Corbyn pode ter ficado em segundo, mas teve uma vitória em grande

"O que os resultados iniciais significam é que Corbyn tem mais vida do que alguma vez alguém pensou", diz Steven Fielding, historiador político na Universidade de Nottingham.

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Jeremy Corbyn FACUNDO ARRIZABALAGA/EPA

O Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn pode ter ficado em segundo lugar nas eleições britânicas desta quinta-feira, mas os resultados são um impressionante triunfo para o líder da esquerda que muitos acreditavam que estava a caminho do esquecimento político. O resultado foi o testemunho da notável campanha de Corbyn, que deu uma reviravolta nas expectativas de que Theresa May, a primeira-ministra conservadora, iria destruir o Partido Trabalhista.

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O Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn pode ter ficado em segundo lugar nas eleições britânicas desta quinta-feira, mas os resultados são um impressionante triunfo para o líder da esquerda que muitos acreditavam que estava a caminho do esquecimento político. O resultado foi o testemunho da notável campanha de Corbyn, que deu uma reviravolta nas expectativas de que Theresa May, a primeira-ministra conservadora, iria destruir o Partido Trabalhista.

As projecções baseadas nos resultados oficiais da maioria dos distritos colocam os conservadores no primeiro lugar com 318 lugares no Parlamento que reúne 650 membros, mas indicaram que o partido de May falhou na obtenção da maioria. O Labour conquistou 262 lugares, o que representa um ganho de dezenas de deputados.

Esta sexta-feira, no Norte de Londres, Corbyn proclamou um mar de mudanças na política britânica, afirmando que as pessoas estavam a "votar pela esperança no futuro e a voltar as costas à austeridade". May — disse o trabalhista — convocou as eleições para "afirmar a sua autoridade" mas deparou-se apenas "com perda de votos, perda de lugares e perda de apoio e de confiança". "Para mim, isto bastaria para me levar a pensar em ir-me embora", disse Corbyn. May, contudo, não só não se demitiu como anunciou que iria formar Governo com o apoio dos unionistas irlandeses.

Como os trabalhistas estavam a preparar-se para uma dura derrota, o resultado será interpretado pelos apoiantes de Corbyn como uma vitória clara para o combativo líder e para as suas ideias de esquerda. O resultado eleitoral pode, paradoxalmente, ser visto como a morte do Labour por aqueles que pretendem uma nova direcção para um partido que não ganha umas eleições gerais há 12 anos.

"O que os resultados iniciais significam é que Corbyn tem mais vida do que alguma vez alguém pensou", afirmou Steven Fielding, historiador político na Universidade de Nottingham e especialista no Partido Trabalhista. "Perdeu, mas o resultado diz que está provavelmente protegido dos que o queriam afastar imediatamente. É Theresa May quem agora não tem capital no seu partido".

James Morris, especialista em sondagens que já colaborou com o Partido Trabalhista, afirmou que o desempenho do partido foi resultado do "populismo disciplinado" de Corbyn. "O Labour entrou na campanha 20 pontos atrás e acaba a ganhar terreno em relação às últimas eleições e com uma hipótese de formar governo", continua Morris.

Antes de chegar à liderança partidária, há dois anos, Corbyn, de 68 anos, passou três décadas como um rebelde das bases. As suas raízes políticas remetem para o movimento trabalhista e para a campanha nacional contra as armas nucleares. Prometeu um "socialismo do século XXI", incluindo alguns objectivos como a nacionalização do serviço ferroviário, a transferência de milhares de milhões de libras para o serviço nacional de saúde e aumentar os impostos dos mais ricos.

A visão de Corbyn está muito longe da dos líderes do passado, como Tony Blair, que ganhou três eleições gerais, mas que acabou por afastar o partido da sua base, que é a classe trabalhadora, para uma direcção mais moderada. Na linha de Bernie Sanders, o candidato às primárias democratas nos Estados Unidos em 2016, Corbyn procurou aproveitar as forças do populismo à esquerda.

