Pedidos têm de ser reiterados até cinco vezes pelos doentes

A morte antecipada do doente está sujeita ao parecer favorável de até três médicos e de uma comissão à qual competirá avaliar a conformidade dos procedimentos. Bloquistas querem agendamento do projecto até Julho e dizem-se desde já disponíveis para "correcções".

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João Semedo é um dos autores do projecto do BE Paulo Pimenta

Chegou “a hora da decisão” sobre a eutanásia. O projecto que o Bloco de Esquerda se prepara para apresentar no Parlamento e que define e regula as condições em que deixa de ser punível “a antecipação da morte por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável” foi apresentado este sábado e, segundo um dos seus autores, João Semedo, “não obriga ninguém mas também não impede ninguém”.

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Chegou “a hora da decisão” sobre a eutanásia. O projecto que o Bloco de Esquerda se prepara para apresentar no Parlamento e que define e regula as condições em que deixa de ser punível “a antecipação da morte por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável” foi apresentado este sábado e, segundo um dos seus autores, João Semedo, “não obriga ninguém mas também não impede ninguém”.

Dois anos decorridos desde que surgiu um manifesto em defesa da despenalização da morte assistida, subscrito por 100 figuras públicas – do ex-director-geral da Saúde, Francisco George, ao cineasta António Pedro Vasconcelos, passando pelo músico Sérgio Godinho e pelo actual presidente do PSD, Rui Rio –, João Semedo, médico e ex-coordenador do Bloco de Esquerda, considera que está na hora de debater o assunto “sem medos” e longe do “radicalismo conservador” que procura envolver o debate numa “nuvem de terror”.

Em nome da procura de "consensos alargados", a actual coordenadora do BE, Catarina Martins, manifestou-se desde já disponível para "correcções" que venham a ser tidas como necessárias no Parlamento. "O projecto de lei do BE vai seguir o seu rumo de debate e é bom que possamos debater cada ponto afincadamente, com mais propostas, se existirem, e corrigindo, chegando a consensos que sejam alargados sobre todos estes pontos, mas sem fantasmas, sem confundir o que não deve ser confundido", defendeu, considerando "indigno" um país que negue essa opção aos cidadãos.

Porque o que está em causa é permitir que os profissionais de saúde que participem nesse processo a pedido dos doentes deixem de poder ser sujeitos a uma pena de prisão até três anos, o actual presidente da Cruz Vermelha, Francisco George, citado pela agência Lusa, considera que a proposta bloquista responde ao “interesse público”. Isto porque “no final da vida há abusos médicos, muitas vezes por pressão de administrações, sobretudo no sector privado, onde se mantém a vida artificial”, de um modo que “não é aceitável", tanto mais que os custos deste prolongamento da vida artificial “são pagos pelos contribuintes”. 

Também a directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Teresa Pizarro Beleza, se manifestou convicta de que "o direito à vida implica o direito à morte", alertando que a eutanásia já é hoje "praticada diariamente" em hospitais com outros nomes como "a sedação profunda". "A vida humana será inviolável por terceiros, pelo próprio não o é no sistema penal português", apontou, considerando o projecto do BE "de forma geral correcto".     

Doente pode escolher médico

Na nova proposta de projecto de lei, o BE frisa que o pedido de antecipação da morte deverá corresponder a uma “vontade livre, séria e esclarecida” de pessoa maior de idade, nacional ou legalmente residente no território, capaz de “entender o sentido e o alcance do pedido”. O doente tem de estar consciente no momento em que apresenta o pedido a um médico da sua escolha. Cabe a este “médico responsável” informar o doente sobre os tratamentos aplicáveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respectivo prognóstico, e verificar se, depois disso, este mantém a sua vontade.

Segue-se a consulta obrigatória a um médico especialista na patologia que afecta o doente, cujo parecer deve confirmar ou não a natureza incurável e fatal da doença ou a condição definitiva da lesão. Se o parecer deste especialista não for favorável à antecipação da morte pelo doente, o procedimento é cancelado. No caso de parecer favorável, o doente é convidado a reiterar, pela terceira vez, a vontade de antecipar a morte, devendo esta decisão ser, mais uma vez, registada por escrito no referido “Boletim de Registos”.

Caso subsistam dúvidas quanto à capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte, é obrigatório o parecer de um terceiro médico, neste caso psiquiatra. Se o parecer for favorável, o doente é desafiado a reiterar – pela quarta vez – o seu pedido, após o que o médico responsável combina com ele o dia, a hora, o local e o método a utilizar para a antecipação do fim de vida. Cabe ao doente escolher entre duas opções: a auto-administração de fármacos letais ou a administração, sob supervisão médica, dos mesmos fármacos por um médico, enfermeiro ou psicólogo.

Se o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é interrompido. Mas há aqui duas excepções, que não estavam presentes no projecto anterior do BE: se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão ou se tiver previamente manifestado essa vontade no respectivo Testamento Vital, o processo pode prosseguir.

Médico tem 24 horas para comunicar a recusa

Antes de administrar ou assistir à auto-administração dos fármacos letais, o médico fica obrigado a confirmar uma vez mais se o doente mantém essa vontade. Esse momento não acontece enquanto o “Boletim de Registos” do doente não for remetido a uma comissão de avaliação dos processos de antecipação da morte que será composta por nove personalidades “de reconhecido mérito”, das quais três juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em bioética. Os três juristas deverão ser designados pelo Conselho Superior de Magistratura, pelo Conselho Superior do Ministério Público e pela Assembleia da República (AR), devendo os restantes seis ser eleitos pela mesma AR. Caber-lhes-á emitir o respectivo parecer, ou seja, avaliar a conformidade do procedimento clínico de antecipação da morte, num prazo máximo de 24 horas após a recepção do “Boletim de Registos”. E caber-lhes-á igualmente avaliar o relatório final referente a cada antecipação, a entregar pelo médico responsável até 15 dias após a morte do doente, e o dever de comunicar ao Ministério Público e às respectivas ordens profissionais qualquer desconformidade com a lei.

A antecipação da morte pode ser praticada nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde e do sector privado e social “desde que disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado”. Mas também pode ocorrer em casa do doente ou noutro local por ele indicado.

Nenhum médico pode ser obrigado a participar num acto de antecipação da morte. Confrontado com um pedido destes, o médico tem 24 horas para o recusar. A objecção de consciência, nos termos da mesma proposta, pode ser formalizada num documento dirigido ao responsável pelo estabelecimento de saúde em que o doente está internado e à respectiva Ordem profissional.

Proposta "irrepreensível"

O BE diz esperar que este projecto seja discutido pelos deputados até ao fim da sessão legislativa, em Julho. O PAN - recorde-se - foi o primeiro a apresentar um projecto de lei sobre a morte assistida e os Verdes também já anunciaram uma iniciativa nesse sentido. Um grupo de deputados socialistas, entre eles Maria Antónia Almeida Santos, tem o acordo da direcção do partido para apresentar uma iniciativa ou apoiar uma das já existentes.

Na sessão deste sábado, o constitucionalista e deputado do PS, Bacelar de Vasconcelos, considerou a proposta bloquista "irrepreensível", acrescentando que, na sua óptica, "a despenalização da morte assistida é um imperativo constitucional", porquanto o artigo 1.º da Constituição aponta a dignidade humana e a vontade popular como pilares da República Portuguesa.

À direita, o PSD, deu liberdade de voto. O CDS/PP assumiu-se frontalmente contra a eutanásia e o PCP, por seu turno, não assumiu ainda nenhuma posição oficial.