Entre o morto, o não-morto e o vivo

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Black Rebel Motorcycle Club: Wrong Creatures, mesmo que sem fraquezas evidentes, fica sempre num meio-termo

Não há nada de errado em Wrong Creatures. Mas talvez haja algo de errado nos Black Rebel Motorcycle Club. Quer isto dizer que Wrong Creatures é um disco decente, de boas canções, melodias encantadoras q.b., guitarras a lutarem na medida certa por serem memoráveis, tudo no sítio certo para que o descalabro seja simplesmente impossível e nenhum apreciador de rock sem necessidade de máscaras dê o seu tempo por mal empregue. Mas é um álbum a que falta a capacidade de provocar deslumbramento, de nos atirar para fora de nós próprios e levar-nos a acreditar que cada uma destas boas canções é absolutamente essencial às nossas vidas, nem que seja durante os três minutos e meio em que aceitamos ser seduzidos pelas guitarras de Peter Hayes e acreditar em cada palavra de Robert Levon Been.

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Não há nada de errado em Wrong Creatures. Mas talvez haja algo de errado nos Black Rebel Motorcycle Club. Quer isto dizer que Wrong Creatures é um disco decente, de boas canções, melodias encantadoras q.b., guitarras a lutarem na medida certa por serem memoráveis, tudo no sítio certo para que o descalabro seja simplesmente impossível e nenhum apreciador de rock sem necessidade de máscaras dê o seu tempo por mal empregue. Mas é um álbum a que falta a capacidade de provocar deslumbramento, de nos atirar para fora de nós próprios e levar-nos a acreditar que cada uma destas boas canções é absolutamente essencial às nossas vidas, nem que seja durante os três minutos e meio em que aceitamos ser seduzidos pelas guitarras de Peter Hayes e acreditar em cada palavra de Robert Levon Been.

Na verdade, apesar de ser um dos melhores momentos de Wrong Creatures, as palavras de Levon Been em que é mais fácil acreditar são aquelas que compõem a bridge de Spook: “it’s another song/then it’s gone”. Talvez porque todo o disco tem presente o fantasma da morte, mas também porque esse é, na verdade, um dos temas mais fiéis à história da banda de São Francisco, seguindo-se uma King of bones, mais negra e bem desenhada, mas em que é impossível não pensar como seria ligeiramente transformada nas mãos mais cálidas dos ingleses Toy – o território é o mesmo, a capacidade dos Toy em emprestar um desestabilizador lado de vertigem faz a diferença.

Nos actuais Black Rebel Motorcycle Club, desde sempre rasantes aos Jesus and the Mary Chain – aí estão Echo e Ninth configuration para confirmar a renovação de contrato filial –, é-se mais facilmente cativado pela aridez de Haunt, canção vinda aos trambolhões do deserto mais próximo, lenta e quase sem gravidade, pelo psicadelismo febril de Little thing gone wild e pelo estranho reconhecimento de que Circus bazooko soa a tentativa de seguir na sombra de Lucy in the sky with diamonds, Levon Been colado a Lennon, mas falhando belissimamente ser essoutra majestosa canção.

Acontece que nem sempre os Black Rebel falham com tanto estilo e tanto propósito. Sempre que o conseguem, fica a sensação de que estamos perante um renascimento; sempre que ficam aquém desse magnífico falhanço, o que acontece amiúde, fica a sensação de que estamos perante uma banda a apagar-se lentamente. Wrong Creatures, mesmo que sem fraquezas evidentes, fica sempre neste meio-termo.