A “porta giratória” com que os privados capturam os reguladores financeiros

Um terço dos funcionários que ocuparam cargos de topo no regulador financeiro da Comissão Europeia, entre 2008 e 2017, ou veio da indústria financeira privada ou foi empregue por ela depois da sua passagem pela instituição da União Europeia. Uma perigosa “porta giratória”, alerta uma investigação de observatório independente.

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O estudo acusa a Comissão Europeia de nada ter feito para solucionar um problema identificado, deixando o tema sair dos holofotes YVES HERMAN/REUTERS

Chamam-lhe “porta giratória”. Uma passagem há muito falada e que levanta sérias dúvidas sobre a regulação financeira na Comissão Europeia (CE). Ou como os reguladores da CE, podem estar capturados pelos interesses privados ainda antes de entrarem nesta instituição da União Europeia. Ou como a passagem de muitos deles directamente da regulação para os que regularam pode condicionar o seu trabalho. Melhor, como o facto de saberem que no futuro podem vir a ter um emprego principescamente pago nos grupos financeiros privados, pode criar o “alto risco” de serem “indevidamente simpáticos” para com estes grupos e “não ter a necessária distância e neutralidade para com as entidades que deveriam regular” no serviço público.

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Chamam-lhe “porta giratória”. Uma passagem há muito falada e que levanta sérias dúvidas sobre a regulação financeira na Comissão Europeia (CE). Ou como os reguladores da CE, podem estar capturados pelos interesses privados ainda antes de entrarem nesta instituição da União Europeia. Ou como a passagem de muitos deles directamente da regulação para os que regularam pode condicionar o seu trabalho. Melhor, como o facto de saberem que no futuro podem vir a ter um emprego principescamente pago nos grupos financeiros privados, pode criar o “alto risco” de serem “indevidamente simpáticos” para com estes grupos e “não ter a necessária distância e neutralidade para com as entidades que deveriam regular” no serviço público.

Um estudo de Yiorgos Vassalos, professor de Ciência Política, e do Observatório Corporativo Europeu, fundação independente sem fins lucrativos que monitoriza a influência dos grupos financeiros e de lobby na formulação de políticas da EU, hoje divulgado e a que o PÚBLICO teve acesso, revela números no mínimo preocupantes sobre esta “porta giratória”. “Um terço dos funcionários que ocuparam cargos de topo na Direcção-Geral da Estabilidade Financeira, dos Serviços Financeiros e da União e Mercados de Capitais (DG FISMA) no período de 2008, após o início da crise financeira, a 2017, ou vêm da indústria financeira ou foi empregue por ela depois da sua passagem na Comissão Europeia”.

“Uma situação que revela existir um alto risco de que um número significativo de funcionários da DG FISMA pode não ter a necessária neutralidade para com as entidades que deveriam regular. Existe o risco de que sejam indevidamente simpáticos para o sector financeiro [privado]”, diz o relatório publicado na revista francesa de sociologia Savoir agir.

Do regulador para o regulado

Olhando de forma mais detalhada para a situação na DG FISMA, a investigação revela que, dos cinco ex-directores do organismo responsável pela política europeia relativa ao sector bancário e financeiro, entre 2008 e 2017, e que entretanto deixaram o cargo na Comissão Europeia, quatro foram trabalhar para empresas que antes supervisionavam ou para empresas de lobby que as representam.

Mais, dos três chefes de unidade que trabalharam na regulação financeira em departamentos da CE em igual período e deixaram agora os postos de trabalho, um passou a trabalhar para o sector financeiro. Já seis de um total de 27 chefes de unidades e sete de um total de 22 vice-chefes de unidades tinham trabalhado para a indústria financeira antes de entrarem para a Comissão e dois dos três comissários responsáveis pelas finanças foram trabalhar para empresas ou grupos de lobby do sector financeiro após o final de seu mandato.

Uma pesquisa da coligação ALTER-UE (organismo da União Europeia para a transparência da actividade de lobbying e ética) citada na investigação agora conhecida revela também que 92% das reuniões da DG FISMA são com representantes de interesses corporativos, a grande maioria dos quais representa empresas financeiras. Apenas 8% das reuniões são com actores não empresariais, como sindicatos, ONG e universidades.

