Praia dos Tomates (ainda) não vai ser invadida pelo betão que ameaça ligar Albufeira a Vilamoura

Declaração de Impacto Ambiental chumba projecto imobiliário/turístico nos terrenos da Várzea de Quarteira (Albufeira). Mas, ao lado, na praia da Falésia, há um PIN que autoriza 2532 camas em “Zona Terrestre de Protecção”

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Junto à praia da Falésia, entre a praia dos Tomates e as Açoteias, as pressões para construir persistem Miguel Manso

A mancha urbanística que bordeja a costa algarvia ainda deixa livre, por enquanto, a Praia dos Tomates e a zona agrícola envolvente. Não é a primeira vez que surge a tentativa de betonizar o solo agrícola da chamada Várzea de Quarteira (concelho de Albufeira) – o último tampão verde que separa os concelhos de Albufeira e Loulé. Desta vez, o projecto chama-se Sunset Albufeira Sport & Health Resort (SAS&HR) mas a proposta de intervenção urbanística, com 1004 novas camas, foi chumbada. A comissão de avaliação, presidida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR/Algarve), emitiu o parecer desfavorável à Declaração de Impacto Ambiental (DIA) porque a quase totalidade dos terrenos (94%) situam-se em zonas de Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN).

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A mancha urbanística que bordeja a costa algarvia ainda deixa livre, por enquanto, a Praia dos Tomates e a zona agrícola envolvente. Não é a primeira vez que surge a tentativa de betonizar o solo agrícola da chamada Várzea de Quarteira (concelho de Albufeira) – o último tampão verde que separa os concelhos de Albufeira e Loulé. Desta vez, o projecto chama-se Sunset Albufeira Sport & Health Resort (SAS&HR) mas a proposta de intervenção urbanística, com 1004 novas camas, foi chumbada. A comissão de avaliação, presidida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR/Algarve), emitiu o parecer desfavorável à Declaração de Impacto Ambiental (DIA) porque a quase totalidade dos terrenos (94%) situam-se em zonas de Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN).

O estudo prévio sobre o empreendimento foi apresentado como se fosse um de projecto global para uma área de 95,27 hectares e com uma oferta de alojamento de 3536 camas. Porém, a principal foco do interesse dos promotores - o Grupo Libertas – Investimento Imobiliário, SA e o Grupo SunHouse, SA - centra-se na faixa litoral mais próximA de Vilamoura, junto à Praia dos Tomates (a designação derivada do campo agrícola nas imediações). Para a restante área, onde se situa o hotel Alfamar e outras antigas construções, existe um projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN), aprovado em 2009 (governo de Sócrates), que confere o direito de reconstruir e ampliar até 2532 camas em “Zona Terrestre de Protecção”, segundo o Plano Regional de Ordenamento do Algarve (Protal).

A contrapartida dos submarinos

Três anos depois da assinatura deste PIN, orçado em 220 milhões e já com Durão Barroso como primeiro-ministro e Paulo Portas como ministro da Defesa, surgia a proposta de requalificar o Alfamar, com uma oferta de 150 milhões de euros, inserida no pacote das contrapartidas oferecidas pelos alemães a Portugal, pela compra de dois submarinos no valor de mil milhões de euros. A promessa, sugerida pela poderosa multinacional Ferrostaal, não se concretizou e a renovação do velho hotel ficou por fazer. O caso dos submarinos, como se sabe, acabou em tribunal com dez arguidos – três alemães e sete portugueses – acusados de burla e falsificação de documento. No fim, todos os suspeitos foram absolvidos porque os juízes consideraram que o Estado “dispunha de meios de controlo” no pagamento das contrapartidas e podia "renunciar à transacção”, se fosse essa a vontade das autoridades.

O processo dos submarinos foi encerrado, mas os interesses não despareceram. Apesar das ameaças de crise imobiliária que, na altura, se faziam sentir, o Turismo de Portugal (TP) é solicitado a pronunciar-se, em 28 de Outubro de 2013, sobre uma proposta de investimento na zona do Alfamar e Praia dos Tomates, mas mais modesta em termos financeiros. O promotor, Grupo Libertas, SA e SunHouse Grupo SA, em vez dos 150 milhões sugeridos pelos alemães, submeteu para apreciação da comissão de avaliação um “estudo prévio” em que estimava investir 119 milhões, já incluindo na proposta o investimento público no que diz respeito a acessibilidades, infra-estuturas e requalificação ambiental. O parecer do TP foi desfavorável por considerar que a pretensão “não corresponde aos interesses e estratégia do sector do turismo, em que a competitividade passa pela existência de um território equilibrado, coeso e competitivo”. As intervenções, defende o turismo, não podem colocar em risco a “preservação e valorização dos valores ambientais e da paisagem”.

Por seu lado, o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, também deu parecer desfavorável, subscrevendo as críticas e dúvidas manifestadas pelos ambientalistas, no período de consulta pública. "O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) faz uma deficiente análise de impactes ambientais cumulativos e uma análise simplista da questão, minimizando o impacte muito negativo sobre a área em causa”, referiu. Por outro lado, à excepção das zonas já consolidadas do Alfamar e equipamentos desportivos adjacentes, sublinhou, “todos os restantes empreendimentos entram claramente em conflito com os instrumentos de gestão territorial em vigor - Protal, POOC Burgau-Vilamoura, PDM de Albufeira”. No que diz restrições de utilidade pública, RAN e REN, verificava-se, também, uma “desconformidade irremediável”.

Por conseguinte, o projecto da Praia dos Tomates voltou à estaca zero, e a Várzea de Quarteira vai poder continuar o produzir frutas e hortaliças. A associação ambientalista Almargem, no parecer que emitiu sobre o EIA, recorda que a CCDR-Algarve inicialmente chumbou o projecto por “desconformidade” por, apenas, o processo não conter informação suficiente para a correcta avaliação. Numa segunda fase, aprovou e colocou à discussão pública, apesar da “desconformidade perante os instrumentos de gestão territorial se manter”, dizia a associação. Tudo isto porque a legislação de impacto ambiental em vigor, aprovada em 2013, “privilegia a conformidade burocrática dos processos” em vez de avaliar o real impacto dos empreendimentos sobre o ambiente e o ordenamento do território.