Sexo, política & Fever Ray

Ao segundo álbum, mantém a dose de estranheza e familiaridade que já havia fascinado na primeira aventura. Excelente.

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Uma renovada energia atravessa o disco, um ritmo fervoroso e nervoso: Karin Dreijer não tem receio de arriscar

Há oito anos, a sueca Karin Dreijer, uma das metades dos The Knife, lançou o primeiro álbum homónimo com a designação Fever Ray. Agora, de surpresa, já depois de ter comunicado que o projecto The Knife, que partilha com o irmão, está fora de acção por tempo indeterminado, regressa com o seu segundo registo.

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Há oito anos, a sueca Karin Dreijer, uma das metades dos The Knife, lançou o primeiro álbum homónimo com a designação Fever Ray. Agora, de surpresa, já depois de ter comunicado que o projecto The Knife, que partilha com o irmão, está fora de acção por tempo indeterminado, regressa com o seu segundo registo.

Na altura do primeiro álbum, em conversa, Karin dizia-nos que a grande inspiração tinha sido o nascimento do segundo filho, no sentido em que o nascer pode ser também um momento de interrogação sobre a morte. Sonoramente era admirável, electrónica glaciar com qualquer coisa de cortante, menos dinâmica ritmicamente que os Knife, mas de formas elegantes.

O novo álbum, quer ao nível do universo lírico, mas também sonoramente, acaba por ser diferente, sem que se perca a ligação com todo o seu trajecto, como The Knife ou Fever Ray. A voz está menos trabalhada de forma sintética. As letras são tão enunciadoras de conflitos pessoais, como de choques sistémicos políticos, e a música acompanha esse processo, sendo por vezes introspectiva e contorcida, e noutras extrovertida e corpórea.

Há alguns colaboradores sónicos que se repetem — Peder Mannerfelt e Johannes Berglund — e outros que trabalham com ela pela primeira vez como Tami T, Paula Temple, Deena Abdelwahed e a portuguesa Nídia Borges, mais conhecida apenas como NÍDIA, uma das figuras que mais se tem destacado na editora Príncipe.

Nesse sentido acaba por ser um disco mais diverso sem perder unidade, transitando da alegria esfuziante para o medo, da beleza minimal para a convulsão sónica, exprimindo estados de transformação, sejam eles íntimos, focando relações emocionais, desejo e sexo, ou questionadores de um mundo que atravessa uma crise de modelos, sejam eles políticos, socioeconómicos ou culturais, num tipo de posicionamento activista que não espanta quem tenha acompanhado os últimos trabalhos dos The Knife.

Também nesse aspecto o seu posicionamento é bem mais directo do que no anterior álbum, sendo audíveis versos como “Free abortions and clean water / destroy nuclear / destroy boring” ou “this country makes it hard to fuck.” E sente-se um novo vigor emocional. É aliás a canção estruturada por NÍDIA (IDK about you) que transmite de forma mais peremptória essa renovada energia que atravessa o disco, com um ritmo fervoroso e nervoso, mostrando que ela não tem receio de arriscar novos territórios.

Em Mama’s hand ou To the moon and back, o processamento rítmico envolve de forma confortável a voz, aproximando-se de uma ideia de pop electrónica, enquanto em Wanna sip ou This country as batidas são mais quebradas e contorcidas, instituindo uma ambiência ritualista. Em temas como Must’t hurry, Red trails ou Failing aproximamo-nos do anterior álbum, com climas misteriosos, quase esotéricos, para em An itch sermos submersos por um som digital circular e encantatório com ela a gritar “imagine touched by somebody who loves you.” Ou seja, ao segundo álbum, mantém a dose de estranheza e familiaridade que já havia fascinado na primeira aventura, adicionando-lhe novos temas e elementos sonoros, numa atitude de desafio. Excelente.