A minha família teve uma escrava

Eudocia Tomas Pulido foi levada das Filipinas para os Estados Unidos na década de 1950 para servir os Tizon. Ao longo de 56 anos fez o papel de mãe, pai, irmã. Sobretudo de criada. Nunca recebeu um tostão. Alex Tizon, jornalista premiado, escreveu a história de Lola, que é também a sua.

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As cinzas enchiam uma caixa de plástico preto do tamanho de uma torradeira. Pesava 1,6 kg. Coloquei-a dentro de um saco de pano-cru a um canto da mala que já tinha preparada para o voo transpacífico para Manila. Seguiria daí de carro para uma aldeia rural, o meu destino nesta viagem para deixar tudo o restava daquela mulher que durante 56 anos fora a escrava da minha família. 

Chamava-se Eudocia Tomas Pulido. Para nós, era a Lola. Media 1,50 metros, a pele dela era da cor do café e tinha olhos de amêndoa, os olhos que ainda hoje vejo a mirar os meus naquilo que é a minha primeira memória. Lola tinha 18 anos quando o meu avô a ofereceu como prenda à minha mãe. Quando a minha família se mudou para a América trouxemo-la. Esta mulher foi uma escrava para nós e não há outra palavra no dicionário para descrever a vida que Lola levou. Levantava-se antes de acordarmos, deitava-se depois de todos estarem na cama. Preparava três refeições por dia, limpava a casa, servia os meus pais e tomava conta de mim e dos meus quatro irmãos. Os meus pais nunca lhe pagaram e passavam a vida a criticá-la. Não a tinham com algemas mas era como se tivessem. Tantas noites em que, a caminho da casa de banho, ia dar com ela a dormir a um canto, afundada sob uma pilha de roupa, os dedos ainda agarrados à última peça que estivera a dobrar.

Os nossos vizinhos americanos viam-nos como imigrantes exemplares, uma família ideal. O meu pai era licenciado em Direito, a minha mãe estava a acabar o curso de Medicina, os meus irmãos e eu tínhamos boas notas e éramos educados a responder sempre com um “por favor” e um “obrigado”. Nunca falávamos sobre Lola. O nosso segredo fazia parte de quem éramos e, pelo menos para nós, crianças, de quem sonhávamos ser.

Em 1999, quando a minha mãe morreu de leucemia, Lola veio morar comigo numa pequena cidade a norte de Seattle. Eu tinha uma família, uma carreira, uma casa nos subúrbios. O sonho americano. E também tinha uma escrava.

Na recolha da bagagem em Manila, abri a mala para verificar que as cinzas de Lola ainda lá estavam. Lá fora, na rua, havia um odor que me era familiar, uma mistura entre fumo de escape, lixo, mar, frutas e suor.

Nas primeiras horas da manhã do dia seguinte, descobri um motorista, um homem amável já de uma certa idade, com alcunha “Doods”. Fizemo-nos à estrada enfiados na sua carrinha, que dançava por entre o trânsito. Aquele cenário deixa-me sempre estupefacto, tal a quantidade de carros, motas, “jeepneys” [carrinhas de transporte público]. As pessoas serpenteiam por entre os veículos, enchem os passeios. Os vendedores de rua andam descalços ao lado dos carros a apregoar cigarros, pastilhas para a tosse, sacos de amendoins cozidos. As crianças colam os rostos às janelas a mendigar uma esmola.

“Doods” e eu estavámos a caminho do lugar onde a história de Lola começou, a norte: a Província de Tarlac. O país do arroz. A terra do tenente Tomas Asuncion, o meu avô, um homem que fumava charutos desalmadamente. A família descrevia-o como um homem temível, excêntrico e mal-humorado. Um homem que era proprietário de muitos hectares, mas onde o dinheiro não abundava, que mantinha as amantes separadas em várias casas dentro da propriedade. A mulher morrera no parto, quando dava à luz a única filha do casal, a minha mãe. Foi criada por muitos utusans, ou “pessoas que recebem ordens”.

O poço sem fundo da escravatura

A história da escravatura no arquipélago remonta ainda antes à chegada dos espanhóis, no século XVI. Habitantes de algumas ilhas já escravizavam outros, sobretudo prisioneiros de guerra, criminosos e pessoas com dívidas em falta. Havia toda uma diferente tipologia para a escravatura, desde os que literalmente se batiam para conquistar a liberdade, chamados “guerreiros/lutadores”, aos serviçais que eram considerados mercadoria pelos donos e que eram comprados, trocados, vendidos. Mesmo entre os escravos havia uma hierarquia de estatuto e os que estavam no degrau de cima podiam ter direitos sobre os que lhe ficavam imediatamente abaixo e por aí fora. Para alguns, ser escravo era também sinónimo de sobrevivência: trabalhavam em troca de comida, de casa, de protecção.

Em 1500, quando os espanhóis chegaram, fizeram escravos entre os habitantes daquelas ilhas antes de trazerem outros, de África e da Índia. Gradualmente, a Coroa Espanhola foi erradicando a escravatura em Espanha e nas colónias, mas havia zonas remotas das Filipinas que escapavam ao controlo das autoridades. A tradição da escravatura persistia sob diferentes mantos, mesmo depois de os Estados Unidos ocuparem o arquipélago, em 1898. Hoje, até os pobres menos pobres têm utusans, katulongs (“ajudantes”) ou kasambahays (“empregadas domésticas”). É um poço sem fundo.

O tenente Tom tinha três famílias de utusans que viviam nas suas terras. Na Primavera de 1943, já com as ilhas ocupadas pelos japoneses, trouxe para casa uma rapariga de uma vila próxima. Era uma prima afastada da família, produtores de arroz. O meu avô era um homem astuto e viu naquela rapariga sem recursos e sem formação escolar uma “presa” moldável. Os pais dela queriam vê-la casada com um produtor de porcos que tinha o dobro da sua idade. A rapariga estava desesperadamente infeliz e sem sítio para onde ir. Tom fez-lhe uma proposta: teria comida e guarida se, em troca, estivesse disposta a cuidar da sua filha, que tinha acabado de fazer 12 anos.

Lola aceitou, sem ter consciência de que seria uma proposta para a vida.
“É a minha prenda para ti”, disse o tenente à minha mãe.
“Não a quero”, respondeu-lhe a minha mãe, sabendo que não lhe restava alternativa.

Tom partiu para lutar contra os japoneses. Para trás, ficavam a minha mãe e Lola, numa decrépita casa de província. Era Lola quem a alimentava e a vestia. Quando iam ao mercado, era Lola quem carregava o guarda-sol para a proteger do calor. À noite, depois de todas as outras tarefas da casa — alimentar os cães, varrer o chão, dobrar a roupa que tinha lavado à mão no rio Camiling —, Lola sentava-se à beira da cama da minha mãe e abanava-a com um leque até que ela caísse no sono.

Um dia, durante a guerra, o tenente Tom foi de visita a casa e apanhou a minha mãe numa mentira insignificante, qualquer coisa relacionada com um rapaz com quem não era suposto ela falar. Furioso, ordenou-lhe que se levantasse e se inclinasse sobre o tampo da mesa. A minha mãe encolheu-se a um canto com Lola. Depois, com a voz trémula, indicou que seria Lola a ficar com o castigo que lhe cabia. Lola suplicou-lhe com o olhar que não o fizesse, mas sem dizer uma palavra inclinou-se e agarrou-se à mesa. Tom tirou o cinto e chicoteou-a 12 vezes, frisando cada uma das chicotadas com uma palavra. Tu. Não. Me. Mentes. Tu. Não. Me. Mentes. Tu. Não. Me. Mentes. De Lola não se ouviu um único som.

