Temporal traz à superfície mais duas âncoras da antiga armação de atum no Barril

Sociedade Polis da Ria Formosa investe três milhões de euros para assorear a praia de Tavira. Chegou o temporal e não ficou nem um grão da montanha de areia que lá tinha sido depositada

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A montanha de areia colocada na praia do Barril, para proteger o cordão dunar, desapareceu com o temporal dos últimos dias. O cemitério das âncoras da antiga armação de atum ficou desprotegido e toda a areia que tinha sido colocada na praia — no âmbito de um programa da Sociedade Polis da Ria Formosa no valor de três milhões de euros — desapareceu com a força da ondulação, pondo à vista mais duas estruturas da pesca do atum. A empreitada, prevista para terminar em Agosto, foi suspensa até que o tempo permita retomar os trabalhos.

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A montanha de areia colocada na praia do Barril, para proteger o cordão dunar, desapareceu com o temporal dos últimos dias. O cemitério das âncoras da antiga armação de atum ficou desprotegido e toda a areia que tinha sido colocada na praia — no âmbito de um programa da Sociedade Polis da Ria Formosa no valor de três milhões de euros — desapareceu com a força da ondulação, pondo à vista mais duas estruturas da pesca do atum. A empreitada, prevista para terminar em Agosto, foi suspensa até que o tempo permita retomar os trabalhos.

A presidente da associação Lais de Guia, Brígida Baptista, arqueóloga responsável pelo acompanhamento científico da obra, teme um agravamento do estado do mar: “Na quinta-feira está previsto um temporal forte”, adverte, receando os impactos nos artefactos que estavam enterrados e que agora estão à vista.

O administrador da Sociedade Polis da Ria Formosa, José Pacheco, em declarações ao PÚBLICO, garante: “Os trabalhos da praia do Barril serão retomados logo que o tempo permita”. A obra, adiantou, encontrava-se a cerca de um terço da execução. Foi concebida para ser uma espécie de dois em um: faz-se o desassoreamento da barra da Armona (Olhão) e com essas areias protege-se o cordão dunar na praia do Barril.

A erosão que atinge a costa algarvia tem feito estragos em muitos locais. Em Cacela Velha, a barra que tinha sido aberta em 2010 pelo mar fechou com as areias que migraram de oeste para este. “É normal que isso aconteça”, comenta Alvarinho Dias, que estuda há várias dezenas de anos a evolução da costa algarvia. “O mar leva e traz, mas traz sempre menos do que leva”, enfatiza o cientista, lembrando que o “abrir e fechar barras faz parte da história da região”. Mas a evolução urbanística alterou os ciclos da natureza e agora autarcas e empresários reclamam investimentos em nome da defesa de pessoas e bens.

O presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, reivindicou uma “intervenção urgente” na ilha de Faro, onde o mar ameaça rasgar o cordão dunar em três pontos: frente ao parque de campismo, na direcção que dá acesso à ilha e no lado poente.

Já a aguardar visto do Tribunal de Contas encontra-se a empreitada do desassoreamento da barra da Fuzeta, orçada em dois milhões de euros. Em relação à intervenção urgente na praia de Faro, reclamada pelo autarca, o administrador da Polis não subscreve: “Os especialistas, para já, não recomendam”.

História ancorada na areia

Embora os impactos do avanço do mar sejam grandes, no Barril permitiu pôr mais história à vista. O concelho de Tavira, diz Brígida Baptista, é o “único sítio do país onde existe a maior quantidade de vestígios das antigas armações de atum”. E o mau tempo deu uma ajuda, colocando a descoberto mais duas âncoras, o que eleva o número de exemplares para 250. Dispostas no areal, de forma alinhada, parecem todas iguais. “Mas não são”, refere a arqueóloga que organiza, através da associação que dirige, passeios para dar a conhecer o património que faz, também, parte da sua família. “A minha mãe viveu aqui, no Barril [na aldeia de apoio à armação do atum] até aos 14 anos, e o meu avô andava com um barco a vapor que tinha vindo da Guerra Civil de Espanha”.

Um dos projectos que pretende desenvolver é a criação de um centro de interpretação da história local, que está intimamente ligada à pesca do polvo em Santa Luzia e às armações do atum que existiram no concelho até meados da década de 60. Actualmente, essa arte pratica-se em Olhão, em moldes modernos, mas é liderada por uma empresa japonesa, e o pescado é na quase totalidade dirigido para a exportação.

A associação Lais de Guia (nome de um nó de marinheiro) surgiu pela necessidade de preservar a memória de uma terra de pescadores cada vez mais virada para o turismo. Quando as pessoas chegam à praia, recorda a arqueóloga, “Têm uma grande tentação de mexer nas âncoras”, sem cuidar do património que ali se encontra há quase meio século. Por isso, vai propor à câmara para que o local seja classificado de interesse municipal, e assim possa ser olhado de outra forma. “Custa-me quando vejo gente a pontapear as âncoras”, confessa.

Mais um achado

O arquitecto Pedro Brito, descobriu ontem em Bias (Fuzeta) vestígios que podem indicar a existência de mais uma antiga armação de atum. Trata-se de um molhe de cabos encontrados na praia. O arquitecto, dirigente da Associação de Defesa de Património Grémio Hereditas, não tem dúvidas de que está perante mais um achado. “Consultei o plano hidrográfico da barra da Fuzeta de 1915, refeito em 1916, e lá está uma armação de atum — até aparecem as barracas, diz mesmo ‘barraca do Gomes em relação a uma”. A revelação, feita na presença da arqueóloga Brígida Baptista, espevita-lhe a curiosidade: “Vamos ver...”, afirma.