Também capitalizou novas dúvidas sobre May, que parecia intocável há sete semanas quando convocou as eleições, numa tentativa de fortalecer a sua maioria antes do início das negociações sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Ela falhou enquanto a campanha chegava ao fim a esta semana, com os seus números nas sondagens a cair no rescaldo de três ataques terroristas em três meses.

Entretanto, Corbyn começou a campanha com números historicamente baixos, tendo-se tornado no saco de pancada dos tablóides britânicos, e alvo de acusações de simpatia em relação a grupos como o IRA. Mas o trabalhista cresceu nas sondagens, já que May foi forçada a reverter as suas promessas centrais na campanha, como o plano para fazer grandes mudanças na forma como os idosos pagam pelos seus benefícios sociais. Enquanto isso acontecia, Corbyn mostrou-se eficaz e aproveitou o entusiasmo dos jovens.

"As pessoas pensavam que ele era inútil, incompetente e extremista", diz John Curtice, especialista em sondagens. "Ele acaba a divulgar um programa melhor que o dos conservadores, e consegue fazer uma campanha suficientemente boa. Aqueles que não são contra o Partido Trabalhista disseram que afinal ele não é assim tão mau". Contudo, muitos eleitores estavam cautelosos em entregar-lhe o cargo de primeiro-ministro num momento singular para o Reino Unido, numa altura em que se prepara para sair da União Europeia.

Durante uma passagem por Watford, no último dia da campanha, Corbyn não mencionou o "Brexit". Em vez disso, identificou as eleições como uma escolha sobre como o Estado trataria os mais vulneráveis. "Como seria este país com mais cinco anos de governo conservador?", perguntou, descrevendo as longas filas nos hospitais e o grande grupo de pessoas excluídas da habitação. Também ridicularizou as sondagens, afirmando: "As pessoas subestimam o bom senso das pessoas comuns deste país". Sue Utting, de 70 anos, que se considera uma fã de Blair, admite as suas preocupações em relação a Corbyn, mas diz que ele a convenceu.

No seu percurso, Corbyn não estava só a combater May. Estava, com igual empenho, a silenciar os dissidentes dentro do seu próprio partido, que tem estado muito dividido devido a lutas internas. Depois da campanha do "Brexit" no ano passado, na qual Corbyn fez uma frouxa defesa da integração europeia, membros do partido aprovaram uma moção de censura contra ele. Cerca de dois terços do seu governo sombra demitiram-se, enquanto o líder tentava travar o golpe interno. Chegaram a circular nomes alternativos para a liderança.

Corbyn acabou por ser reeleito com o apoio das bases, reflectindo a clivagem que existe o a elite do partido e as bases. A eleição de quinta-feira, que deveria servir para chamar Corbyn à realidade, pode afinal obrigar os seus críticos a recentrarem-se. "Não vejo que alguém consiga ver-se livre de Corbyn neste momento", disse um antigo conselheiro do Labour, que pediu para manter o anonimato. Os analistas dizem que os opositores de Corbyn, por mais que digam que poderiam ter ganho a eleição com um líder diferente, não têm uma estratégia clara sobre a sua substituição.

Como o programa do Labour galvanizou os seus eleitores — sobretudo os mais jovens —, o partido não deverá mudar a sua política, disse James Tilley, sociólogo político da Universidade de Oxford e co-autor do livro The New Politics of Class: The Political Exclusion of the British Working Class. Muitas promessas progressistas do Labour são populares e, diz o especialista, os trabalhistas estão prontos para ganhar mais terreno caso os Conservadores tropecem nas negociações do "Brexit".

AInda assim, diz Tilley, há desafios a longo prazo, sobretudo na manutenção da coligação interna do Partido Trabalhista, que junta minorias étnicas, jovens, bolsas da classe trabalhadora e da elite mais educada e profissionais da classe média.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post