Anos mais tarde, quando ouvi a minha mãe recontar esta história, quase se pressentia no seu tom de voz um certo deslumbramento pela coragem de tamanha indecência, como se nos dissesse: “Acreditam que fiz aquilo?” Quando conversei com Lola sobre o episódio, ela pediu-me que lhe contasse a versão da “Mãe”. Ouviu-me atentamente, sempre cabisbaixa, e no fim, com um olhar profundamente triste, disse apenas: “Sim. Foi assim que aconteceu.”

Nasce uma família

Em 1950, sete anos mais tarde, a minha mãe casou-se com o meu pai e mudaram-se para Manila, levando Lola com eles. Há muito que o tenente Tom vivia assombrado por demónios e, em 1951, deu-lhes um fim enfiando uma bala calibre 32 na têmpora. A minha mãe quase nunca tocava no assunto. Era, como ele, um pouco temperamental — autoritária, distante, secretamente frágil. E levou a peito o que o pai lhe ensinou, sobretudo qual o lugar de uma senhora e mãe de família: “És tu quem dá ordens. Tens de manter os teus criados no lugar, para o bem deles e para o da casa. Eles podem chorar e queixar-se, mas as suas almas vão agradecer-te. Vão adorar-te por os ajudares a ser o que Deus teria desejado.”

Em 1951, nasceu o meu irmão Arthur. Eu vim depois, seguido de mais três irmãos. Os meus pais esperavam que Lola fosse tão dedicada às crianças como lhes era a eles. Enquanto Lola tomava conta de nós, os nossos pais puderam fazer os seus cursos na universidade — ainda que para se juntarem às fileiras de quem tem um canudo mas continua no desemprego. Até que surgiu uma oportunidade: o meu pai seria analista comercial nos serviços consulares filipinos na América. O salário era medíocre, mas a América era o país que preenchia os sonhos de infância dos meus pais, onde tudo aquilo que desejavam poderia tornar-se realidade.

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Arthur, irmão oito anos mais velho de Alex Tizon, ao colo de Lola cortesia the atlantic/família de alex tizon

O meu pai podia trazer a sua família e uma empregada. Assumindo que ambos iam ter de trabalhar, precisavam de Lola para tomar conta de nós e da casa. Quando a minha mãe contou a Lola a novidade, ela não se mostrou nada entusiasmada. O que deixou a minha mãe furiosa. Anos mais tarde, foi Lola que me contou que tinha ficado aterrorizada. “Era demasiado longe.” “Talvez a tua mãe e o teu pai nem me deixem nunca mais ir a casa”, receava já na altura.

O que acabou por convencer Lola foi o meu pai ter-lhe prometido de que na América tudo seria diferente. Tanto ele como a minha mãe prometeram-lhe que, mal pudessem, começariam a dar-lhe uma “mesada”. Lola poderia então enviar dinheiro para os seus pais e para todos os familiares da aldeia. Os pais de Lola viviam num casebre com chão de terra. Lola poderia construir-lhes uma casa de cimento, poderia mudar-lhes a vida para sempre. Imagina.

Aterrámos em Los Angeles a 12 de Maio, ano de 1964. Todos os nossos pertences enfiados em caixas de cartão atadas com corda. Por essa altura, Lola já estava com a minha mãe há 21 anos. Para mim, ela fazia mais o lugar de mãe do que a minha própria mãe — ou do que o meu pai. Era o rosto que via pela manhã e o último antes de adormecer. Quando comecei a esboçar palavras, balbuciei o seu nome (que de início pronunciava como “oh-ah”) muito antes de aprender a dizer “mãe” ou “pai”. Recusava-me a adormecer a não ser que fosse ao colo de Lola — ou pelo menos a saber que a tinha por perto. 

Estava com quatro anos quando cheguei aos Estados Unidos — demasiado novo para questionar o lugar de Lola na família. Mas crescer nesta outra costa fez-me ver, e aos meus irmãos, o mundo de uma forma muito diferente. Saltar por cima de todo um oceano foi sinónimo de saltar para um estado de consciencialização que a minha mãe e o meu pai não conseguiam, ou não queriam, suportar.

Lola nunca recebeu a mesada prometida. Durante uns tempos, logo no início da nossa nova vida na América, ainda foi perguntando aos nossos pais pelo dinheiro. A mãe dela tinha adoecido (com aquilo que mais tarde vim a saber ser disenteria) e a família não tinha como comprar os medicamentos necessários. “Pwede ba?”, perguntava aos meus pais. “É possível?” A minha mãe suspirava. E o meu pai atirava-lhe, em filipino: “Como podes sequer perguntar? Vês os problemas que temos. Não tens vergonha?”

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Família: Alex é o segundo à esq. na fotografia. Durante muito tempo, Lola (à dir. na foto) foi a única presença adulta em casa, sobretudo nos tempos em que o pai e a mãe (ao centro) terminavam as suas especializações universitárias cortesia the atlantic/família de alex tizon

Despertares

Os meus pais pediram um empréstimo para ir para os Estados Unidos (e endividaram-se ainda mais para ficar). O meu pai foi transferido do Consulado-Geral das Filipinas em Los Angeles para o departamento consular em Seattle. Recebia 5600 dólares (6276 euros) por ano. Viu-se forçado a arranjar um segundo emprego a limpar caravanas e um terceiro como cobrador. A minha mãe trabalhava como técnica em vários laboratórios médicos. Raramente os víamos e quando isso acontecia estavam os dois exaustos e sempre irritadiços.

A minha mãe chegava a casa e repreendia Lola por não ter limpado o suficiente ou por se esquecer de levar o correio para dentro. “Não te tinha dito que queria as cartas aqui quando chegasse?”, perguntava em filipino, a voz carregada de veneno. “Não é difícil! Até um idiota se lembraria.” A seguir, era a vez do nosso pai. E, sempre que ele levantava a voz, todos nós nos encolhíamos. Por vezes, os meus pais uniam-se nas críticas a Lola até ela rebentar em choro, quase como se fosse esse o objectivo deles.

Eram situações que me deixavam muito confuso: ora os meus pais, que adorávamos, tão bons para mim e para os meus irmãos, que nos davam tanto carinho... por que tratavam Lola com tanto desprezo? Só por volta dos meus 11 ou 12 anos tomei consciência da situação em que Lola se encontrava.

Por essa altura, já Arthur, oito anos mais velho que eu, não tolerava o que se passava em casa. Foi ele quem me fez ver que Lola era uma escrava. Antes, eu pensava apenas que Lola era o elemento mais desafortunado da família. Claro que odiava quando os meus pais lhe gritavam, mas nunca me passara pela cabeça que eles, e toda aquela situação em que vivíamos, podiam ser uma imoralidade.

