Afinal, que coisa é a arte pública?

No Porto, intervenções deste género são raras. Uma que tem convocado anualmente a participação dos cidadãos é o Concurso VIArtes, cuja 4.ª edição é inaugurada esta sexta-feira, no shopping Via Catarina.

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Mesa que o escultor iraniano Siah Armajani criou em 2000 para o vale de Pineta, nos Pirinéus DR

Não existe uma definição consensual. Nem mesmo é perfeita a mais elementar de todas – arte pública é arte para todos, arte com todos, arte por todos, que constitui o lema de uma das “mecas” da arte pública: o Centro de Investigação Polis (Cr Polis), da Universidade de Barcelona.

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Não existe uma definição consensual. Nem mesmo é perfeita a mais elementar de todas – arte pública é arte para todos, arte com todos, arte por todos, que constitui o lema de uma das “mecas” da arte pública: o Centro de Investigação Polis (Cr Polis), da Universidade de Barcelona.

E não é perfeita porque mesmo quando a arte visa dirigir-se a todos, envolver todos e ser feita por todos, isso não garante que ela seja aceite por todos. Definir não é tarefa fácil, e não é por aí que importa iniciar esta história.

Digo história, porque a arte pública é detentora de uma história. Uma história que se inicia em finais do século XIX, na Bélgica, com uma exposição que decorreu num espaço do pavilhão belga da Exposição Universal de Bruxelas, em 1897. Iniciativa de uma sociedade artística criada, em 1894, pelo urbanista e burgomestre de Bruxelas Charles Buls, será pela contração do seu nome – “Sociedade da Obra de Arte Aplicada à Rua e aos Objetos de Utilidade Pública” – que resultará a designação arte pública, logo adotada a partir de 1898.

Nesse ano, realizar-se-ia o I Congresso Internacional de Arte Pública, que produziu um detalhado catálogo e que contou com a participação oficial de oito países (Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Holanda, Hungria, Luxemburgo, Suíça e Bélgica), acrescida da representação de 67 municípios e 42 sociedades artísticas.

Importa citar a definição de arte pública aprovada nesse congresso: “A arte pública, quer dizer, a sublimidade do útil na vida pública, era antigamente uma regra de civilização que ninguém derrogava se não sob pena de declínio moral, ao passo que presentemente é uma exceção, e a vulgaridade do útil na vida pública tornou-se geral!”

A arte pública era então a “sublimidade do útil na vida pública”, facto confirmado pelo tipo de objetos expostos pela Sociedade de Arte Pública, na Exposição Universal de Bruxelas de 1897: candeeiros de iluminação pública, bancos de jardim, placas de toponímia (nomes de ruas), placas comerciais (nomes de lojas), relógios, fontanários, adereços decorativos, estátuas, projetos, etc...

Mas a história não acaba aqui. Um notável segmento da arte pública contemporânea recuperou esse ideário. Rejeitando o mero adorno da via pública, para propor o vero envolvimento na vida pública, esta conceção de arte pública detém a missão sociocultural de promover a apropriação cívica do espaço público, surgindo como “arte para todos, arte com todos, arte por todos”, tal como se expressa no título do livro de Samuel Esteban Padilla Llano, investigador do Cr Polis.

Os artistas que trabalham dentro deste conceito, como por exemplo o iraniano Siah Armajani, não deixam de criar obras com valor artístico, como o confirmam os prémios e os louros que Armajani já recebeu, não obstante, na sua modéstia, o artista referir que a missão da arte pública é a de “preencher o fosso que existe entre a arte e o público, de forma a tornar a arte pública e o artista um cidadão outra vez”.

Dentro deste ideário, um leque alargado de possibilidades ganha forma. Em 2000, no âmbito do programa Arte y Naturaleza, Siah Armajani concebeu uma mesa de piquenique que implantou no soberbo vale pirenaico de Pineta, junto a Bielsa: uma peça que promove a convivialidade, já que todos confraternizam em torno de uma única mesa, mesa essa que, além de acolher as merendas, exibe ainda quatro poemas e desenhos de Federico García Lorca, devidamente protegidos.

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Siah Armajani, Mesa de Picnic para Huesca, 2000, Vale Pineta, Bielsa Foto do autor

No Porto, intervenções deste género são raras e, sobretudo, isoladas. Uma que tem convocado anualmente a participação dos cidadãos é o Concurso VIArtes, que desafia jovens artistas a reinventarem, com o público, a fachada do antigo edifício do jornal O Primeiro de Janeiro, em 1996 reconvertido em Centro Comercial Via Catarina, concurso esse que vai já na 4.ª edição, e cujo projecto Fábrica de Sonhos é inaugurado esta sexta-feira, peças 17h30.

Concurso público, o VIArtes é financiado por uma empresa privada [a Sonae Sierra, do grupo proprietário do PÚBLICO], surgindo como um bom exemplo de mecenato cultural, e de salutar articulação da esfera pública e da esfera privada.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico