"Se esta mulher fosse atropelada por um TGV sofria menos"

Esta é a mensagem de um polémico cartaz aprovado por um autarca eleito pela Frente Nacional. A demissão de Robert Ménard está a ser exigida por múltiplos sectores, por ser apologista da violência contra as mulheres.

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O polémico cartaz foi inspirado nos Westerns mudos, diz o presidente da câmara de Béziers DR

“Se houvesse TGV, ela sofria menos”, diz o cartaz de choque com que o município de Béziers protesta contra a ausência do comboio de alta velocidade das suas paragens, no Sudeste de França. A imagem é a de uma mulher vestida com uma recatada camisa de noite branca, atada aos carris, a gritar, enquanto um comboio a vapor avança, a deitar fumo – um clássico dos filmes mudos. O cartaz está a ser alvo de várias queixas por violência contra as mulheres.

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“Se houvesse TGV, ela sofria menos”, diz o cartaz de choque com que o município de Béziers protesta contra a ausência do comboio de alta velocidade das suas paragens, no Sudeste de França. A imagem é a de uma mulher vestida com uma recatada camisa de noite branca, atada aos carris, a gritar, enquanto um comboio a vapor avança, a deitar fumo – um clássico dos filmes mudos. O cartaz está a ser alvo de várias queixas por violência contra as mulheres.

Robert Ménard, o polémico presidente da câmara eleito como independente com apoio do partido de extrema-direita Frente Nacional, aprovou esta campanha pelo TGV, reclamado há 30 anos pelo seu município, e é ele que está a responder por ela. “Esta imagem faz referência aos filmes de Western”, explicou.

“As reacções exageradas e paranóicas ao nosso cartaz dizem muito sobre a ordem moral que pesa sobre o país. São os mesmos que teriam queimado Johnny [Hallyday] em 1960, Charlie Hebdo em 1970 ou [Serge] Gainsbourg em 1980. Inquietante…)”, escreveu no Twitter Ménard.

A ex-ministra das Mulheres, Laurence Rossignol, lidera a ofensiva contra os cartazes de Béziers, e apresentou queixa na procuradoria local, para que sejam retirados – há outro em que se vê um médico com ar desvairado, um comboio de brincar na mão e umas pernas de mulher abertas, e a frase é “então, pares, ou não pares?”. O Presidente Emmanuel Macron e Vladimir Lenine são também usados, em cartazes com menor imoacto.

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Outros cartazes da campanha DR

Mas Marlene Schiappa, secretária de Estado da Igualdade entre Homens e Mulheres, pôs em campo o prefeito do departamento a que pertence Béziers e foi já aberta uma investigação. O Partido Comunista pediu ao primeiro-ministro que destitua Robert Ménard da função de presidente da câmara.

“Quando uma em cada três mulheres é vítima de violência durante a  sua vida, o senhor Ménard não mediu o sofrimento físico e psicológico que estes cartazes causariam. A mobilização para travar a violência contra as mulheres é uma prioridade do Governo”, assegurou o prefeito do departamento de Hérault, Pierre Pouëssel.

“Sugiro a Ménard que se interesse pelas violências cometidas contra as mulheres. Na sua cidade, há vítimas de violência que, enquanto eleito, tem o dever de proteger. Todos os anos, morrem 120 mulheres devido a agressões do seu conjunge ou ex-companheiro. Há nomes, rostos e circunstâncias para cada um dos casos”, afirmou Rossignol.

Ménard, um ex-jornalista e um dos fundadores da organização Repórteres Sem Fronteiras, tornou-se um feroz opositor da imigração, em especial se se estiver a falar de muçulmanos, e são múltiplos os casos em que se viu envolvido, sobretudo enquanto presidente do município de Béziers. A associação à violência contra mulheres, num momento de especial atenção ao tema, por causa da onda internacional de revelação de casos de assédio e violações iniciada pelas vítimas do produtor de Hollywood Harvey Weinstein.

Este cartaz cai especialmente mal porque houve um caso que foi notícia em França, em Junho, que faz lembrar o malfadado cartaz. “Uma mulher de 34 anos, que se chamava Emilie, foi amarrada pelo marido aos carris do TGV na região de Eure-et-Loir (centro)”, recordou Laurence Rossignol. A mãe de quatro filhos foi atropelada pelo comboio e morreu – não há imagética dos Westerns mudos que se salve aqui. “Robert Ménard matou-a uma segunda vez, acusa.

Ménard defende-se dizendo que não sabia nada dessa história. “Não sabia nada deste fait divers, é ignóbil da parte de Rossignol ousar misturar uma vítima de um fait divers horrível na nossa campanha”, respondeu no Twitter.

E face à enxurrada de críticas, usa ainda um argumento “cultural” para defender o uso de imagens que, na prática, são as do momento da morte de uma mulher: “Será preciso proibir as milhares de apologias do ‘feminicídio’ no cinema, nos desenhos animados, nos clips musicais?”, interroga, acompanhando a pergunta de vários exemplos.