“Vês mais alguém ser tratado da forma como ela o é?”, perguntava-me Arthur. “Conheces mais alguém que viva como ela vive?” Resumiu-me assim a realidade: pura e simplesmente, Lola não era paga pelo trabalho que tinha connosco. Trabalhava arduamente todos os dias; era repreendida por ficar demasiado tempo sentada ou por adormecer demasiado cedo; era atacada por responder; usava roupas em segunda mão; comia as sobras sozinha na cozinha; raramente saía de casa; não tinha quaisquer passatempos ou amigos fora da família; não tinha um quarto só para ela (por todas as casas por onde passámos, restava-lhe apenas ficar num sofá, a um canto no quarto das minhas irmãs, ou na área de arrumos; na verdade, dormia normalmente em cima de pilhas de roupa por engomar).

E para esta vida não conseguíamos de facto encontrar qualquer paralelismo possível — a não ser o papel de escravos nas séries que víamos na televisão ou nos filmes. Lembro-me de O Homem Que Matou Liberty Valance, um filme de cowboys em que John Wayne interpretava o papel de Tom Doniphon, o dono de um rancho que passava a vida a gritar e dar ordens a Pompey, a quem chamava “o meu rapaz”. “Apanha-o, Pompey. Pompey, vai chamar o doutor. Mãos à obra, Pompey!” Obediente e dócil, Pompey dirigia-se ao mestre como “Senhor Tom”. Para mim, aquilo era uma relação muito complexa: Tom tanto proibia Pompey de ir à escola como o levava a um saloon “só para brancos”; vivia entre a adoração e o temor. Lembro-me que perto do fim do filme, Pompey tentava salvar o seu mestre de um incêndio, e ficou mesmo de luto quando ele morreu. Tudo isto era periférico à história principal do confronto entre Tom e o mau da fita, Liberty Valance, mas eu não conseguia não olhar para Pompey. Lembro-me de pensar: o Pompey é a Lola, a Lola é o Pompey.

Uma noite, o meu pai chegou a casa e descobriu que a minha irmã Ling, que tinha na altura nove anos, não tinha jantado. Gritou com Lola por ser preguiçosa e não fazer o seu dever. “Eu tentei dar-lhe o jantar”, balbuciou Lola, enquanto o pai ralhava. Aquela aparência frágil de Lola só lhe acicatava a fúria e foi quando lhe deu um valente soco mesmo por debaixo do ombro. Lola fugiu a correr da sala, mas eu conseguia ouvir os seus gemidos de dores, um som gutural que mais parecia um animal.

“A Ling disse que não tinha fome”, meti-me eu.

Os meus pais olharam para mim, surpresos. Comecei a sentir aquela comichão na cara que normalmente precedia as lágrimas, mas não, desta vez não ia chorar. Os olhos da minha mãe transmitiam algo que nunca antes tinha presenciado: seria inveja?

“Estás a defender a tua Lola?”, perguntou-me o meu pai. “É isso?”
“A Ling disse que não tinha fome”, sussurrei.

Tinha 13 anos e era a primeira vez que me via a defender a mulher que passava os dias a tomar conta de mim. A mulher que me embalava com músicas filipinas até eu adormecer, e que me vestia, me dava de comer, me levava para a escola pela manhã e me ia buscar pela tarde. Uma vez, adoeci durante muito tempo e fiquei demasiado fraco para comer - Lola mastigava a comida por mim e dava-me pedacinho a pedacinho à boca. Houve um Verão em que tive de ficar com gesso nas duas pernas, por causa de problemas nas articulações, e Lola lavava-me com um pano, dava-me os medicamentos a meio da noite e ajudou-me durante a reabilitação. Foram meses de rabujice, mas ela nunca se queixou, nunca perdeu a paciência. Nunca.

Ouvi-la agora a gemer enchia-me de raiva.

Um segredo

Nas Filipinas, os meus pais não sentiam necessidade de esconder a forma como tratavam Lola. Chegados aos Estados Unidos, tratavam-na ainda pior, mas procuravam escondê-lo. Se tínhamos visitas, esforçavam-se por ignorá-la; se alguém lhes perguntava alguma coisa, apressavam-se a mentir ou mudavam de assunto. Durante o tempo em que vivemos a norte de Seattle, dávamo-nos muitos com os Missler, uma família de oito que vivia do outro lado da rua. Foram eles que nos fizeram descobrir a mostarda, que nos levaram pela primeira vez à pesca de salmão, com quem aprendemos a cortar a relva. Víamos juntos os jogos de futebol americano na televisão e berrávamos em insultos aos jogadores. Durante os jogos, quem aparecia para nos dar comida e servir era Lola, claro. Os meus pais sorriam, agradeciam-lhe e ela desaparecia. “Quem é aquela senhora na cozinha?”, perguntou uma vez Jim, o patriarca dos Missler. “Uma pessoa da família”, respondeu-lhe o meu pai. “É muito tímida.”

Billy Missler, o meu melhor amigo, não foi na conversa. Passava demasiado tempo connosco, às vezes fins-de-semana inteiros. Aqui e ali, foi-se inteirando do nosso segredo. Uma vez, quando ouviu a minha mãe aos gritos na cozinha, foi espreitar o que se passava e viu Lola a tremer a um canto. Eu entrei uns segundos depois. O olhar do Billy era uma mistura de embaraço e perplexidade. “O que foi aquilo?” Ignorei, disse-lhe que esquecesse.

Acho que o Billy tinha pena da Lola. Adorava a comida dela, fazia-a rir como ninguém. Sempre que ele ficava para dormir lá em casa, Lola fazia-lhe o prato filipino preferido, beef tapa com arroz branco. Cozinhar era a única eloquência de Lola, a forma como expressava se estava tão-somente a não nos deixar morrer à fome ou se queria mesmo dizer que gostava muito de nós. Uma vez disse a Billy que Lola era uma tia de uma parte mais afastada da família. “Da primeira vez que nos vimos, disseste que era a tua avó.”

“Bem, ela é um pouco das duas”, e deixei ficar um tom misterioso no ar.
“Porque é que ela está sempre a trabalhar?”
“Ela gosta de trabalhar.”
“Os teus pais, por que é que lhe gritam?”
“Já não ouve muito bem.”

Admitir a verdade tinha como consequência a exposição da família, de todos nós. Passámos a primeira década nos Estados Unidos a aprender a cultura e os costumes e a tentar encaixar. Ter uma escrava não se enquadrava. Ter uma escrava levantava-me enormes dúvidas quanto ao tipo de pessoas que éramos, quanto ao sítio de onde vínhamos. Se merecíamos ser aceites. Tinha vergonha de tudo, incluindo da minha cumplicidade. Não me alimentava com a comida que ela nos cozinhava? Não me vestia com as roupas que ela lavava, passava e pendurava no armário? Mas perdê-la teria sido devastador.

Estatuto legal

Havia mais uma razão para tanto secretismo: os documentos de Lola tinham expirado em 1969, cinco anos depois de termos chegado aos EUA. Ela tinha entrado com um passaporte especial, providenciado pelo trabalho do meu pai. Depois de vários desentendimentos com os seus superiores, o meu pai demitiu-se do consulado e declarou que pretendia permanecer no país. Arranjou um visto permanente de residente para ele e para a família, mas Lola não era elegível. O meu pai deveria mandá-la de volta para as Filipinas.

