A noite mais longa, a noite da guerra

No recanto da estrada um carro procurou abrigo na entrada de um eucaliptal. Ardeu. Na escuridão não tive coragem de me aproximar. Fotografei ao longe. Com medo. Sustendo a respiração para não tremer. Voltei lá. Já não existe eucaliptal.

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A noite mais longa, a noite da guerra. A manhã mais cruel, a manhã da tristeza. Um ano. Pedrógão. Voltei a percorrer o que os meus olhos queriam esquecer. Agora o céu é azul. Sem fumo nem chamas. Mas o fogo continua lá. Os sinais estão sempre presentes. A mulher de lenço preto. A casa abandonada. O alcatrão negro. O nome da aldeia derretido. O alumínio fundido na valeta. A coroa de flores secas. A cruz no cemitério. Os riscos verticais dos eucaliptos desenhados a grafite. O verde rasteiro. As marcas profundas na pele. E a força de viver.

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A noite mais longa, a noite da guerra. A manhã mais cruel, a manhã da tristeza. Um ano. Pedrógão. Voltei a percorrer o que os meus olhos queriam esquecer. Agora o céu é azul. Sem fumo nem chamas. Mas o fogo continua lá. Os sinais estão sempre presentes. A mulher de lenço preto. A casa abandonada. O alcatrão negro. O nome da aldeia derretido. O alumínio fundido na valeta. A coroa de flores secas. A cruz no cemitério. Os riscos verticais dos eucaliptos desenhados a grafite. O verde rasteiro. As marcas profundas na pele. E a força de viver.

Uma parte de mim ficou lá. Nos escombros. Julgo que a parte menos boa. A vida tem outro valor, quando percebemos que somos pequenos, muito pequenos. Um ano a pensar todos os dias naquela gente, naquele território. E agora quis o acaso, que os olhasse olhos nos olhos e ouvisse as suas histórias. Histórias de verdade. Histórias de dor.

Quase todas as pessoas ao fugirem do monstro levaram consigo o seu ouro e as suas fotografias. Salvavam as recordações. As memórias. As fotografias arderam, algumas junto ao coração. Algum ouro fundiu-se. Outro, foi devolvido pela Polícia Judiciária às famílias. A memória. Essa palavra poderosa que agora nos cabe preservar.

No recanto da estrada um carro procurou abrigo na entrada de um eucaliptal. Ardeu. Na escuridão não tive coragem de me aproximar. Fotografei ao longe. Com medo. Sustendo a respiração para não tremer. Voltei lá. Já não existe eucaliptal. E a árvore gigante vestida de carvão, está agora toda verde. Fiquei ali. Como num local sagrado. E é. E espetada nas nervuras do tronco da gigante árvore, está uma chave de um automóvel. Senti calma. Senti paz.