Há “âncoras” que podem abrandar a perda de gelo na Antárctida Ocidental

Equipa de cientistas verificou que o substrato rochoso na costa do mar de Amundsen está a subir mais rapidamente do que se pensava, a um ritmo 41 milímetros por ano.

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Na Antárctida Ocidental, onde foram realizadas as medições para este trabalho NASA/REUTERS

A Antárctida é uma autêntica caixinha de surpresas até por baixo do seu gelo. Uma equipa de cientistas observou que o material rochoso de uma parte da Antárctida Ocidental está a subir mais rapidamente do que se pensava, formando “âncoras” que podem segurar as plataformas de gelo. Num artigo científico publicado esta sexta-feira na revista Science refere-se que isso acontece, sobretudo, porque o manto terrestre é mais fluido do que também se julgava. Nota-se ainda que esta rápida elevação pode abrandar a subida do nível médio do mar.

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A Antárctida é uma autêntica caixinha de surpresas até por baixo do seu gelo. Uma equipa de cientistas observou que o material rochoso de uma parte da Antárctida Ocidental está a subir mais rapidamente do que se pensava, formando “âncoras” que podem segurar as plataformas de gelo. Num artigo científico publicado esta sexta-feira na revista Science refere-se que isso acontece, sobretudo, porque o manto terrestre é mais fluido do que também se julgava. Nota-se ainda que esta rápida elevação pode abrandar a subida do nível médio do mar.

Viajemos até à Antárctida Ocidental, que ocupa cerca de 1,8 milhões de quilómetros quadrados do continente e que num recente estudo na revista Nature até se verificou que era a região que estava a perder mais gelo. Mas, desta vez, façamos uma viagem por baixo do seu gelo. Aí, encontra-se o que se chama “substrato rochoso”.  “Neste caso, o substrato rochoso é o conjunto das formações rochosas sobre as quais se foi acumulando neve que se foi transformando em gelo com o tempo”, descreve ao PÚBLICO António Correia, investigador no Instituto de Ciências da Terra, da Universidade de Évora, que não participou no trabalho, mas já fez oito expedições à Antárctida marítima, onde tem estudado, por exemplo, a evolução espacial e temporal do permafrost, o solo encontrado nesta região, com métodos geofísicos.

Já se sabia que o substrato rochoso na Antárctida estava a ascender devido à diminuição de gelo. Mas como está a ser esta subida? Para a quantificar, a equipa internacional de cientistas instalou várias estações de GPS em afloramentos rochosos ao longo da costa do mar de Amundsen, na tal região da Antárctida.   

Verificou-se então que nessa parte da Antárctida o substrato rochoso está a subir mais rapidamente do que em qualquer outra área glaciar. Essa subida tem sido de cerca de 41 milímetros por ano, enquanto na Islândia ou no Alasca se registou uma subida de 20 a 30 milímetros. Já estações de GPS instaladas perto do gelo da Gronelândia mostraram que aí a ascensão era de 30 milímetros por ano. “Antes, acreditávamos que a estrutura da Terra [na Antárctida] era mais ou menos a mesma da América do Norte. Percebemos que é muito diferente”, diz Valentina Barletta, da Universidade Técnica da Dinamarca e uma das autoras do trabalho. “Mas a ideia anterior não era baseada na observação, era apenas uma hipótese.”

Os cientistas têm um “culpado” para esta rápida subida: o manto terrestre. “De acordo com os autores, a elevação do substrato rochoso deve-se ao facto de a viscosidade do manto apresentar valores dez a cem vezes inferiores ao que inicialmente se pensava”, explica António Correia, frisando que essa diminuição de viscosidade pode estar a acontecer devido a um maior fluxo de calor no manto da região. 

A viscosidade é uma propriedade física que se mede quando um fluido resiste ao movimento dos objectos através dele. Por exemplo, um berlinde desce mais depressa num copo de água do que num copo de mel (que é mais viscoso que a água). É isso que acontece na Antárctida: o manto terrestre é mais fluido do que se julgava. 

