Ordem dos Enfermeiros quer travar formação de técnicos do INEM

Bastonária diz-se chocada com o modelo de formação dos técnicos e admite avançar com providência cautelar. INEM sublinha que actuação destes profissionais pode ser "determinante para a sobrevivência de vítimas de doença súbita ou acidente".

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Ana Rita Cavaco defende que “todos os profissionais têm direito a uma carreira, mas não podemos equiparar a profissionais de saúde quem não o é” Nuno Ferreira Santos

A Ordem dos Enfermeiros vai “até às últimas consequências” para tentar travar o início da formação dos técnicos de emergência pré-hospitalar, que tripulam as ambulâncias do INEM, por a considerar “anedótica e atentatória à vida” dos utentes. A bastonária Ana Rita Cavaco, que nesta segunda-feira verteu as críticas numa carta enviada ao ministro da Saúde, admite avançar com uma providência cautelar.

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A Ordem dos Enfermeiros vai “até às últimas consequências” para tentar travar o início da formação dos técnicos de emergência pré-hospitalar, que tripulam as ambulâncias do INEM, por a considerar “anedótica e atentatória à vida” dos utentes. A bastonária Ana Rita Cavaco, que nesta segunda-feira verteu as críticas numa carta enviada ao ministro da Saúde, admite avançar com uma providência cautelar.

Não é nova a oposição da Ordem à delegação de competências que eram exclusivas de médicos e enfermeiros a estes técnicos, que viram ser-lhes reconhecida uma carreira enquanto profissionais de saúde em Abril de 2016. Mas aproximando-se a data de início do curso – que os 100 profissionais recém-contratados devem começar em Maio – e “não podendo estar à espera da boa bondade do sr. ministro para acautelar a segurança dos cidadãos”, a “Ordem é obrigada a agir judicialmente”, afirma a bastonária ao PÚBLICO.

Ana Rita Cavaco diz-se “chocada que se queira atribuir estas competências [a delegação da prática de actos médicos] a pessoas que apenas têm que ter mais de 18 anos e o 12.º ano”. E dá exemplos: “O INEM quer atirar-lhes para cima noções de fisiopatologia, farmacologia, identificação de pneumotórax hipertensivo e hemotórax, etc, em apenas duas horas de formação à distância e sete horas para análise e estudos de caso. E ainda tem que haver tempo para simular os conteúdos de 11 submódulos”.

No total, os técnicos terão 910 horas de formação, 331 delas de ensino à distância, e outras 82 de avaliação. E tanto os protocolos de actuação, como os de formação foram validados pela Ordem dos Médicos. No entanto, para a bastonária dos Enfermeiros, “ensinar procedimentos de saúde à distância é chocante”.

Actuarão sob direcção médica

As críticas da Ordem estendem-se ainda à logística associada ao facto dos técnicos terem que actuar sob direcção médica. Isto significa que terão sempre o apoio dos médicos coordenadores dos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), com quem falam via rádio, telefone ou presencialmente. “Agora imagine o que é o médico do CODU – que é um e às vezes tem que dar apoio a dois CODUS – ter gente na rua, que não é profissional de saúde com formação própria, e ter que lhe dizer ‘Agora administre isto. Agora veja lá aquilo. Agora faça assim’. Do ponto de vista da segurança dos cidadãos isto preocupa-nos muito”, sublinha a bastonária.

Rejeitando estas críticas, o presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar do INEM compara as 910 horas de formação portuguesas “com as 500 ou 700 existentes nos Estados Unidos”. “A nossa formação é superior aquilo que é o standard internacional”, afirma Pedro Moreira.

O dirigente sindical acredita que esta carreira permite um “clara melhoria da emergência pré-hospitalar”, dando como exemplo a prestação de cuidados em caso de ataque cardíaco. “Os técnicos não vão curar as pessoas, vão é minorar os danos que a demora no diagnóstico pode causar”, sustenta.

A contestação dos enfermeiros surge depois de a Ordem ter tido acesso às deliberações do grupo de trabalho criado no ano passado para elaborar as linhas orientadoras, protocolos e actuação e memórias descritivas do curso de formação dos técnicos. A Ordem reclamava à data não ter sido ouvida neste processo, tendo recorrido judicialmente para ter acesso aos documentos.

Ana Rita Cavaco vinca que, em saúde, “não pode valer tudo para poupar dinheiro, muito menos a criação de mini-médicos e mini-enfermeiros”. E defende que “todos os profissionais têm direito a uma carreira, mas não podemos equiparar a profissionais de saúde quem não o é”.

Contactado pelo PÚBLICO, o INEM não comenta a posição da Ordem dos Enfermeiros, referindo-se apenas às competências dos técnicos. “A sua acção pode ser determinante para a sobrevivência de vítimas de doença súbita ou acidente, particularmente das que se encontrem em situação de emergência”, afirma em resposta escrita.