O segredo destas padas e folares está no forno a lenha

Vale de Ílhavo é terra de padeiras e, consequentemente, de pão tradicional. Este fim-de-semana, a pequena localidade presta-lhes homenagem numa festa para a qual todos estão convidados.

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Noutros tempos, o cheiro a pão quente quase que “inundava” toda a localidade, às primeiras horas da madrugada, tantas eram as padeiras em laboração. Hoje, restam apenas 15, mas o sabor do pão que produzem continua a ser o de sempre. E o curioso é que, neste caso, o segredo até nem está na massa, mas sim no forno a lenha. As padeiras de Vale de Ílhavo produzem um dos pães tradicionais mais apreciados na região — e não só — e são, por estes dias, as estrelas de um evento que já é motivo de atracção de visitantes a esta pequena localidade ilhavense. Mais do que uma festa, a Rota das Padeiras é uma homenagem às mulheres (e, mais recentemente, também alguns homens) que produzem, a partir das suas próprias habitações, as padas e folares a que ninguém consegue resistir.

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Noutros tempos, o cheiro a pão quente quase que “inundava” toda a localidade, às primeiras horas da madrugada, tantas eram as padeiras em laboração. Hoje, restam apenas 15, mas o sabor do pão que produzem continua a ser o de sempre. E o curioso é que, neste caso, o segredo até nem está na massa, mas sim no forno a lenha. As padeiras de Vale de Ílhavo produzem um dos pães tradicionais mais apreciados na região — e não só — e são, por estes dias, as estrelas de um evento que já é motivo de atracção de visitantes a esta pequena localidade ilhavense. Mais do que uma festa, a Rota das Padeiras é uma homenagem às mulheres (e, mais recentemente, também alguns homens) que produzem, a partir das suas próprias habitações, as padas e folares a que ninguém consegue resistir.

“Quando eu comecei, éramos 42 padeiras a trabalhar. Era casa sim, casa não”, conta Francelina Rocha, que, não obstante a energia que acusa ao final de uma madrugada de trabalho, é já a padeira mais velha de Vale de Ílhavo ainda a trabalhar. Está prestes a completar “três quarteirões de vida”, aponta, em jeito de brincadeira, sendo que mais de “dois quarteirões” foram passados à volta da massa e do forno a lenha. “Comecei aos 18 anos e ainda sou do tempo em que além de fazer o pão tínhamos de ir, depois, de bicicleta, distribuí-lo porta a porta”, testemunha. A tarefa ficou facilitada quando conseguiu adquirir uma pequena carrinha, a “velhinha” Austin Mini GT que ainda guarda na garagem — e que, volta e meia, gosta de levar a passear.

Em 57 anos de trabalho, só se lembra de ter tirado férias “uma única vez”, para ir aos Açores. “E o único dia de folga da semana é o domingo”, vinca Francelina Rocha, ao mesmo tempo que diz compreender por que razão as gerações mais novas não querem dar continuidade à labuta das padeiras de Vale de Ílhavo. “As raparigas novas preferem ter os seus empregos, mais certinhos, com direito às folgas e férias”, aventa, consciente de que na sua família, por ora, não há ninguém interessado em receber o testemunho.

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Francelina Rocha é uma das padeiras ainda no activo Adriano Miranda

Melhor sorte deverá ter Álvaro Ratola da Costa, um dos poucos homens na profissão em Vale de Ílhavo. “Já é a minha filha que faz a distribuição do pão e acredito que um dia ela vá pegar nisto”, vaticina, apesar de reconhecer que a profissão não é para todos. “Levanto-me à meia-noite para começar a acender os fornos e às 2h já começamos a cozer pão.” Com uma certeza: “Antes de me deitar, por volta das 19h30 ou 20h já tenho de deixar a massa preparada, para ficar a levedar.” Da pequena unidade situada na sua casa — e onde conta com a ajuda, a tempo inteiro, da padeira Maria José Vidal — saem, diariamente, “mais de 2000 padas, 30 broas e cerca de 150 pães doces”. Isto para já nem falar da produção da época da Páscoa — os folares de Vale de Ílhavo são afamados. “Aí, são as 24 horas a trabalhar.” 

O forno “no ponto certo”

Feitas apenas com “farinha, sal, fermento e água”, as padas de Vale de Ílhavo devem o seu sabor e consistência ao “facto de serem cozidas no forno a lenha”. “Que tem de estar no ponto, se não estraga o pão todo”, avisa Álvaro, sem deixar de confessar que “é tudo uma questão de prática”. Também no que aos folares diz respeito, a lista de ingredientes é bem simples: “Farinha, sal, fermento, ovos, açúcar e manteiga; e eu junto um pouco de canela”, revela o padeiro.

Aqueles que quiserem conhecer ao pormenor o modo de confecção deste pão tradicional podem aproveitar para, este fim-de-semana, dar um saltinho à Rota das Padeiras — evento promovido pela Câmara Municipal de Ílhavo e a Associação Cultural e Recreativa Os Baldas. O convite passa por rumar ao centro da localidade — procure a estátua de homenagem às padeiras — e participar nas inúmeras actividades previstas: showcookings de padas e folares, degustações, animação musical, dança, teatro de fantoches e até uma visita dos Cardadores de Vale de Ílhavo — figuras carnavalescas, caracterizadas pelas suas máscaras feitas de pele de carneiro e pelo seu traje peculiar (roupa de interior feminina, meias até ao joelho e vários chocalhos amarrados à cintura).

Na noite desta sexta-feira, entre as 21h e as 6h da manhã, algumas padeiras abrem a porta das suas padarias para mostrar a sua arte. No sábado, o programa arranca pelas 15h, e compreende, entre outras iniciativas, o workshop “Cestaria em Papel” (16h), o showcooking de padas (17h30) e a degustação de folar de Vale de Ílhavo (20h). Domingo a festa arranca com Os Cardadores (14h), estando previsto um showcookingby kids” de padas (15h30), um showcooking de folar (18h30) e um workshop de artesanato dedicado aos artefactos de pão (20h00), entre outras actividades. 

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Álvaro Ratola da Costa é um dos poucos homens que põem a mão na massa em Vale de Ílhavo Adriano Miranda