Fisco investiga fugas de impostos no futebol português

Ronaldo foi ontem acusado, em Espanha, de fraude fiscal no valor de 14,7 milhões de euros. Administrações tributárias europeias coordenam-se na investigação de evasão fiscal no futebol. Portugal também participa.

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Cristiano Ronaldo com o seu empresário Jorge Mendes: o internacional português está na mira do fisco espanhol SERGIO PEREZ/REUTERS

A Autoridade Tributária portuguesa está a investigar eventuais fugas ao fisco por parte de clubes e jogadores de futebol no nosso país. Trata-se de uma operação à escala europeia, juntando diversas autoridades tributárias europeias na procura de pistas de evasão fiscal no mundo do futebol. Nestes primeiros meses de investigação, a espanhola é que, até ao momento, tem apresentado mais resultados, tendo condenado já vários jogadores com multas de milhões de euros e outras penas.

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A Autoridade Tributária portuguesa está a investigar eventuais fugas ao fisco por parte de clubes e jogadores de futebol no nosso país. Trata-se de uma operação à escala europeia, juntando diversas autoridades tributárias europeias na procura de pistas de evasão fiscal no mundo do futebol. Nestes primeiros meses de investigação, a espanhola é que, até ao momento, tem apresentado mais resultados, tendo condenado já vários jogadores com multas de milhões de euros e outras penas.

A coordenação das autoridades fiscais europeias permite cruzar informação sobre contratos de trabalho e transferências financeiras num mundo que é, também ele, cada vez mais globalizado. E passa a pente fino os rendimentos declarados, transferências de jogadores para o estrangeiro e outros acordos paralelos, como os de direito de imagem. Em Espanha, numa grande parte dos jogadores investigados (e alguns já condenados), foi precisamente nos contratos de direitos de imagem que foram encontradas as principais irregularidades.

A investigação começou já este ano, depois de no final de 2016 um consórcio internacional de jornais ter revelado documentos que mostravam um enorme esquema internacional de fuga ao fisco no mundo de futebol. No apelidado Football Leaks eram citados alguns jogadores e empresários portugueses, com destaque para Jorge Mendes, empresário de Cristiano Ronaldo e de outros importantes jogadores nacionais e estrangeiros.

Nessa altura, a Autoridade Tributária limitava-se a admitir que poderia lançar uma investigação. Pouco tempo depois decidiu mesmo avançar em força, como confirmou ontem o PÚBLICO.

Ontem, foi a vez de Cristiano Ronaldo ser formalmente acusado pelas autoridades espanholas de quatro delitos de fuga ao fisco. Estes actos terão sido cometidos entre 2011 e 2014 e envolverão uma fraude fiscal no valor 14,7 milhões de euros.

Verbas dos direitos de imagem em causa

Segundo revela o Ministério Público espanhol, Cristiano Ronaldo terá usado uma rede de sociedades criada em 2010 para ocultar ao fisco rendimentos provenientes dos direitos de imagem. O jogador tê-lo-á feito de “forma voluntária” e “consciente” de estar a violar os seus deveres fiscais em Espanha.

A denúncia, que tem por base uma informação recolhida pela Agência Estatal de Administração Tributária, revela que o jogador conferiu poder ao seu agente para fechar contrato com o Real Madrid entre 2009 e 2015, adquirindo posteriormente residência fiscal em Espanha.

Segundo o fisco, Ronaldo optou “expressamente” a 11 de Novembro de 2011 pelo regime fiscal espanhol, aplicado aos estrangeiros a residir no país. Esse regime permitia ao jogador português beneficiar de condições fiscais mais benéficas. Ronaldo teria de contribuir com 24% ou 24,75% dos seus rendimentos para os impostos em Espanha.

Uma das sociedades criadas por Ronaldo, com sede num paraíso fiscal, cedeu a exploração dos direitos de imagem do jogador a uma outra sociedade sediada na Irlanda com o nome Multisports&Image Management LTD.

Esta sociedade irlandesa foi quem “efectivamente” se dedicou a exploração dos direitos de imagem de Ronaldo, sem que a sociedade das Ilhas Virgens Britânicas tenha desenvolvido nenhuma actividade.

Esquema para ocultar dinheiro

Segundo o Ministério Público espanhol esta concessão de direitos à sociedade irlandesa era "completamente desnecessária” e apenas visava “a montagem de um esquema para ocultar à Administração Tributária a totalidade dos encaixes financeiros obtidos pelo jogador com os direitos de imagem”.

O fisco espanhol refere ainda que a declaração fiscal de Ronaldo de 2014 revelava rendimentos entre 2011 e 2014 de 11,5 milhões de euros “quando os rendimentos realmente obtidos em Espanha foram nesses três exercícios de 43 milhões de euros” - apenas em direitos de imagem.

Segundo a acusação, os valores da fraude terão sido 1,39 milhões de euros em 2011; 1,66 em 2012; 3,e milhões em 2013 e 8,5 milhões em 2014. Estas quantias superam os 120 mil euros anuais que convertem a fraude fiscal com uma pena de um a cinco anos de prisão.

Nesta declaração, acrescenta a acusação, os rendimentos obtidos foram declarados como sendo de capital mobiliário e não de actividades económicas, o que "permitiu diminuir consideravelmente” o total a cobrar.

Na sua acusação, o Ministério Público espanhol cita a sentença recente do Supremo Tribunal que confirmou a condenação a 21 meses de prisão a Leo Messi por ter defraudado o fisco em 4,1 milhões de euros obtidos através dos direitos de imagem.

Cenários negros

Segundo a agência noticiosa espanhola EFE citada pela Lusa, os técnicos do ministério das finanças (Gestha) advertiram em comunicado que o internacional português “poderia ser preso devido a quatro delitos ficais” e realçam que “as finanças apresentaram a denúncia antes de 30 de Junho” para evitar que prescreva o delito fiscal quanto ao imposto fiscal sobre não residentes (IRNR) de 2011.

De acordo com o Gestha, o madeirense “poderia ter cometido um delito fiscal em 2001, que é penalizado com um mínimo de um ano de prisão”.

Além disso, os delitos fiscais agravados de 2012, 2013 e 2014 superarão o valor anual de 600.000 euros, o que configura um crime que é punido “de dois a seis anos de prisão por cada um dos delitos”, o que implicaria um mínimo de sete anos.

O Gestha sublinha que o juiz “pode aplicar a atenuante muito qualificada de regularização extemporânea introduzida no código penal em 2013 e reduzir a pena a metade ou à quarta parte de cada delito fiscal se o futebolista reconhecer os factos e pagar os valores defraudados, os juros e multas no prazo máximo de dois meses desde a notificação judicial como investigado”.