. Por isso, “seria estranho que não sentissem algum vazio depois da sua saída de casa”, constata.

"Olhar para sonhos antigos"

Na verdade, os pais que sempre deram espaço ao casal, enquanto os filhos ainda estavam em casa, os que já tinham os seus projectos, poderão ser aqueles que menos sentem o vazio da casa quando os filhos a abandonam. “Preparar a saída é um trabalho a tempo inteiro, desde que os filhos nascem e à medida que eles vão crescendo, procurando ter sempre espaço para que os pais sejam eles próprios”, aconselha Teresa Espassadim.

Mas há quem precise de ajuda profissional por se sentir depressivo, especialmente os que são muito dependentes dos filhos. “É preciso ajudar a pessoa a reconstruir o seu 'eu'”, diz Bárbara Ramos Dias. Como é que isso se faz? A pessoa precisa de voltar a olhar para si, para o que gosta de fazer, reencontrar amizades antigas, criar novas, redescobrir o amor, enumera a psicóloga. “Olhar para sonhos antigos e querer concretizá-los. Usar os PPP – pensamentos positivos permanentes – porque enquanto estivermos a pensar de forma positiva, vamos ter respostas diferentes. É uma oportunidade de crescimento. E fazer um detox mental, ou seja, deitar fora tudo o que não interessa, as raivas, as angústias, as ansiedades”, defende Ramos Dias.

Pode ser uma altura difícil na vida dos pais porque confrontam-se com os seus próprios receios, refere Teresa Espassadim, salvaguardando que “isso é saudável”. “Tem de haver um ajuste e esse não se faz sem dor”, constata. Os pais têm de reconhecer que são mais do que isso. “Têm de deixar de se pôr em último lugar. Agora, já podem ir à hidroginástica, já podem comer a coxa do frango”, brinca a psicóloga. “Nós somos pessoas com vida própria e não apenas pais dos nossos filhos”, escreve por seu lado Machado Vaz.

Se a maioria, segundo os especialistas ouvidos, ultrapassa a síndrome do ninho vazio e descobre outros motivos para viver que não apenas os filhos, outros há que os sufocam com medos e telefonemas por tudo e por nada, que os culpam por se sentirem e estarem sozinhos, e que só recuperam quando os netos chegam, encontrando assim uma nova missão na vida. Esses pais têm de “perceber que a missão está cumprida”, diz Bárbara Ramos Dias.

Só depois de todo este processo – de reconhecimento que o ninho está vazio, de confiança que os filhos têm as ferramentas para voar e para fazer o seu próprio ninho – é que os pais estão preparados para novas rotinas, diz a psicóloga. “É o ciclo natural da vida. Temos de o encarar de forma positiva e reconstruir uma nova vida”, aconselha. Nessa, os filhos continuam a ter parte. “A saída física não significa abandono, a relação com os marotos mantém-se a outro nível. Hoje em dia, quantas vezes por Skype, com tanta emigração forçada para os jovens”, constata Júlio Machado Vaz.