A mãe de Lola, Fermina, morrera em 1973. O pai, Hilario, em 1979. De ambas as vezes, Lola tentou desesperadamente ir a casa. De ambas as vezes, os meus pais pediram “desculpa” mas alegaram que não havia dinheiro e que as crianças precisavam dela. Também eles tinham medo, admitiram-me mais tarde. Se as autoridades descobrissem a situação em que Lola se encontrava — e não haja dúvidas de que descobririam mal ela tentasse sair do país —, os meus pais ficariam num grande sarilho, se calhar até ameaçados de deportação. Não podiam arriscar. O estatuto legal de Lola passou a ser o que os filipinos chamam tago nang tago, ou TNT — “em fuga”. Lola foi considerada TNT por 20 anos.

Quando os pais dela morreram, Lola passou meses sorumbática, silenciosa.

A demissão do meu pai deu início a um período turbulento. Havia ainda menos dinheiro a entrar e os meus pais discutiam imenso. Fizeram-nos mudar de casa vezes sem conta, de Seattle para Honolulu, de volta a Seattle, para o sul de Bronx e finalmente para a cidade de Umatilla, no Oregon, com uma população de 750 pessoas. Durante estas andanças, a minha mãe trabalhava muitas vezes em turnos de 24h como médica assistente e o meu pai desaparecia durante dias para fazer trabalhos que, viemos a descobrir mais tarde, não passavam de engates a mulheres e sabe-se lá que mais. Uma vez, chegou a casa e disse-nos que tinha perdido a nossa carrinha nova a jogar blackjack.

Durante dias a fio, Lola era a única adulta que tínhamos em casa. Ficou a saber mais sobre as nossas vidas do que alguma vez os pais viriam a saber. Trazíamos amigos para casa e ela ouvia-nos a falar sobre a escola, raparigas, rapazes e tudo quanto nos ia pela cabeça. Só pelas conversas a que assistia, era capaz de enumerar todos os primeiros nomes das raparigas por quem tive paixonetas até ao secundário.

Quando eu tinha 15 anos, o meu pai deixou-nos de vez. Na altura nem quis acreditar no que nos estava a acontecer, que ele nos abandonava a todos, a nós, as crianças, e à minha mãe depois de 25 anos de casados. Só no ano seguinte é que a minha mãe viria a acabar a especialidade em Medicina Interna, que não era propriamente lucrativa. O meu pai não contribuía com pensão de alimentos e, por isso, dinheiro era sempre um problema.

Durante o dia a minha mãe conseguia controlar-se minimamente para manter alguma sanidade mental e trabalhar, mas à noite sucumbia à autocomiseração e ao desespero. A sua principal fonte de apoio durante todo este tempo: Lola. Quando a minha mãe se chateava com ela por coisas sem importância, Lola extremava os cuidados, cozinhava-lhe os seus pratos preferidos, arrumava-lhe o quarto com cuidados extras. À noite, na cozinha, ia dar com elas a contar histórias sobre o meu pai, por vezes riam-se, outras enraiveciam-se com as suas maluquices. Quase nem davam por nós, crianças, a entrar e a sair.

Uma noite, ouvi a minha mãe a chorar e corri para a sala. Estava desolada nos braços de Lola, que lhe falava carinhosamente, da mesma forma que fazia comigo e com os meus irmãos quando éramos pequenos. Fiquei a observá-las durante uns momentos e depois regressei ao meu quarto, com medo pelo sofrimento que a minha mãe estaria a passar e pasmado com a Lola.

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Vulcão Pinatubo ao fundo, aponta o motorista que conduz Alex Tizon à aldeia natal de Lola Getty Images

A caminho

O “Doods” trauteava. Eu tinha adormecido por breves minutos e acordei ao som da sua cantarolice bem-disposta. “Mais duas horas”, disse-me. Verifiquei se a caixa de plástico ainda estava no saco ao meu lado no assento e contemplei a estrada que tinha pela frente. A auto-estrada MacArthur. Espreitei o relógio. “Já tinha dito ‘duas horas’ há duas horas”, retorqui. “Doods” continuou a trautear.

Ele ignorava o propósito da minha viagem e isso era um alívio. Já tinha diálogos internos suficientes a correrem-me nas veias. Não era melhor do que os meus pais. Podia ter feito mais para libertar Lola. Podia ter melhorado a sua vida. Por que não o fiz? Se calhar, até podia ter denunciado os meus pais. Claro que teria destruído a família no ápice de um segundo. Assim, mantendo como mantivemos eu os meus irmãos tudo escondido dentro de nós, a nossa família foi-se desfazendo aos poucos.

Eu e “Doods” tínhamos pela frente uma paisagem maravilhosa. Não a beleza típica que é vendida nos folhetos das agências de viagem mas um país autêntico, vivo — e extraordinariamente desafogado por comparação com o ambiente urbano. De um lado e outro da auto-estrada, correm em paralelo montanhas, as Zambales para oeste; a Cordilheira de Sierra Madre para este. De cume em cume, de este a oeste, consegue-se ver toda a paleta de verdes até quase ao preto.

“Doods” apontou para uma linha sombria à distância. O vulcão Pinatubo. Já aqui tinha vindo, em 1991, para escrever sobre os rescaldos da erupção, a segunda maior do século XX. Mantos de lava chamados lahars continuaram, por mais de uma década, soterrando aldeias antigas, preenchendo rios e vales e acabando com ecossistemas inteiros. Os lahars chegaram aos contrafortes da província de Tarlac, onde os pais de Lola tinham passado a vida inteira e onde a minha mãe e o meu pai outrora viveram juntos. Tanta da história da nossa família fora perdida em guerras e cheias e agora partes ficavam soterradas sob seis metros de lama.

Aqui, convive-se diariamente com cataclismos. Tufões assassinos que atacam várias vezes ao ano. Insurgências sem fim de bandidos. Montanhas adormecidas que um dia decidem acordar. As Filipinas não são como a China ou o Brasil, cuja dimensão consegue absorver os episódios traumáticos. Esta é uma nação de rochas espalhadas pelo oceano. Quando acontece algum desastre, vai-se ao fundo. Depois volta-se à superfície, a vida continua e é possível contemplar o cenário que desfilava perante mim e “Doods”. O simples facto de ainda ali estar é já por si maravilhoso.

Um novo homem e um adeus à Mãe

Uns anos depois de os meus pais se separarem, a minha mãe voltou a casar e exigiu a fidelidade de Lola ao seu novo marido. Ivan era um emigrante croata que lhe tinha sido apresentado por um amigo. Nunca acabou a escolaridade obrigatória, já tinha sido casado quatro vezes, era um jogador compulsivo cujas ambições não aspiravam além de ser sustentado (pela minha mãe) e servido (pela Lola).

Ivan fazia sobressair em Lola um lado que eu lhe desconhecia. Desde o primeiro dia que o casamento dele com a minha mãe se revelou muito instável e o dinheiro, ou o mau uso que ele fazia do dinheiro da minha mãe, era o principal problema. Uma vez, durante uma discussão na qual a minha mãe estava a chorar e o Ivan a gritar, Lola meteu-se entre os dois. Virou-se para ele e disse o seu nome de uma forma tão assertiva que ele pestanejou e sentou-se. Eu e a minha irmã Inday ficámos estarrecidos. Ivan, que era homem para uns 113 kg e tinha um tom de barítono que fazia estremecer as paredes, tinha sido metido na ordem com uma única palavra de Lola. Voltei a ver isto acontecer umas quantas vezes, se bem que na maior parte do tempo ela o servisse sem o questionar, como era vontade da minha mãe. Passei um mau bocado por assistir à vassalagem a que Lola se prestava, sobretudo perante alguém como Ivan. Mas o que me virou contra a minha mãe foi, afinal, algo muito mais comezinho.

