Dirigentes da Fundação O Século davam trabalho aos filhos

Em causa estão suspeitas de peculato e abuso de poder. O presidente, Emanuel Martins, não vê qualquer problema que familiares seus ali trabalhem. “Havia familiares de toda a gente a trabalhar na fundação.”

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A Polícia Judiciária fez nesta quinta-feira buscas na Fundação O Século, em São Pedro do Estoril, no concelho de Cascais. Em causa estão suspeitas de peculato e abuso de poder, crimes que podem ter sido praticados quer pelo presidente quer pelo vice-presidente da instituição.

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A Polícia Judiciária fez nesta quinta-feira buscas na Fundação O Século, em São Pedro do Estoril, no concelho de Cascais. Em causa estão suspeitas de peculato e abuso de poder, crimes que podem ter sido praticados quer pelo presidente quer pelo vice-presidente da instituição.

Nem um nem outro foram constituídos arguidos, mas é previsível que venham a sê-lo a médio prazo. Em declarações ao PÚBLICO, o presidente, Emanuel Martins, diz que não vê qualquer problema em dois familiares seus ali trabalharem — uma filha, que saiu da fundação no Verão passado, e um filho, que ainda ali se mantém mas que, segundo este responsável, “irá ser despedido”, uma vez que deixou de haver dinheiro para lhe pagar.

“O meu filho tem o direito de chegar ao departamento de recursos humanos da instituição e pedir para cá trabalhar”, alega, explicando que se trata de um licenciado em História que presta serviço na portaria e no armazém da fundação “há três ou quatro anos, por 700 euros por mês”.

Já a filha, que segundo o mesmo responsável foi contratada muito antes de se tornar presidente, era nos últimos anos sua secretária. “Quando saiu ganhava 1350 euros mensais”, explica.

Emanuel Martins diz também que a fundação é uma instituição privada, e não pública, razão pela qual as suspeitas se tornam irrelevantes. “A Segurança Social comparticipa apenas com 43% do orçamento anual”, sublinha, acrescentando que o seu caso e o do vice-presidente, que também tinha uma filha contratada pela instituição, não são excepcionais relativamente aos outros funcionários: “Havia familiares de toda a gente a trabalhar na fundação.”

A filha do vice-presidente “era arquitecta e ganhava 700 ou 800 euros por mês”. Os seus serviços “permitiram apresentar projectos à câmara para ocupação de um terreno nas traseiras da fundação”.

Já posteriormente a estas declarações ao PÚBLICO, Emanuel Martins foi questionado durante uma entrevista na SIC sobre se também trabalhavam na fundação os seus enteados, uma nora e a esposa, "que lidava com os seguros". O presidente respondeu que não é casado, mas que a lista de familiares que lhe tinha sido apresentada era verdadeira: "Houve pessoas que saíram e pessoas que entraram, todas essas contratações foram feitas dentro da legalidade." E, sublinha, nada tem a esconder.

O inquérito do Departamento de Investigação e Acção Penal de Sintra terá sido aberto antes do caso Raríssimas (cuja fundadora foi em Dezembro constituída arguida), mas a investigação ainda se encontra no início. Entre a documentação levada pelos inspectores da PJ encontra-se cerca de uma vintena de contratos de trabalho, que podem configurar o crime de abuso de poder.

Já no que ao peculato diz respeito, relaciona-se com uso alegadamente abusivo de cartões de crédito da instituição por parte dos mesmos dois responsáveis, para pagar despesas pessoais. Admitindo eventuais “irregularidades” na gestão da instituição, o presidente da fundação não espera ser constituído arguido: “Tenho a consciência tranquila”, diz, acrescentando que se tornou moda investigar as instituições de solidariedade social.

"Tiraram-nos 2,6 milhões de euros anuais"

Emanuel Martins, que está na fundação há 20 anos e se tornou seu presidente há seis, diz que é com dificuldade que tem pago os salários aos trabalhadores, por causa dos resultados negativos das contas da instituição. Uma situação que continua a assacar à Câmara de Lisboa, por causa da venda da Feira Popular, cujos rendimentos reverteram durante muitos anos a favor da instituição. "Tiraram-nos 2,6 milhões de euros anuais", acusa Emanuel Martins. 

Criada em meados do século passado, a Feira Popular passou a pagar toda a acção social da instituição. Quando fechou, em 2003, a autarquia indemnizou O Século pagando-lhe 2,6 milhões anuais — verba que cessou de pagar oito anos depois. O presidente da câmara, Fernando Medina, tem dito que a fundação já recebeu tudo aquilo a que tinha direito. 

Hoje, a Fundação O Século dá apoio a crianças (nomeadamente em lares de acolhimento) e famílias. Em 2016 recebeu mais de um milhão de euros de financiamento público para pagamento dos serviços prestados, segundo informação disponibilizada no seu site.