Não é alquimia — é política

A ótima surpresa no crescimento deste ano é decisiva para permitir uma refeição mais rica à mesa do Orçamento.

No que à hora de fecho deste artigo se conhecia da proposta de Orçamento do Estado para 2018, parece grande a generosidade do Governo “minoritário do Partido Socialista”, nas palavras do secretário-geral do PCP. Com várias medidas que vão já bastante para além da “reposição” de rendimentos, mantêm-se simultaneamente as metas para o défice nominal, e mesmo nos sempre incertos cálculos do défice estrutural se estima fazer o necessário para respeitar os compromissos europeus. Alquimia? Não.

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No que à hora de fecho deste artigo se conhecia da proposta de Orçamento do Estado para 2018, parece grande a generosidade do Governo “minoritário do Partido Socialista”, nas palavras do secretário-geral do PCP. Com várias medidas que vão já bastante para além da “reposição” de rendimentos, mantêm-se simultaneamente as metas para o défice nominal, e mesmo nos sempre incertos cálculos do défice estrutural se estima fazer o necessário para respeitar os compromissos europeus. Alquimia? Não.

A ótima surpresa no crescimento deste ano é decisiva para permitir uma refeição mais rica à mesa do Orçamento. Mesmo se o Governo, correcta e prudentemente, prevê uma quebra de 0,4 p.p. no crescimento para o ano que vem, o efeito base originado por um PIB bastante superior ao previsto em 2017 permite uma despesa (real, pois a inflação pouco se alterou nos cenários) superior em 2018.

Note-se que neste ponto reside um dos principais erros de perceção, mútuos ou não, no debate que se gerou em torno do IPP Policy Paper 10, em que participei com Ricardo Cabral, Joana Vicente e Paulo Trigo Pereira. Uma parte importante do acréscimo de despesa no cenário da chamada “Variante ao Programa de Estabilidade” era acomodada não por um suposto grande efeito multiplicador de supostos grandes aumentos da despesa, mas pelo efeito base de um crescimento muito superior ao esperado em 2017. Aliás, veja-se que o crescimento que o Governo prevê para 2018 é próximo daquele que no nosso cenário, com as novas medidas e, sobretudo, com a atualização do PIB de 2017, esperávamos (2,2% vs. 2,3%).

Além disso, parte da folga em 2017 resultante não do crescimento, mas da despesa em juros mais baixa, proporciona um ponto de partida mais baixo para a redução do défice estrutural. É verdade que o imprevisto influxo abundante de receita fiscal é descontado como conjuntural na “contabilidade” estrutural; o abono na despesa em juros da dívida, esse sim, conta como redução da despesa estrutural.

Fica a questão: se em condições tão extraordinárias a maioria de “apoio” ao Governo foi tão exigente, como será num Orçamento mais normal?

Não há dúvida que nem todas as promessas agora aventadas se esgotam em 2018, passando algumas, como o pagamento do correspondente ao descongelamento das carreiras ou o alívio no IRS, para o ano seguinte em implementação faseada. Não é correcto associar tais discussões ao Orçamento. Neste caso, são evidentes as necessidades políticas que a tal obrigam, mas a verdade é que de há muitos anos é prática aproveitar-se o momento orçamental para aprovar um vasto conjunto de outras medidas embutidas na Lei do Orçamento. Isto torna o debate público das mesmas muito mais complexo e opaco.

E a propósito de implementação faseada, convém não esquecer uma das medidas cuja implementação é tão faseada que é para sempre: os aumentos das pensões, os automáticos e os inqualificáveis extraordinários, têm efeitos neste e em todos os anos seguintes, que se multiplicam pelo crescimento do número de pensionistas. A não esquecer também: se houver, num ano próximo, uma surpresa inversa à de 2017, sabem o que acontece automaticamente às pensões?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

As opiniões aqui expressas vinculam somente o autor e não reflectem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição