Cravista alemão Andreas Staier destaca Carlos Seixas como pioneiro da música concertante

Os dois concertos para cravo do compositor português podem mesmo anteceder os concertos para cravo de Bach.

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Andreas Staier gravou com a Orquestra Barroca Casa da Música DR

O cravista alemão Andreas Staier, que gravou um disco com obras de Carlos Seixas (1704-1748), com a Orquestra Barroca Casa da Música, admite a possibilidade de o compositor português ter escrito "o primeiro concerto para cravo".

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O cravista alemão Andreas Staier, que gravou um disco com obras de Carlos Seixas (1704-1748), com a Orquestra Barroca Casa da Música, admite a possibilidade de o compositor português ter escrito "o primeiro concerto para cravo".

Em entrevista à agência Lusa, Staier considerou que os dois Concertos para cravo do compositor português, um dos grandes nomes da música no século XVIII, estão entre "as primeiras obras" do género, e podem mesmo anteceder os concertos para cravo de Johann Sebastian Bach, escritos em Leipzig, por volta de 1730, anos depois dos concertos para violino, concluídos cerca de 1720, quando o mestre alemão se encontrava ao serviço da corte de Köthen.

Carlos Seixas, garante Andreas Staier, "é um grande compositor". "Pertence a um grupo de compositores de quem se perderam muitos trabalhos, por causa do terramoto [de Lisboa de 1755]. Quem sabe quantos concertos e sonatas escreveu? Muito do que Scarlatti fez e não levou para Madrid também terá sido perdido. Não sabemos se é muito, se é pouco", explicou à Lusa.

Segundo o cravista, o "terrível terramoto de Lisboa" fez com que não se tenha, hoje em dia, "muito mais música portuguesa" da primeira metade do séc. XVIII, havendo mesmo "compositores de quem se pode ter perdido tudo", mesmo tendo em conta que "os Pirinéus foram sempre uma barreira" à evolução e maior notoriedade da música portuguesa na Europa.

No programa do disco, gravado com a Orquestra Barroca Casa da Música, na semana passada, de 2 a 5 de Fevereiro, no Porto, que será editado pela editora internacional Harmonia Mundi, figuram os dois Concertos para cravo, em Sol menor e Lá maior, do compositor de Coimbra, que foi cravista e organista da corte de D. João V.

O disco terá Sonatas de Domenico Scarlatti (1685-1757), compositor italiano com quem Seixas se cruzou na corte portuguesa, um concerto do britânico Charles Avison (1709-1770), concebido a partir de peças para cravo do compositor italiano, Alla Portugesa, uma das obras concertantes das Bizzarie Universali, op.8, do inglês William Corbett (1680-1748), dedicadas a supostos estilos nacionais da época, e ainda uma versão para orquestra de cordas da Música Noturna das Ruas de Madrid, do italiano Luigi Boccherini (1743-1805), que compôs grande parte da sua obra em Espanha, primeiro sob o patrocínio da coroa espanhola, depois sob protecção de outros mecenas.

Sobre os dois Concertos de Seixas, Staier considera-os "muito interessantes historicamente, porque estarão entre os primeiros para tecla da História, e são peças óptimas", podendo mesmo "ser anteriores aos concertos para cravo de Johann Sebastian Bach".

"Seixas poderá ter criado as primeiras peças [concertantes para cravo e orquestra]. É por vezes difícil determinar, porque em algumas obras não há como saber se pertencem a música de câmara ou concerto. Historicamente, por exemplo, não há nenhum concerto de [Domenico] Scarlatti", acrescentou.

Sobre as peças de Seixas, o músico considera-as "muito diferentes uma da outra". O primeiro, o Concerto em Lá maior, é "curto e conciso, feliz", enquanto o outro, em sol menor, é "muito mais longo, escuro e dramático, até demoníaco", com um "solo de violino muito interessante, no movimento mais lento".

"Sabia que Seixas tinha escrito dois concertos, mas nunca os tinha tocado. Nunca os tinha visto. Foi, para mim, muito interessante e fascinante descobri-los", acrescentou à Lusa.

Apesar das diferenças entre si, é possível localizar "certas fórmulas idiomáticas" que unem os dois concertos de Seixas e os permitem identificar "como ibéricos", comprovando a existência de um idioma próprio do compositor.

Mesmo sem haver prova de uma ligação entre Seixas e Scarlatti, o conhecimento entre ambos terá sido inevitável, e o cravista e pianista alemão julga "impensável [esta proximidade] não ter acontecido", uma vez que se cruzaram na corte de Lisboa, durante anos.

"Alguns musicólogos dizem que Scarlatti foi o professor, outros que não. Não é possível ser estabelecido [o tipo de relação], porque se perderam composições e documentos. (...) Há, claro, um certo fundo de música popular ibérica, e certas progressões harmónicas, que acompanham as peças [de Seixas] e que as fazem diferentes da música italiana", referiu.

A colaboração do pianista alemão, artista associado da Casa da Música em 2018, com a Orquestra Barroca, vai estender-se a uma digressão, que arranca a 3 de Novembro, nas Noites de Queluz, passando depois pela Casa da Música, nos dias 4 e 6 desse mês, numa actuação que contará ainda com o Remix Ensemble. Seguir-se-á Viena, na Konzerthaus, no dia 9, além de um possível "projecto, sobre a música de Joseph Haydn", a desenvolver posteriormente.

Antes da gravação, no Porto, Staier e a Orquestra Barroca Casa da Música apresentaram já este programa de inspiração ibérica, no final de janeiro, em concertos na Ópera de Dijon, em França, e na sala de concertos de Ludwigshafen am Rhein, no sul da Alemanha.

Staier deixou rasgados elogios à Casa da Música, tanto à "fantástica equipa" como ao edifício de "grande qualidade arquitectónica", uma vez que o arquiteto responsável, o holandês Rem Koolhaas, tem "grande respeito por seres humanos".

"É sempre um prazer estar nesta casa espetacular. A equipa, que é a alma da casa, é fantástica, são muito inteligentes. E depois é um prazer estar num edifício com tal qualidade arquitectónica, que nos faz sentir em casa, o que nem sempre acontece com este tipo de projectos", acrescentou.

Andreas Staier é considerado um dos grandes nomes do cravo e pianoforte a nível global, com uma extensa discografia e activa carreira de palco, tendo integrado, nos anos de 1980, a orquestra Musica Antiqua Köln, de Reinhard Goebel, formado o ensemble Les Adieux, e trabalhou como solista em orquestras como Concerto de Colónia, Academia de Música Antiga de Berlim ou Barroca de Friburgo, além de músicos como o tenor Christoph Prégardien e o pianista Alexei Lubimov.

Gravações anteriores dos concertos para cravo de Carlos Seixas contam com o cravista e regente norueguês Ketil Haugsand e a Norwegian Baroque Orchestra, o espanhol Jose Luis Gonzales Uriol, com os Segréis de Lisboa e o Ensemble Arcomelo, e o húngaro János Sebestyén, com a Liszt Ferenc Chamber Orchestra.