Governo quer transportes públicos gratuitos nas cidades mais poluídas

Medida integra pacote de propostas apresentado a Bruxelas, que ameaça Berlim por violação das normas ambientais. Mas os representantes dos municípios, que financiam o transporte público na Alemanha, torceram o nariz.

Foto
Os autarcas dizem que não têm capacidade de financiar uma mudança tão radical e apontam que as empresasde transporte não teriam capacidade de resposta no curto prazo REUTERS/Kai Pfaffenbach

Tornar os transportes públicos gratuitos para melhorar a qualidade do ar em cidades com problemas de poluição. Esta é a solução que o Governo alemão tem em cima da mesa como hipótese de estudo. Seria uma medida revolucionária – mas também demasiado cara, segundo a associação nacional de cidades e autarquias, que representa cerca de 14 mil municípios alemães de pequena e média dimensão. Num país em que o transporte público urbano está nas mãos das autarquias, as primeiras reacções adversas de muitos autarcas são para levar a sério. Hamburgo, por exemplo, fez de imediato as contas: para a cidade, isso custaria um edifício da ópera por ano – nada mais, nada menos do que 789 milhões de euros, tanto quanto custou a Elbphilharmonie, o mais icónico edifício desta cidade de mais de cinco milhões de habitantes, inaugurado em Janeiro de 2017.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Tornar os transportes públicos gratuitos para melhorar a qualidade do ar em cidades com problemas de poluição. Esta é a solução que o Governo alemão tem em cima da mesa como hipótese de estudo. Seria uma medida revolucionária – mas também demasiado cara, segundo a associação nacional de cidades e autarquias, que representa cerca de 14 mil municípios alemães de pequena e média dimensão. Num país em que o transporte público urbano está nas mãos das autarquias, as primeiras reacções adversas de muitos autarcas são para levar a sério. Hamburgo, por exemplo, fez de imediato as contas: para a cidade, isso custaria um edifício da ópera por ano – nada mais, nada menos do que 789 milhões de euros, tanto quanto custou a Elbphilharmonie, o mais icónico edifício desta cidade de mais de cinco milhões de habitantes, inaugurado em Janeiro de 2017.

Foto
Hamburgo diz que a medida custaria 789 milhões por ano, o mesmo que pagou pela Elbphilharmonie, o edifício mais alto e icónico da cidade, REUTERS/Fabian Bimmer

Berlim, porém, não desistiu logo da ideia. Os autarcas, de resto, também não. Numa carta enviada a Bruxelas, e assinada por três ministros alemães (Ambiente, Agricultura e Assuntos Especiais), o executivo germânico propõem medidas mais convencionais (zonas urbanas de baixas emissões, incentivos extra para veículos eléctricos e adaptação tecnológica de veículos existentes), além de avançarem com a ideia de ter autocarros, metro e comboios gratuitos para todos. Os autarcas representados pela Deutscher Städte- und Gemeindebund (uma associação nacional não partidária de adesão voluntária, cuja sigla original é DstGB) torceram o nariz. Quando muito, responde esta entidade num comunicado publicado online, “tal projecto só pode ser encarado numa perspectiva de longo prazo”.

A ideia tem vantagens, consideram os autarcas: “certamente levaria muitos cidadãos a adoptarem o comboio ou o autocarro”. Porém, acrescentam, não há dinheiro que pague tal ideia. “Actualmente, as receitas das empresas de transportes ascendem a 13 mil milhões de euros por ano. É claro que essa mudança teria de ser financiada por todos.” Isto porque as empresas precisariam de financiar consideráveis melhorias nas suas frotas e nos seus serviços para poderem responder a um mais do que esperado aumento de clientes. “No curto prazo, não haveria capacidade de resposta”, resume o comunicado da DstGB.

Para o governo federal, a poluição urbana carece de respostas urgentes. O executivo de Angela Merkel está sob pressão da Comissão Europeia que, em Janeiro, prometeu ser mais dura com a falta de qualidade do ar nas cidades, ameaçando penalizar os Estados-membros que violem as normas europeias em matéria de poluentes como o monóxido e o dióxido de azoto. Depois do escândalo do “dieselgate”, que envolveu as figuras de proa da indústria automóvel alemã – apanhada a manipular os testes de emissões poluentes dos seus modelos vendidos em todo o mundo – o Governo germânico não quer mais passos em falso. Até porque o Estado alemão já enfrenta processos em tribunal por causa da poluição urbana.

Foto
Bruxelas promete mão pesada contra os países que não cumpram os limites de poluição e o Estado alemão já tem processos em tribunal EPA/FOCKE STRANGMANN

Na carta endereçada à comissária europeia do Ambiente, Karmenu Vella, os três ministros subscritores propõem testar aquele pacote de medidas em cinco cidades: Bona (300 mil habitantes), Essen (570 mil), Herrenberg (31 mil), Reutlingen (115 mil) e Mannheim (300 mil). As medidas que se revelassem eficazes e economicamente viáveis seriam depois estendidas gradualmente a todas as outras cidades alemãs que mais sofrem com o problema da falta de qualidade do ar citadino.

Em declarações à Reuters, o presidente de outra associação de municípios (Conselho das Cidades Alemãs, que reúne municípios que não integram administrativamente nenhum distrito) mostrou-se “surpreendido” com a ideia de tornar os transportes públicos gratuitos. “Havia planos para baixar os preços do transporte público em algumas cidades, mas se o querem tornar gratuito então tem de haver financiamento federal”, anotou.

Gerd Landsberg, o presidente da outra associação de municípios, a DstGB, afinou pelo mesmo diapasão. “As comunidades e as empresas de transporte não podem em caso algum pagar” a factura, sentenciou.