Ela ficava furiosa de cada vez que Lola adoecia. Não queria ter de assumir que teria despesas médicas para pagar nem o quanto isso lhe perturbava a rotina. Acusava-a de ser uma fingida, de não saber cuidar de si. No final dos anos 1970, os dentes de Lola começaram a cair. Lembro-me que durante meses Lola se tinha queixado de dores na boca. “É o que acontece quando não se escovam os dentes como deve ser”, disse-lhe a minha mãe.

Eu respondi que Lola precisava de ir a um dentista, que era uma mulher que já ia nos seus 50 e nunca tinha ido a uma consulta. Estava na universidade, à distância de uma hora de casa, mas sempre que lá ia lembrava a minha mãe desta urgência. Passou-se um ano, passaram-se dois. Todos os dias Lola tomava uma aspirina para aguentar as dores e a boca dela parecia um Stonehenge a colapsar. Uma noite, depois de a ver mastigar um bocado de pão com o lado da boca em que ainda tinha uns molares, perdi as estribeiras. Foi uma noite de discussão acesa entre mim e a minha mãe, cada um a esgrimir argumentos. Dizia que estava exausta por ter de trabalhar tanto para suportar toda a gente; farta por todos os seus filhos serem os primeiros a tomar as dores de Lola; se então não queríamos ser nós a ficar com Lola, uma vez que ela própria nem nunca a quis aceitar; como era possível ter dado à luz um arrogante, hipócrita, falso filho como eu...

Deixei-a falar.

Só depois lhe atirei que sim, ela devia saber melhor do que eu o que era ser impostor; que a sua vida tinha sido uma farsa; que se parasse um minuto que fosse com a autocomiseração rapidamente se aperceberia de que Lola mal conseguia alimentar-se porque todos os dentes lhe apodreciam na boca; que pelo menos uma vez na vida podia olhar para Lola como um ser humano ao invés da escrava que manteve toda a vida para a servir.

“Uma escrava”, anuiu a minha mãe. “Uma escrava?”

A noite terminou quando me disse que eu nunca iria entender a relação que tinha com Lola. Nunca. Ainda hoje, anos e anos depois, sinto um murro no estômago quando me lembro daquele tom cheio de raiva. Odiar a nossa mãe é uma coisa medonha. Foi o que me aconteceu naquela noite. Pelo olhar dela, percebi que era recíproco.

Aquela guerra entre nós serviu para agigantar os receios da minha mãe de que Lola lhe tinha roubado os filhos. E não tardou a fazê-la pagar por isso. Tornou-se ainda mais dura. Atormentava-a dizendo-lhe: “Espero que estejas feliz agora que voltaste os teus meninos contra mim.” Espumava sempre que ajudávamos Lola com a lida da casa. Sarcástica, dizia-lhe: “Acho melhor ires para a cama. Tens trabalhado tanto. Os teus meninos andam preocupados contigo.” Depois, agarrava em Lola e enfiava-a num dos quartos até ela sair de lá com os olhos marejados.

Foi Lola quem nos suplicou para pararmos de a tentar ajudar. Por que é que ainda ficas aqui?, perguntávamos-lhe. “E quem é que vai cozinhar”, uma pergunta que eu tomava por outra “Quem é que vai fazer tudo e mais alguma coisa?” Quem é que vai tomar conta de nós? Da vossa mãe?

Houve um dia que Lola também disse: “E para onde iria eu?” Isto tocou-me fundo. A vinda para a América tinha sido um impulso maluco e antes de o diabo esfregar um olho já uma década se havia passado. Aliás, já quase duas. O cabelo de Lola estava a ficar esbranquiçado. Ela sabia que os familiares lá na aldeia natal se deveriam interrogar sobre que raio lhe teria acontecido e sobre as razões pelas quais ela acabou por nunca cumprir a promessa. Porque tinha vergonha de voltar.

Despedidas

Lola não tinha qualquer amigo na América. Não saía muito à rua. Os aparelhos de telefone faziam-lhe confusão. Tudo quanto fosse mecânico ou tivesse um teclado era suficiente para a deixar em pânico — uma ATM, uma máquina de venda de refrigerantes, um intercomunicador. Se alguém falava demasiado depressa, quedava-se muda — o seu inglês mal amanhado causava a mesma sensação nos outros. Não era capaz de marcar uma consulta, de tratar de uma viagem, de preencher um formulário, de encomendar uma refeição.

Arranjei-lhe um cartão de débito associado à minha conta e ensinei-a a usá-lo no multibanco. Conseguiu à primeira, mas atrapalhou-se quando foi tentar de novo e nunca mais lhe pegou. Mantinha o cartão apenas porque o considerava um presente que eu lhe tinha dado.

Também tentei ensiná-la a conduzir. Acenou logo que não queria, nem pensar. Mas fi-la sentar-se no banco de condutor, os dois mortos de riso, e passei 20 minutos a mostrar-lhe todos os botões do tablier. Os olhos dela reviravam entre o divertido e o estarrecido. Quando liguei a ignição e o painel de instrumentos se iluminou, desapareceu aterrada para dentro de casa. Ainda tentei mais umas quantas vezes.

Pensei sempre que se a ensinasse a conduzir podia mudar-lhe a vida. Seria capaz de passear mais. Seria até capaz de fugir dali para fora caso a situação com a minha mãe se deteriorasse de vez.

De quatro faixas de rodagem passámos a duas, a gravilha veio substituir o cimento. Os motociclos atravessavam-se à frente dos carros, búfalos cruzavam-se connosco sob o peso dos fardos de bambu. De vez em quando, um cão ou uma cabra atreviam-se a atravessar-se no caminho, escapando por uma unha negra a estatelarem-se contra o pára-choques. O nosso destino era a aldeia de Mayantoc, que tentei escrutinar no mapa. Olhando para fora via pequeníssimas figuras, sempre dobradas. Pessoas no cultivo do arroz, mantendo uma tradição de séculos. Devíamos estar a chegar.

Dei umas pancadinhas na caixa de plástico barata a pensar se ao menos não deveria ter investido numa urna a sério, feita de louça ou de mogno. O que poderiam pensar os familiares de Lola? Não que sobrassem muitos, é um facto. Apenas uma irmã, a Georgina, com 98 anos, se mantinha na região, e pelo que eu sabia já tinha muitas falhas de memória. Diziam-me alguns familiares que mal Georgina ouvia o nome de Lola rompia em choro, mas segundos depois nem sabia apontar a razão do seu choro.

