Amnistia entende que acórdão da Relação do Porto “viola” obrigações internacionais

Organização defende “a ausência de considerações de carácter religioso como fundamentação jurídica em nome do respeito do princípio da laicidade e em nome da igualdade e do respeito por todas as religiões”.

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Manuel Roberto

A Amnistia Internacional Portugal considerou nesta segunda-feira que o acórdão judicial do Tribunal da Relação do Porto que minimiza a violência doméstica contra uma mulher, alicerçado em censura moral, "viola" as obrigações internacionais a que Portugal está vinculado.

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A Amnistia Internacional Portugal considerou nesta segunda-feira que o acórdão judicial do Tribunal da Relação do Porto que minimiza a violência doméstica contra uma mulher, alicerçado em censura moral, "viola" as obrigações internacionais a que Portugal está vinculado.

Em comunicado, a amnistia expressa "profunda preocupação" sobre os fundamentos utilizados pelo tribunal para negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público no caso em que dois arguidos foram condenados a penas suspensas pelos crimes de violência doméstica, detenção de arma proibida, perturbação da vida privada, injúrias, ofensa à integridade física simples e sequestro.

No acórdão da Relação do Porto, datado de 11 de Outubro, o juiz relator faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério. O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante.

"A citação de documentação histórica e religiosa sem ter em conta o devido contexto e enquadramento histórico e religioso entende-se como abusiva", frisa a amnistia. A citação do Antigo Testamento da Bíblia demonstra uma "manifesta violação" do princípio de separação entre Igreja e Estado, consagrado na Constituição da República Portuguesa. "A Amnistia Internacional Portugal defende a ausência de considerações de carácter religioso como fundamentação jurídica em nome do respeito do princípio da laicidade e em nome da igualdade e do respeito por todas as religiões", realça a AI.

A ONG acrescenta que "o Código Penal Português de 1886, citado no acórdão do tribunal da Relação do Porto, foi revogado pelo Código Penal de 1982, revisto pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março. Assim, o Código Penal de 1886, citado no acórdão, não é fonte de direito português, não podendo ser utilizado pelos tribunais. A sua utilização revela a ineficácia da justiça portuguesa".

A amnistia diz-se "preocupada" não só pela actuação dos juízes desembargadores ao "arrepio" dos preceitos legais e constitucionais, mas pelo espelhar de uma cultura e justiça promotora de "misoginia", sem ter em conta os direitos das mulheres e à compreensão do uso de violência para vingar a honra e a dignidade.

Lembrou também que Portugal está vinculado não só aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais é signatário, mas também se encontra vinculado, desde 1 de Agosto de 2014, às obrigações previstas na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, comummente conhecida como Convenção de Istambul.