Benny Safdie, realizador e intérprete de Good Time: "Podem chamar-lhe um 'filme político'"

No meio da alucinação de Good Time ecoam temas da vida americana contemporânea - os imigrantes, a brutalidade policial. "Queremos que o filme reflicta a sociedade de onde vem, e acho que pode chamar-lhe um 'filme político'", diz Benny Safdie.

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Benny e Josh Safdie durante a apresentação de Good Time em Cannes JULIEN WARNAND/EPA

Depois de Vão-me Buscar Alecrim, que narrava as aventuras de um "pai herói" a criar sozinho dois filhos numa Nova Iorque atravancada e bem pouco fashion, e que foi o filme que introduziu os irmãos Josh e Benny Safdie ao público português, os primeiros minutos de Good Time, novo filme da dupla de realizadores, lançam o espectador numa sensação dúbia de reconhecimento e estranheza: outra vez as zonas menos nobres de Nova Iorque (Queens, maioritariamente), outra vez uma história de família (dois irmãos, interpretados por Robert Pattinson e por um dos realizadores, Benny), mas depois um ambiente marginal, violento, ao mesmo tempo festivo (a fotografia de Sean Price Willams, a multiplicar cores, é uma espécie de "celebração") e depressivamente realista, mesmo sem perder uma dimensão de feérie psicotropicamente alucinada. É um filme sobre, pelo menos, três coisas: as existências "marginais" (as criminais, mas também as de outro tipo, dos imigrantes àqueles que, como a personagem interpretada por Benny, sofrem de uma debilidade cognitiva), a família, através do par de irmãos mas também por inúmeros outros reflexos ao longo do filme, e finalmente a cidade de Nova Iorque, dada num "aqui e agora".

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Depois de Vão-me Buscar Alecrim, que narrava as aventuras de um "pai herói" a criar sozinho dois filhos numa Nova Iorque atravancada e bem pouco fashion, e que foi o filme que introduziu os irmãos Josh e Benny Safdie ao público português, os primeiros minutos de Good Time, novo filme da dupla de realizadores, lançam o espectador numa sensação dúbia de reconhecimento e estranheza: outra vez as zonas menos nobres de Nova Iorque (Queens, maioritariamente), outra vez uma história de família (dois irmãos, interpretados por Robert Pattinson e por um dos realizadores, Benny), mas depois um ambiente marginal, violento, ao mesmo tempo festivo (a fotografia de Sean Price Willams, a multiplicar cores, é uma espécie de "celebração") e depressivamente realista, mesmo sem perder uma dimensão de feérie psicotropicamente alucinada. É um filme sobre, pelo menos, três coisas: as existências "marginais" (as criminais, mas também as de outro tipo, dos imigrantes àqueles que, como a personagem interpretada por Benny, sofrem de uma debilidade cognitiva), a família, através do par de irmãos mas também por inúmeros outros reflexos ao longo do filme, e finalmente a cidade de Nova Iorque, dada num "aqui e agora".

É de Nova Iorque que Benny Safdie responde no outro lado do telefone, num dia em que (apropriadamente, dados os temas do filme), está sozinho em casa com o filho bebé e tem que interromper a conversa mais do que uma vez para ir acudir às exigências da criança (que deste lado do telefone se ouvem bem). Começamos a conversa com ele precisamente a falar das diferenças, mas também das continuidades, entre Good Time e o filme do Alecrim (pelo meio houve Heaven Knows What, que não estreou em Portugal). Benny aceita as nossas observações - basicamente, o que expusemos no primeiro parágrafo - e logo menciona um factor determinante: "De certa forma, isto também é um filme do Robert [Pattinson]". Que, conta ele, não só contribuiu para a escrita do argumento (andavam a trocar versões enquanto Pattinson estava "alistado" na rodagem da Cidade Perdida de Z, de James Gray), como esteve na origem do projecto. "Encontrámo-nos, ele exprimiu o desejo de trabalhar connosco, achava que éramos capazes de fazer aquilo que ele procurava: criar um universo, uma fonte de energia, onde ele pudesse mergulhar e simplesmente estar". Temo-lo visto, a Pattinson, nos sítios mais estranhos, à procura de auteurs (como Cronenberg ou Gray) e de jovens "independentes", como Brady Corbet (A Infância de um Líder) e agora os Safdie, a apagar a imagem de teen idol. "Sim", diz Benny (que nunca viu Twilight...), "acho que ele vive isso como uma obsessão, quer desesperadamente estar em coisas pouco comerciais, quer filmes onde possa 'desaparecer', que foi o que ele nos disse que queria" - o que explica um dos seus contributos, o cabelo oxigenado da sua personagem ("sim, isso veio dele").

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O cabelo oxigenado foi uma ideia de Robert Pattinson, actor que quer apagar a sua imagem de teen idol

Os irmãos gostaram de Pattinson e da "química" que o encontro gerou, e como andavam (sobretudo Josh) às voltas com leituras de Norman Mailer - O Canto do Carrasco, cuja versão filme, com Tommy Lee Jones, também se tornou uma referência "importante", e In the Belly of the Beast, sobre a correspondência trocada entre Mailer e um condenado em Rikers Island - pegaram nisso como elemento inspirador.

"A história não tem nenhuma relação, mas foi com isto na cabeça que desenvolvemos o argumento". Ao mesmo tempo, pelo universo criminal/familiar, o filme convoca fortemente memórias do cinema americano dos anos 70, filmes como Mean Streets de Scorsese ou o Dia de Cão (1975) de Lumet - quando ouve esta menção Benny interrompe e a rir-se, exclama: "Gosto de dizer que o filme é Dia de Cão meets Encontro de Irmãos (1988). Depois, mais seriamente, diz que "claro que sim", e se nunca houve nenhuma vontade de homenagem ou citação expressa, esse cinema é importante para eles (no caso de Scorsese, Benny diz que Nova Iorque Fora de Horas, de 1985, terá sido uma presença mais consciente durante o trabalho no filme). Mas também, insistimos, o outro lado da tradição novaiorquina, as independências e as vanguardas, Cassavetes, Mekas, etc, onde os Safdie aprenderam "lições em termos de leveza de produção e de um olhar pessoal, poético, sobre a cidade". Insiste que nunca pretendem "citar", mas reclama essa integração no que chama a "tradição de Nova Iorque", e a "dinamitação da fronteira arte/entretenimento".

Depois há aspectos que, no meio da alucinação de Good Time, ecoam temas muito presentes na vida americana contemporânea - as personagens dos imigrantes, ou aquele programa de televisão, que numa cena se vislumbra, sobre a brutalidade policial. Acaso? "Não, claro que não. Queremos que o filme reflicta a sociedade de onde vem, e acho que pode chamar-lhe um 'filme político'".