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Alex Tizon com Lola, que passou a viver com ele quando tinha 75 anos the atlantic/cortesia família de alex tizon

Elogios fúnebres

Tinha-me mantido em contacto com uma das sobrinhas de Lola. Era ela que tinha planeado o que iria acontecer mal eu chegasse: seria recebido com uma discreta cerimónia, seguir-se-ia um momento de oração findo o qual as cinzas desceriam à terra no cemitério de Mayantoc. Lola tinha morrido cinco anos antes, mas eu sabia que na verdade não me tinha despedido dela. Ainda sentia uma profunda tristeza por a ter perdido, como se ela tivesse morrido na véspera, e esse sentimento era mais forte do que a vergonha que também sentia pela forma como Lola tinha sido tratada pela minha família ou mesmo a ansiedade que me batia no coração só de pensar como seria recebido pelos familiares dela.

“Doods” virou para noroeste na auto-estrada Romulo, na aldeia de Camiling, guinou à esquerda — era a terra natal do tenente Tom e da minha mãe. Duas faixas de rodagem confluíram numa só e a gravilha deu lugar a terra batida. O caminho seguia o curso do rio Camiling. De um lado, víamos aglomerações de casas em bambu, ao fundo, montanhas verdejantes. Estávamos quase.

No funeral da minha mãe, coube-me o elogio fúnebre. Só disse a verdade. Que ela tinha sido corajosa e animada de boa vontade, que algumas opções podiam não ter sido as melhores, mas era o que estava ao seu alcance; que tinha um ar radiante sempre que estava feliz, que adorava os filhos e, já nos anos 1980 e 90, conseguira dar-nos uma base permanente, em Salem, no Oregon, a casa que não tínhamos tido. Que gostaria que ainda tivéssemos, todos nós, a oportunidade para nos despedirmos dela uma última vez. Que a amávamos.

Não mencionei Lola. Nos últimos anos de vida da minha mãe, evitava trazer Lola para dentro das nossas conversas. Saber manter os laços filiais e já agora alguma sanidade mental implicava proceder de forma quase cirúrgica. Sobretudo quando a saúde da minha mãe se começou a deteriorar: diabetes, cancro na mama, leucemia mielóide aguda, um cancro galopante nas células sanguíneas e na medula óssea.

Depois daquela nossa grande discussão, eu evitava ir a casa. Aos 23 anos, mudei-me para Seattle. Sempre que ia de visita, apercebia-me de que algo estava a mudar. A minha mãe continuava a mesma, claro, mas talvez já não tão implacável. Providenciou uma prótese dentária para Lola e arranjou-lhe um quarto. Quando eu e os meus irmãos combinámos que tudo faríamos para mudar o estatuto TNT de Lola, a nossa mãe mostrou-se cooperante. A reforma da Lei da Imigração sancionada por Ronald Reagan em 1986 deu a amnistia a milhões de imigrantes ilegais. O processo para legalizar Lola foi longo, mas em 1998 ela era finalmente uma cidadã americana, precisamente quatro meses antes de  a nossa mãe ser diagnosticada com leucemia. Restou-lhe mais um ano de vida.

Memórias

Durante o tempo da doença, ela e Ivan viajavam para Lincoln City, na costa do Oregon, e às vezes levavam Lola com eles. Lola deleitava-se com o oceano. Do outro lado ficavam as ilhas para onde ela um dia quereria voltar. Quando Lola sentia a minha mãe descontraída, também ela ficava feliz e esquecia-se dos anos de tormento. Fosse numa tarde que passava à beira-mar ou enfiada na cozinha, onde ela e a minha mãe desfiavam memórias dos tempos nas Filipinas.Já a mim, não me era fácil esquecer. Mas é verdade que acabei por ver a minha mãe sob outro prisma. Antes de morrer, deixou-me os seus diários, dois malões atafulhados. Ao lado dela, à espera que adormecessse, ia folheando aqueles cadernos e vislumbrando pedaços de uma vida que eu próprio durante anos me tinha recusado a ver. Conseguiu ir para Medicina numa altura em que poucas mulheres o faziam. Na América, batalhou para ser reconhecida como mulher e como médica imigrante. Ao longo de duas décadas, trabalhou no Fairview Training Center, em Salem, uma instituição para deficientes mentais e motores. Ironia: até na sua vida profissional parecia haver uma queda para os mais frágeis da sociedade. Era uma pessoa respeitada e adorada no centro. Algumas das suas amigas mais íntimas eram colegas de trabalho. Quando estavam juntas, faziam coisas típicas de mulher — iam para as lojas comprar sapatos, organizavam festas em traje a rigor nas casas umas das outras, trocavam entre si prendas completamente patetas e inúteis como sabonetes em forma de pénis e calendários com homens seminus. Era um regabofe total. Ao ver aqueles álbuns de fotografia, percebi também que a minha mãe tinha uma identidade própria, uma vida à parte da da família ou da de Lola.

A nossa mãe era profícua e prolixa sobre cada um dos filhos — cadernos cheios com referências ao que tinha sentido ou pensado num determinado dia, se tinha ficado orgulhosa, carinhosa, furiosa. Também mantinha cadernos e cadernos sobre os maridos, procurando encaixar figuras tão complexas na sua própria narrativa. Todos nós cabíamos nas suas memórias. Lola era acidental. E quando aparecia era como se fosse uma personagem que pertencia a outra história. “Esta manhã, Lola levou o meu muito querido Alex à sua nova escola. Espero que muito rapidamente consiga fazer amigos para não se sentir tão frustrado por termos mudado de novo de casa.” É bem capaz de haver mais umas duas páginas sobre mim mas nada sobre Lola.

Na véspera de a minha mãe morrer, um padre católico veio a nossa casa para lhe dar a extrema-unção. Lola sentou-se de um lado da cama a segurar numa caneca com palhinha pronta a levar aos lábios da minha mãe. Tinha-se tornado uma pessoa que lhe era muito dedicada, extremamente amável. Poderia ter-se vingado, poderia ter-se aproveitado da fragilidade da minha mãe. Fez precisamente o oposto.

O padre perguntou à minha mãe se havia alguma coisa que merecesse o seu perdão, ou alguém a quem quisesse perdoar; se havia alguma coisa sobre a qual quisesse ser perdoada. A minha mãe passou os olhos pelo quarto e nada disse. A seguir, levantou a mão e sem mesmo olhar para Lola pousou-lha na cabeça. Não disse uma palavra.

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Lola com 82 anos. A the atlantic/cortesia família de alex tizon

Aprender a viver

Lola estava com 75 anos quando passou a viver comigo. Eu era casado, pai de duas meninas e vivia numa simpática e confortável casa rodeada de verde. No segundo piso, a vista alcançava o estreito de Puget (enseada na costa noroeste dos Estados Unidos à beira do Pacífico). Lola tinha o seu quarto e toda a liberdade para fazer o que bem lhe apetecesse: dormir, ver telenovelas ou simplesmente passar os dias sem fazer nada. Pela primeira vez em toda a sua vida, podia relaxar e ser livre. Devia ter-me apercebido de que não iria ser fácil.

Tinha apagado da memória todas as pequeninas coisas que Lola fazia que me punham doido. Como estar sempre a alertar-me para vestir uma camisola para não ficar engripado (eu já ia nos meus 40 e muitos). Ou passar a vida a tecer comentários sobre o meu pai e o Ivan: o meu pai porque era um preguiçoso, o Ivan porque era um parasita. Esses pormenores aprendi a ignorar, a não valorizar. Mas tornava-se quase impossível lidar com a sua obsessão pela reciclagem. Não era capaz de deitar nada para o lixo. Até ia vasculhar no caixote para ver se tínhamos deitado fora alguma coisa que ainda pudesse ser aproveitada. Usava vezes sem conta o mesmo papel de cozinha até se lhe desfazer entre os dedos (claro que todos nós evitávamos aproximar-nos daquilo). A cozinha ficava atafulhada com sacos de plástico de mercearias, recipientes de iogurte, frascos de geleia. Lixo por todo o lado — não há outra palavra para definir o acumular de tanta porcaria.

