Diferendo com a Esegur põe em risco obras da colecção de fotografia do Novo Banco

A Tranquilidade detectou insuficiências nas coberturas das apólices e descrição de produtos, o que abriu a discussão sobre o pagamento de indemnizações entre 500 mil e um milhão de euros. Fundo de Resolução diz que “não teve conhecimento” da situação que afecta várias peças

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Daniel Rocha

Um acidente involuntário no Espaço Novo Banco Arte & Finança danificou várias obras da colecção de fotografia contemporânea do antigo BES, que se têm vindo a degradar devido a divergências entre o Novo Banco e a empresa que faz a sua segurança sobre o apuramento das responsabilidades, a Esegur. O Fundo de Resolução, que tem por dever defender o interesse público, diz que “não teve conhecimento” da situação que afecta várias peças de um acervo cujo valor total se admite oscilar entre os 15 milhões e os 20 milhões de euros.

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Um acidente involuntário no Espaço Novo Banco Arte & Finança danificou várias obras da colecção de fotografia contemporânea do antigo BES, que se têm vindo a degradar devido a divergências entre o Novo Banco e a empresa que faz a sua segurança sobre o apuramento das responsabilidades, a Esegur. O Fundo de Resolução, que tem por dever defender o interesse público, diz que “não teve conhecimento” da situação que afecta várias peças de um acervo cujo valor total se admite oscilar entre os 15 milhões e os 20 milhões de euros.

O braço-de-ferro entre o Novo Banco e a empresa de segurança privada Esegur (que é detida em partes iguais pelo NB e pela CGD) tem sido mantido em ambiente reservado, pois estão em causa, alegadamente, falhas na obrigação de preservação do património cultural e artístico do banco abrangido por protocolos assinados com o Estado.

A discussão entre as três empresas envolvidas (que no passado partilharam o mesmo accionista Espírito Santo) tem mais de um ano. E é o resultado de um acidente provocado inadvertidamente por um funcionário da empresa de segurança privada, encarregue de manusear peças sensíveis de um lado para o outro, algumas de grande porte. E não correu bem. Tudo se passou no Espaço NB Arte & Finança, na Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa, onde está guardado em cofres-arquivo o conjunto de fotografias contemporâneas do antigo BES.

Durante uma mudança, o trabalhador fez disparar acidentalmente o dispositivo anti-incêndios, que soltou um pó branco que se infiltrou nas molduras, acabando por danificar mais de vinte obras de fotografia.

Ao não antecipar o risco potencial de deixar funcionários sem qualificação “mexer” em obras sensíveis, o Novo Banco terá tratado, alegadamente sem o cuidado devido, o espólio fotográfico do antigo BES, considerado o mais importante do país. Um acervo que reúne cerca de mil peças de 280 artistas, de 38 nacionalidades e várias gerações. 

Os acontecimentos ocorreram quando à frente do Espaço NB Arte & Finança estava Arlindo Serrão, que o banco, após a resolução de Agosto de 2014, foi resgatar a outro departamento, no quadro da sua reorganização. No final de 2017, Arlindo Serrão deixou o banco. 

O primeiro alerta de confusão chegou ao PÚBLICO através de um leitor que se declarou preocupado com informações que corriam em meios restritos da área seguradora sobre a existência de um conflito que estava a acentuar a degradação de peças de autores consagrados.

A “embrulhada” remetia para os bastidores do dossiê envolvendo empresas que até Agosto de 2014 pertenciam ao Grupo Espírito Santo (GES): Novo Banco (hoje em 75% do Lone Star), Esegur (50% ainda no Novo Banco, outros 50% na CGD) e seguradora Tranquilidade (agora do grupo Apollo).

Depois do acidente, o Novo Banco e a Esegur arrancaram com a discussão sobre responsabilidades em accionar o seguro. O resultado foi que o sinistro não foi logo participado à Tranquilidade. No passa-culpas, a Esegur acabou a assumi-las. Fontes que acompanham o dossiê disseram ao PÚBLICO que os prejuízos se cifram acima dos 500 mil euros e abaixo de um milhão de euros.

Mas quando a companhia foi notificada, e se esperava que o dinheiro fosse libertado, surgiram problemas. Para além do sinistro ter sido comunicado tardiamente, as duas apólices da Esegur não dispunham, supostamente, das coberturas necessárias e havia falta de informação na descrição das peças. Outra fonte não oficial admite que os seguros do Novo Banco associados ao património artístico e cultural também teriam falhas. Até à semana passada, mantinha-se o impasse em torno da activação do seguro, e o dossiê por fechar.

Contactada, através de email e de telefone, para prestar esclarecimentos, a Esegur não respondeu. Já o Novo Banco tem feito “black out” às questões que o PÚBLICO lhe dirige. Uma prática herdada do BES que a usou com o PÚBLICO, nomeadamente, na década de noventa, inícios de 2000, para “bloquear” o acesso às empresas do GES.

Em alternativa, o PÚBLICO interpelou o Fundo de Resolução, que possui 25% do Novo Banco e tem por competência defender o interesse público. Inquirido se tinha sido informado sobre a existência de obras danificadas (“acidentalmente por um funcionário não qualificado”), o Fundo de Resolução respondeu “que não teve conhecimento da situação descrita.”

Por seu turno, a Tranquilidade “não comenta assuntos em que estejam envolvidos clientes”, como são o Novo Banco e a Esegur.