Colchão menos viscoso

E há mais, como indica António Correia: “A fusão do gelo [derretimento] faz diminuir o peso que o substrato rochoso tem que suportar e, por ajustamento isostático glaciar, tende a ascender.”

Ora, esta elevação do substrato rochoso pode resultar de fenómenos ligados aos movimentos das placas tectónicas ou ao tal ajustamento isostático glaciar, no caso deste estudo. Este ajustamento é a elevação do substrato rochoso como resposta à fusão do gelo.

Para percebermos esse conceito, António Correia pede que imaginemos que o substrato rochoso é um colchão. Vamos por fases. Primeiro, o substrato rochoso não teve qualquer peso. “Quando ninguém está deitado sobre o colchão a sua superfície é plana e horizontal”, indica. Depois, a neve começou a acumular-se: “Quando alguém se deita o colchão deforma-se de modo a que sua superfície, inicialmente plana e horizontal passa a ter uma forma curva, para baixo, formando uma cova ou depressão.”

Por fim, a neve começa a derreter, o peso vai diminuindo e o substrato rochoso voltar à posição quando não tinha gelo. “Quando a pessoa se levanta o colchão tende a retomar a forma original, isto é, a apresentar uma superfície plana e horizontal novamente.” Se o colchão for feito de mel, levará mais tempo a apresentar uma superfície plana do que se for feito de um material mais fluido.

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Cientistas mediram a subida do substrato rochoso ao longo da costa do mar de Amundsen, na Antárctida Ocidental Planetary Visions/ESA

“Descobrimos que a costa do mar de Amundsen poderá abrandar o recuo do gelo”, diz Valentina Barletta. Com esse abrandamento, as camadas de gelo ficarão mais estáveis. Porquê? Como explica António Correia, com a ascensão do substrato rochoso há uma aproximação do fundo do mar à base das plataformas geladas (neste caso, as que flutuam no oceano mais perto da costa) e podem acontecer duas acções: as plataformas geladas podem ficar “encalhadas” no fundo do oceano, criando as chamadas “linhas de assentamento”, onde os glaciares assentam na terra; ou podem penetrar em pequenas elevações (já existentes) no fundo do mar.

Há assim como que “âncoras” que dificultam o movimento das plataformas para o mar, retardando a sua desintegração. “Como as plataformas geladas são uma continuação das camadas geladas que cobrem o continente, então esse gelo continental também diminui o seu movimento para o mar e, como consequência, menos gelo funde [no oceano]”, resume António Correia. Tudo isto poderá fazer com que a subida média do mar seja mais lenta do que se previa.

Por um lado, este estudo pode mostrar que os cálculos para a quantidade de gelo que derrete e vai para os oceanos podem estar sobrevalorizados. Por outro lado, pode indicar que os cálculos da subida média do nível do mar terão de ser recalculados. “Parece-me que são boas notícias. Contudo, não resolvem o problema da subida média da água dos oceanos nem das alterações climáticas globais”, considera António Correia. “Se nada for feito a outros níveis apenas atrasará os problemas que todos conhecem.”

Para os cientistas do trabalho, os cálculos observados da viscosidade do gelo podem significar que não haverá um colapso total da camada de gelo da Antárctida Ocidental ou que este será mais tardio. Afinal, outros estudos científicos já tinham referido que a plataforma de gelo que existe ao longo da costa do mar de Amundsen estava a desfazer-se e que o fenómeno parecia ser imparável.

“Para além de nos dar uma nova imagem das dinâmicas da terra na Antárctida, os novos resultados impulsionarão modelos mais precisos para a camada de gelo da Antárctida Ocidental sobre o que vai acontecer no futuro”, considera Valentina Barletta, acrescentando que o seu próximo trabalho será integrar este modelo da elevação do substrato rochoso às modelações das dinâmicas do gelo.