Difícil equilíbrio entre interesses

“A DG FISMA não conseguiu até agora encontrar um equilíbrio entre todos os tipos de interesses, a fim de que a regulamentação financeira seja feita em prol do interesse público”, acrescenta a investigação.

A “porta giratória estrutural” exposta neste relatório aponta claramente para “o problema de os reguladores estarem dependentes daqueles que eles regulam”. “Isso é muito mais profundo do que um mero caso de confiança. A missão oficial dos principais líderes da DG FISMA, que representam o interesse público, pode entrar em conflito com o seu interesse pessoal devido às perspectivas de carreira futura [no privado]”.

A investigação lembra que, quando quatro dos cinco principais directores da DG FISMA passam da instituição para sector financeiro privado, “não é difícil admitir que esses directores podiam ter as suas carreiras futuras em mente, quando ainda estavam no cargo público”. “Se este for o caso, devemos fazer a pergunta: isso poderá ter incentivá-los a promover políticas de fachada, em vez de arriscar qualquer medida que pudessem perturbar seus possíveis futuros empregadores?”

Além disso, acrescenta a investigação, podem ocorrer conflitos de interesse quando os reguladores, após deixar os cargos, “levam consigo influências, informação e know-how que podem ser usados para beneficiar indevidamente seus novos empregadores”.

Objectivos de carreira prevalecem

A independência na formulação de políticas “é igualmente ameaçada quando funcionários públicos são contratados directamente da indústria que vão passar a regulamentar”. “Quando as pessoas se mudam dos grandes bancos e outros lobbies financeiros para a Comissão, pode não ser claro se vão servir os interesses do público de acordo com o seu mandato, ou se os objectivos de carreira própria prevalecem, voltando depois ao sector privado em posição mais alta que a que tinham antes de entrarem para a Comissão.”

Esta pesquisa salienta também o que chama de “preconceito cultural”: pessoas muito próximas do sector financeiro privado, por nele terem trabalhado vários anos, “tendem a pensar em soluções mais amáveis ao sector privado, mesmo quando estas não constituem necessariamente a melhor opção para a maioria dos cidadãos economicamente activos que pagaram a conta dos resgates e foi alvo medidas de austeridade”.

“Funcionários que acham natural moverem-se entre o papel do regulador e do regulado, podem ver pouca ou nenhuma diferença de perspectiva entre eles”, acrescenta.

De acordo com um documento de trabalho do departamento de pesquisa do Banco Central holandês igualmente citado na investigação, a “identificação social [dos reguladores] com o sector financeiro privado pode ameaçar a independência dos supervisores da indústria”.

Em contraste, poucos funcionários da DG FISMA têm experiência de trabalho fora do sector financeiro, como universidades, ONG ou sindicatos, o que torna essa “identificação social ainda mais forte”, já que os funcionários tendem a pensar com a “visão do sector financeiro, mas não de outros sectores da sociedade”.

Esta situação não responde à preocupação manifestada pela provedora da UE de que “é importante demonstrar ao público que existe uma clara separação entre o supervisor e a indústria financeira “.

Arrastar de pés desde caso Barroso

As informações para esta investigação foram conseguidas junto de biografias e organigramas oficiais, documentos da CE, programas de conferências, no site da rede Linkedin e em artigos nos media. Mas o autor admite que lhe possa ter escapado casos de outros funcionários DG FISMA que também possam ter historial nesta “porta giratória”.

Na página da Internet do Observatório, os responsáveis dizem que, na sequência da controversa contratação do antigo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, pelo banco de investimento Goldman Sachs International, em 2016, “a pressão pública por uma reforma das regras de ética da CE atingiu níveis sem precedentes”. Mas, alertam, “em vez das medidas ambiciosas que foram exigidas, a Comissão Europeia teve, em 2017, um ano de inércia, arrastando os pés até que os holofotes mudassem de foco”.