BES investia um milhão ano em fotografia

O espólio de fotografia contemporânea do Novo Banco começou a ser montado, em 2004, por Alexandra Fonseca Pinho, mediante proposta do departamento de marketing. E está sustentado em três eixos: a criação de uma colecção de fotografia contemporânea; um prémio para jovens fotógrafos, em parceria com a Fundação de Serralves (BES Revelação); e um prémio para artistas consagrados, em associação com a Fundação Berardo (BES Photo).

Ao longo de quase uma década, o orçamento anual atribuído por Ricardo Salgado à então curadora Alexandra Fonseca Pinho (que já saiu do Novo Banco) chegou a ultrapassar um milhão de euros. O preço de mercado deste acervo nunca foi divulgado. Interrogado, o Fundo de Resolução esclareceu que compete ao Novo Banco divulgar “o valor contabilístico das suas colecções de arte". Todavia, a comunicação social tem avançado com números, que, por exemplo, avaliam a Colecção de Fotografia Contemporânea entre 15 milhões e 20 milhões de euros, mas sem confirmação oficial.

As divergências entre Novo Banco e a Esegur, em resultado do acidente, são um episódio, mas deixam no ar dúvidas sobre se a instituição financeira tem capacidade para conservar o património que o Estado decidiu deixar na sua esfera. E isto, sabendo que os contribuintes arriscam perder até onze mil milhões de euros por ter resgatado o antigo BES.

É que ao contrário do que decidiu fazer com um conjunto alargado de activos tóxicos, retirados da negociação da privatização, o Governo, via Fundo de Resolução, não o fez com os bens artísticos e culturais.

Hoje, o Fundo de Resolução elucida: “Para que os activos em causa fossem retirados do balanço do Novo Banco teria que existir a devida compensação, situação que não foi prevista nas negociações de venda do NB.”

E quem não a antecipou foi o ex-secretário de Estado de Passos Coelho, Sérgio Monteiro, que o BdP contratou para levar por diante a venda da instituição.

Em Janeiro último, e para esvaziar o ruído, Governo e Novo Banco deram uma volta ao texto. E aprovaram protocolos para empréstimos dos acervos culturais e artísticos através de “parcerias com entidades públicas e privadas, como museus e universidades, de âmbito nacional e regional".

Uma solução que permite aos cidadãos aceder aos espólios, mas não dá certezas quanto ao futuro.

Ao PÚBLICO o Fundo de Resolução, ainda que confirme que “o acordo prevê expressamente que as colecções de arte se mantenham sempre em Portugal”, abre a porta a uma outra possibilidade: que o Estado português decida “autorizar o contrário”. E reconhece mesmo que “a política cultural do país é competência exclusiva dos diferentes governos.”

É que os acordos bilaterais podem sempre ser revertidos ou quebrados, pois ficam ao critério da sensibilidade e da ideologia dos governantes. Outra coisa seria se o património artístico e cultural tivesse ficado dentro do perímetro estatal, mantendo-se o Novo Banco mecenas e a beneficiar da respectiva notoriedade.

Obras de arte ajudam à promoção do banco

Foi no quadro de uma estratégia promocional da instituição agora detida pelo Lone Star, que António Ramalho criou uma nova ideia que baptizou de Novo Banco Cultura. Um projecto que integra o acervo de fotografia contemporânea, as 97 obras de pintura (que não têm estatuto de colecção), a biblioteca de livros antigos, e mobiliário de época, assim como uma colecção de numismática com mais de 13 mil moedas e quatro mil notas e cédulas. Entra elas, a jóia da coroa, pela sua raridade e valor, remonta a 1822, à coroação de D. Pedro, imperador do Brasil, da qual só se conhecem 16 exemplares. E o Novo Banco e o Lone Star ficaram com um deles.

Entretanto, já arrancaram os programas, uma espécie de parceria público-privada. No caso da colecção de fotografia, o Ministério da Cultura informou que estava a negociar colocar as obras no Convento de São Francisco, em Coimbra. Mas neste caso, ainda nada foi concretizado.

Já no que respeita à pintura, há trabalho feito. A intenção de Ramalho é dispersar obras pelos vários museus espalhados pelo território nacional “desde Tavira até Caminha” e criar “um roteiro” para ser visitado.

A título de exemplo: o Museu Nacional de Arte Antiga, criado em 1884, para acolher (e preservar) várias colecções públicas, recebeu de empréstimo um dos activos do Novo Banco mais emblemáticos: “Anne Catherine Le Preudhomme, Condessa de Verdun”. Trata-se de uma obra de Élisabeth Louise Vigée Le Brun, pintada em 1782, e que o MNAA classifica como "uma das mais interessantes pintoras francesas da segunda metade do século XVIII.”

Na mesma linha, Ramalho disponibilizará à Universidade Nova de Lisboa a colecção de numismática. O protocolo visa “o incentivo e promoção da investigação e produção de trabalhos conjuntos” e a colaboração “no estudo e divulgação da Colecção e a promoção de visitas ao Museu [exposto no cofre do Novo Banco] dentro do programa de estudos e investigação”.

Recorde-se que parte substancial do acervo de moedas foi adquirida por Ricardo Salgado ao empresário Carlos Marques da Costa, fundador da Lusiteca, a fábrica de pastilhas Gorila, e então cliente do ex-BES. E que, numa visita à Feira da Ladra, nos anos 70, se tornou coleccionador.

O espólio do Novo Banco é formado por 13 mil moedas, onde constam exemplares preciosos que vão da época dos suevos e dos visigodos, à primeira moeda cunhada em Portugal e à última a ser cunhada antes da entrada em circulação do euro.