Lola continuava a fazer-nos o pequeno-almoço, mesmo sabendo que comíamos apenas uma banana ou uma barrita de cereais enquanto corríamos porta fora. Fazia-nos a cama e tratava da nossa roupa. Limpava a casa. Cheguei a dar comigo a dizer-lhe, a princípio de uma forma doce: “Lola, nós tratamos disso. Faz parte das tarefas das miúdas.” Ela aquiescia, mas continuava a fazer tudo.

Depois de vários meses, e já irritado por a ver comer de pé na cozinha, fi-la sentar-se e ouvir-me. “Eu não sou como o meu pai. Tu não és a nossa escrava”, e debitei-lhe o rol de coisas que eram na verdade trabalho de serviçal. Olhou-me estupefacta. Respirei fundo, agarrei naquele rosto frágil entre as minhas mãos e dei-lhe um beijo na testa. “Esta é a nossa casa agora. Não estás aqui para ser a nossa empregada. Podes relaxar, por favor?”

“Está bem”, respondeu-me. E voltou às limpezas.

Pura e simplesmente, Lola não sabia ser de outra forma ou pensar que lhe poderia caber outro lugar no mundo que não aquele que conheceu toda uma vida. Às tantas, era eu próprio quem deveria estar a aproveitar o conselho e relaxar. Se ela queria fazer o jantar, deixá-la. A mim caber-me-ia agradecer e lavar a loiça. E lembrar-me a toda a hora que tinha de a deixar ser quem ela era.

Uma noite, quando cheguei a casa, dei com Lola a fazer palavras cruzadas, os pés reclinados, a televisão ligada, uma chávena de chá ao lado. Deitou-me um olhar carinhoso e continuou a resolver as palavras cruzadas. Pensei: estamos a fazer progressos.

Lola passava as tardes a semear no quintal das traseiras — conseguiu ter o seu jardim repleto de rosas, tulipas e algumas espécies de orquídeas. Dava longos passeios pelas redondezas. Chegada aos 80, as artrites obrigaram-na a socorrer-se de uma bengala. Na cozinha, tinha-se tornado uma espécie de chef que só cozinhava quando bem lhe apetecia. Fazia pratos sumptuosos e deleitava-se a ver-nos deleitados na degustação.

Quando me aproximava da soleira da porta do seu quarto, percebia que ela tinha em repeat a mesma cassete de música folk filipina. Eu e a minha mulher pagávamos-lhe 200 dólares por semana [aproximadamente 180 euros], que ela mandava quase todo para os familiares. Uma tarde fui dar com ela no quintal a olhar embevecida para um cartão postal com a fotografia da sua aldeia natal que alguém lhe tinha enviado. “Lola, estás com vontade de ir para casa?” Ela revirou a fotografia, esfregou delicadamente o dedo numa inscrição que vinha no cartão e deteve-se num pormenor. “Sim”, respondeu-me. Quando fez 83 anos, paguei-lhe a viagem de volta. Eu próprio seguiria um mês depois para a trazer — se ela assim o quisesse. Nem eu nem ela alguma vez confessámos que esta viagem tinha uma intenção por detrás: perceber se a “casa”, para onde desejou toda a vida voltar, ainda era a sua “casa”.

Foi Lola sozinha que encontrou a resposta.

“Já nem tudo é o mesmo”, dizia-me enquanto percorríamos as redondezas de Mayantoc. As velhas quintas tinham desaparecido. A casa dela também. Os pais e a maioria dos seus irmãos tinham morrido. Os que restavam das suas amizades da infância eram uns estranhos. Era bom revê-los, mas nada era de facto o mesmo. A sua vontade seria passar aqui os últimos anos da sua vida, mas isso era algo para o qual não estava ainda preparada.

“Queres voltar para o teu jardim?”, perguntei.
“Sim. Vamos para casa.”

Que vida privada?

Lola era de uma dedicação extrema às minhas filhas, tal como tinha sido para mim e para os meus irmãos quando éramos crianças. Quando as miúdas regressavam a casa depois da escola, ficava a ouvir as histórias que elas tinham para contar e alimentava-as. Ao contrário da minha mulher — e, sobretudo, de mim — adorava cada minuto de compromissos sociais exigidos pela escola, cada performance e apresentação — aliás, era a primeira a sentar-se nos lugares dianteiros e guardava o programa dos espectáculos como uma lembrança preciosa para o futuro.

Era fácil fazê-la feliz. Uma viagem de férias connosco deixava-a tão satisfeita quanto uma ida ao mercado no final da rua. “Olha só para aqueles zucchinis!”, e parecia uma criança num campo de férias. Todas as manhãs, a primeira coisa que fazia era levantar as persianas da casa e em cada janela demorar-se a contemplar a paisagem lá fora.

Aprendeu a ler sozinha, o que só por si já é um acontecimento extraordinário. Ao longo dos anos, e sem que percebêssemos como, ela lá conseguiu desembaraçar-se a ler cartas. Fazia aqueles puzzles em que é preciso descortinar palavras no meio de um amontoado de letras e tinha uma imensidão desses livrinhos de exercícios no quarto, muitas e muitas palavras rodeadas a lápis de carvão. Todos os dias via os telejornais e tentava perceber palavras que lhe fossem familiares. Depois, pegava num jornal e via se conseguia identificar as mesmíssimas palavras. Acabou por conseguir ler um jornal de fio a pavio. O meu pai costumava dizer que ela era uma mulher simplória. Questiono-me ainda hoje onde poderia Lola ter chegado se aos oito anos, em vez de andar nos campos de arroz, tivesse aprendido a ler e a escrever.

Nos 12 anos em que viveu connosco, fiz-lhe muitas perguntas para tentar compor uma narrativa da sua vida. Ela achava isto estranhíssimo e antes de aceder a responder-me, mal eu começava no meu rol inquisitorial, interrogava-me: “Porquê, para que queres saber sobre a minha infância ou sobre a maneira como conheci o tenente Tom?”

Ainda tentei, sem sucesso, que fosse a minha irmã Ling a fazer-lhe perguntas sobre a sua vida amorosa. Num belo dia, enquanto eu e Lola arrumávamos as mercearias acabadas de comprar, perguntei-lhe: “Lola, alguma vez estiveste numa situação mais romântica?” Ela sorriu e contou-me sobre a altura da sua vida em que quase chegou a ter um romance. Estava por volta dos seus 15 anos e havia um bonito rapaz, de nome Pedro, que vivia numa quinta nas redondezas. Durante meses, os dois estiveram lado a lado a apanhar arroz. Lola lembra-se do dia em que deixou cair o seu bolo — uma espécie de faca afiada como um pequeno sabre —, que ele se apressou a apanha e entregar. “Gostei dele”, confessou-me.

Silêncio.

