Religião e cidades, uma teoria da evolução das galinhas

A domesticação da galinha selvagem oriunda do Sudeste asiático originou uma galinha menos agressiva e mais rápida a pôr ovos.

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INA FASSBENDER/Reuters

As regras religiosas medievais, a emergência das cidades e o aumento do consumo levaram à evolução das galinhas para a ave que se conhece hoje, o que terá acontecido por volta do século X, segundo um estudo agora na revista britânica Molecular Biology and Evolution.

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As regras religiosas medievais, a emergência das cidades e o aumento do consumo levaram à evolução das galinhas para a ave que se conhece hoje, o que terá acontecido por volta do século X, segundo um estudo agora na revista britânica Molecular Biology and Evolution.

As galinhas foram domesticadas há cerca de 6000 anos a partir da galinha selvagem asiática e, desde então, adquiriram várias características importantes para o ser humano, incluindo as que se referem à aparência, agressividade reduzida e rapidez a pôr ovos, mas não se sabia quando e porquê esses traços evoluíram.

Agora, uma equipa internacional de cientistas combinou modelos estatísticos com dados de ADN de ossos de galinhas encontrados em jazidas arqueológicas e identificou quando é que esses traços começaram a tornar-se mais frequentes na Europa.

“O ADN antigo permite-nos observar como os genes mudaram no passado, mas o problema foi sempre conseguir uma precisão temporal na ligação da evolução genética a potenciais causas. Mas com dados suficientes e um novo trabalho estatístico chegámos agora a cronogramas suficientemente precisos para os relacionar com mudanças ecológicas e culturais”, disse Liisa Loog, da Universidade de Oxford e a primeira autora do trabalho, citada num comunicado daquela instituição.

Os cientistas concluíram que essa evolução aconteceu na Idade Média, por volta do ano 1000, e que as fortes pressões selectivas coincidiram com a crescente urbanização e regras cristãs que impunham o jejum e a exclusão de carne de animais com quatro patas. As regras religiosas medievais poderão ter aumentado a procura de aves e levado à evolução da galinha doméstica.

“Através do nosso novo método, verificámos que o tempo da selecção coincide com o aumento de ossos de galinha nos registos arqueológicos no norte da Europa. Curiosamente, também coincide com várias mudanças socioculturais, incluindo um aumento geral da popularidade das crenças cristãs, novas regras na dieta religiosa e aumento do urbanismo”, disse Anders Eriksson, outro autor do estudo, também citado no comunicado, acrescentando que a combinação de todos esses factores originou uma pressão sobre as galinhas que levou à sua evolução.

Os cientistas têm tentado ligar traços que distinguem animais domesticados dos seus parentes selvagens. Recentemente, identificaram variantes genéticas nas galinhas domésticas em dois genes, ambos evidenciando fortes sinais de selecção.

Em 2014, um grupo liderado por Greger Larson, também da Universidade de Oxford, examinou os dois genes numa centena de amostras arqueológicas da Europa abrangendo os últimos 2200 anos, mas não chegou a resultados. Agora, a equipa liderada por Liisa Loog e por Greger Larson, analisou o ADN de galinhas antigas e modernas e descobriu que a selecção começou por volta do ano 920.

“O aumento significativo de galinhas e ovos tem sido associado às práticas de jejum cristãs, com origem na ordem dos monges beneditinos, que desautorizou o consumo de carne de animais de quatro patas durante o jejum”, disse ainda Anders Eriksson. “As regras foram adoptadas em toda a Europa e aplicadas em todos os segmentos da sociedade por volta do ano 1000.”