SPD e CDU enfrentam agitações internas por causa do acordo de coligação

Figuras de topo dos conservadores criticam Merkel pela cedência do ministério das Finanças, enquanto Schulz é acossado pelas bases sociais-democratas, por ficar com a pasta dos Negócios Estrangeiros depois do seu fraco desempenho eleitoral.

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Merkel e Schulz acordaram renovação da "grande coligação", mas os respectivos partidos torcem o nariz EPA

O compromisso de Governo alcançado na passada quarta-feira pelos representantes da União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão) – acompanhados pela União Social-Cristã (CSU), partido-gémeo na Baviera – e do Partido Social-Democrata (SPD) fez a Alemanha respirar de alívio, mas provocou uma onda de descontentamento, mais ou menos acentuada, nos dois principais partidos do país.

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O compromisso de Governo alcançado na passada quarta-feira pelos representantes da União Democrata Cristã (CDU, na sigla em alemão) – acompanhados pela União Social-Cristã (CSU), partido-gémeo na Baviera – e do Partido Social-Democrata (SPD) fez a Alemanha respirar de alívio, mas provocou uma onda de descontentamento, mais ou menos acentuada, nos dois principais partidos do país.

A entrega da pasta das Finanças aos sociais-democratas deixou Angela Merkel debaixo do fogo conservador e a receptividade demonstrada por Martin Schulz para receber a chave do ministério dos Negócios Estrangeiros, depois de ter guiado o partido ao pior resultado eleitoral da sua História no pós-guerra, deixou a ala mais jovem dos SPD bastante incomodada.

O ainda líder dos sociais-democratas – prometeu abandonar a chefia do partido de centro-esquerda início do próximo mês, após a votação do acordo pelas militantes – é acusado de pôr em causa a sua própria credibilidade e a do SPD, por ter aceitado um cargo de topo num Governo de coligação que durante largos meses prometeu que não apoiaria.

“[Schulz] deveria saber que isto ia enfurecer as bases, tendo em conta o actual estado de espírito do partido”, refere o deputado social-democrata Jens Zimmermann, citado pelo Financial Times. “Foi um erro não ter elaborado uma narrativa qualquer para explicar a decisão de entrar no Governo, depois de originalmente ter dito que não o faria”, acrescenta o parlamentar.

Já Michael Groschek, responsável do SPD na Renânia do Norte-Vestefália, diz compreender a fúria dos jovens e da ala mais à esquerda do partido e assume o desconforto interno. “Não podemos simplesmente varrer este tema para baixo do tapete. Compreendo o crescimento deste sentimento e estes os murros na mesa”, lamentou.

Mais de 450 mil militantes do partido irão referendar o acordo para a renovação da “grande coligação”, entre os dias 20 de Fevereiro e 2 de Março – os resultados serão conhecidos a 4 –, pelo que esta onda de protesto tem pelo menos o potencial para influenciar o desfecho da votação. Kevin Künhert, figura máxima da juventude social-democrata, não esconde que a aversão de muitos militantes à entrada de Schulz no Governo é um dos principais eixos da sua campanha a favor da rejeição do compromisso com os conservadores e já desafiou o próprio Schulz para um debate, bem como Andrea Nahles, que lhe poderá suceder na liderança do partido.

Para a ala mais às esquerda e jovem do SPD, também os elementos mais próximos do actual detentor da pasta dos Negócios Estrangeiros torceram o nariz à decisão de Schulz. Sigmar Gabriel decidiu afastar-se dos próximos compromissos internos do partido, decisão que a imprensa alemã vê como um gesto de protesto por não ter sido convidado para integrar o executivo e que pode criar mais dissidências nos sociais-democratas.

Do lado conservador da solução governativa encontrada na quarta-feira os ânimos também estão exaltados, embora por ali a indignação até venha da cúpula do partido. Num artigo de opinião no Die Welt, o líder do Governo regional de Schleswig-Holstein e figura de proa na CDU, criticou os moldes do acordo e as cedências feitas. “Ceder o ministério das Finanças a troca da pasta da Economia é uma perda que não representa o resultado das eleições”, lamentou Daniel Günther. Já o deputado Christian von Stetten, em declarações à cadeia televisiva ARD considerou que a formação desta Governo “é um grave erro político”, que não levantará “ondas de entusiasmo” dentro do partido.

Publicações importantes como o Bild ou o Süddeutsche Zeitung também caíram em cima da chanceler, acusando-a de querer conservar o seu cargo “a qualquer preço” e profetizando que o futuro Governo “não durará muito”.

Recorde-se que a Alemanha está em autogestão governativa na sequência dos resultados eleitorais de Setembro do ano passado. Desse acto eleitoral resultou uma nova conquista, por parte da CDU, do primeiro lugar, embora agrilhoada a uma decepcionante perda da maioria conservadora no Parlamento alemão. Com Schulz resoluto em recriar o SPD a partir da oposição Merkel virou inicialmente as atenções para Partido Liberal Democrata (FDP) e para os Verdes, mas a chamada “coligação Jamaica” falhou redondamente. A mudança de posição do SPD e uma longa maratona negocial acabou por criar condições para a revalidação dos pressupostos da solução que governou a Alemanha nos últimos quatro anos, que será agora validade ou rejeitada pelos militantes do SPD.