“E o que aconteceu a seguir?”
“Foi-se embora”
“E?”
“É o fim da história.”

Quase me oiço a mim próprio a perguntar: “Lola, alguma vez tiveste sexo?”

“Não”, respondeu-me.

Ela não estava, de todo, habituada a esta invasão da sua vida privada. “Katulong lang ako”, diria. “Sou apenas a criada.” Falava por monossílabos e chegar a alguma conclusão na mais banal das histórias era passar por um interrogatório de mais de 20 perguntas que poderia durar dias, semanas.

Aquilo que fui aprendendo: que ela ainda sentia raiva por a minha mãe a ter feito passar por tamanhas crueldades ao longo de tanto tempo (e contudo sentia umas saudades incríveis dela); que em miúda chegou a sentir-se tão só que se refugiava no choro; que durante anos sonhou em ter um homem — algo que, lembro agora, concluí quando a vi agarrada a uma almofada durante a noite — mas depois de estar tão perto dos casamentos da minha mãe pensava que afinal era uma bênção estar sozinha. Se havia alguém de quem ela não tinha saudade alguma, era daqueles dois homens. Sim, talvez a sua vida tivesse sido melhor se tivesse permanecido em Mayantoc e se tivesse casado para ter uma família como aconteceu com os seus irmãos. E daí, talvez tudo tivesse sido muito pior. Francisca e Zepriana, duas das irmãas mais novas de Lola, morreram logo após terem adoecido. Claudio, um dos irmãos, foi morto. Perguntava-me Lola: “Aonde é que nos leva estarmos agora  a pensar nisso?” “Bahala na”, aconteça o que tiver de acontecer, era o seu mantra. Aquilo que acabou por lhe acontecer a ela foi uma outra espécie de família. Uma família na qual teve oito filhos: a minha mãe, eu e os meus quatro irmãos, e agora ainda duas filhas (as minhas). E estes oito, dizia ela, chegaram e sobraram para lhe encher a vida.

E nenhum de nós estava preparado para que morresse. Tão cedo.

Começou a ter um ataque cardíaco enquanto nos cozinhava o jantar. Lembro-me de que fiquei meio atarantado, sem saber o que fazer. Umas horas mais tarde, já no hospital, ainda atordoado, já ela tinha partido. Eram 22h56. Ela e a minha mãe morreram na mesma data, 7 de Novembro, 12 anos a separá-las.

Lola chegou aos 86 anos. Lembro-me de a ver na maca. Lembro-me de pensar que os médicos que se lhe abeiravam não tinham a mais pálida ideia do que tinha sido a vida daquela mulher morena num corpo de criança. Não sabia o que era egoísmo ou ambição. Foi o seu altruísmo que conquistou o nosso amor, a nossa lealdade e dedicação. Na minha imensa família, Lola alcançou um lugar sagrado.

Levei meses no sótão, à volta das suas caixas de recordações. Encontrei receitas culinárias que remontavam aos anos 1970, quando ainda nem adivinhava que algum dia seria capaz de as ler. Álbuns de fotografias com retratos da minha mãe. Prémios e galardões escolares meus e dos meus irmãos e que ela literalmente salvou do lixo. Numa dessas minhas investidas nocturnas no sótão, afundei-me em lágrimas quando descobri uma pilha de artigos de jornal, todos com o papel amarelecido, que já nem me lembrava de ter escrito. Na altura, sei que Lola não os conseguia ler, mas guardou-os para um qualquer futuro.

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Na chegada à aldeia de Mayantoc, campos de arroz a perder de vista. Seria a morada final para as cinzas de Lola, depois da cerimónia fúnebre JOHN JAVELLANA/reuters

“Onde está a Lola?”

A carrinha de “Doods” estacionou à beira de uma casa em betão que se distinguia das outras, na sua maioria em bambu e prensado de madeira. À volta, campos de arroz a perder de vista. Antes ainda de me apear, já as pessoas abriam as portas de casa. “Por aqui”, indicou-me uma voz doce que me levou até à entrada da casa. Na minha peugada estavam para cima de 20 pessoas, novos e velhos, sobretudo velhos. Franqueada a porta, percebo que os bancos corridos e as cadeiras foram dispostos junto às paredes para me deixarem o centro da sala. Permaneci de pé enquanto aguardava pelo anfitrião. Era uma sala escura e minúscula. Todos me deitavam um olhar expectante.

“Onde está a Lola?”, ouvi perguntar numa sala contígua. No minuto seguinte, entrou uma mulher de meia-idade enfiada num vestido de trazer por casa e um sorriso nos lábios. Era Ebia, a sobrinha de Lola. Estávamos em sua casa. Ela abraçou-me e repetiu: “Onde está a Lola?” Tirei o saco que trazia ao ombro e entreguei-lho. Enquanto me olhava nos olhos, sempre a sorrir, agarrou no saco, acariciou-o e foi-se sentar num banco de madeira. Tirou a caixa de dentro do saco, virou-a e revirou-a. “Onde está a Lola?”, perguntou de novo num tom suave. Neste lado do mundo, as pessoas não costumam ver os seus entes queridos feitos em cinzas. Creio que Ebia não sabia bem o que a esperava. Colocou a caixa no colo, reclinou-se e apoiou a testa. Pelo som que fazia, parecia estar a rir-se de felicidade. Estava a chorar. Os ombros estremeciam-lhe e depois saiu-lhe de dentro um som quase animalesco, o mesmo tipo de som que me lembro um dia de ter ouvido em Lola. Não sabia que poderia haver quem sentisse tanto a falta de Lola, se calhar foi por isso que me demorei a vir entregar as suas cinzas. Não estava à espera de assistir a este luto. Antes de conseguir confortar Ebia, uma mulher saiu da cozinha e apertou-a entre os braços e também começou num lamento profundo. A seguir, todo o quarto — os mais velhos, um deles cego, outros sem dentição — irrompeu nesse som interminável, todos choravam sem pudor, sem nada a esconder. Tudo isto demorou uns dez minutos e deixou-me de tal forma emocionado que nem me apercebi de que também eu chorava. Os soluços foram enfraquecendo até o silêncio se apoderar de novo do quarto.

Ebia fungou e anunciou que era altura de se comer alguma coisa. Todos se dirigiram para a cozinha, com os olhos inchados mas quase como se se sentissem mais leves e dispostos a conversar. Deitei um último olhar ao saco onde lhe carreguei as cinzas e tive a certeza de que fiz bem por trazer Lola de volta ao lugar onde nasceu.

Exclusivo PÚBLICO/ The Atlantic 

Notas finais sobre esta reportagem e o seu autor: Alex Tizon morreu em Março de causas naturais, durante o sono. Tinha 57 anos. Quando a revista The Atlantic, fundada em 1857 por abolicionistas da escravatura, soube da sua morte, tinha já decidido fazer capa com a história pessoal deste jornalista premiado com um Pulitzer e autor de Big Little Man: In Search of My Asian Self. Com a ajuda da mulher, Melissa, ultimaram a publicação. Como diz Melissa, citada na Nota da Direcção que acompanhou o artigo, “esta foi a sua última história, que andou a tentar escrever durante cinco ou seis anos”. A seguir à publicação, a revista recebeu inúmeros comentários, textos, emails, cartas e mantém uma linha aberta para feedback dos leitores.