Pé-de-meia da Cáritas de Lisboa subiu 1,3 milhões de euros em nove anos

Contas da instituição agora facultadas pela Segurança Social evidenciam enriquecimento da instituição. Loja comprada em Setembro custou 320 mil euros. Cáritas não pediu espaço à Câmara de Lisboa.

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Nuno Ferreira Santos

A Cáritas Diocesana de Lisboa (CDL) amealhou quase 1,3 milhões de euros entre o início de 2007 e o final 2015, mais do que duplicando as suas poupanças no auge de uma das mais severas crises económicas e sociais que o país viveu nas últimas décadas. Em Setembro passado comprou uma loja a um banco, por 320 mil euros, sem ter tentado que a Câmara de Lisboa lhe cedesse, a preços muito inferiores aos do mercado, o espaço de que necessitava. 

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A Cáritas Diocesana de Lisboa (CDL) amealhou quase 1,3 milhões de euros entre o início de 2007 e o final 2015, mais do que duplicando as suas poupanças no auge de uma das mais severas crises económicas e sociais que o país viveu nas últimas décadas. Em Setembro passado comprou uma loja a um banco, por 320 mil euros, sem ter tentado que a Câmara de Lisboa lhe cedesse, a preços muito inferiores aos do mercado, o espaço de que necessitava. 

Em resposta enviada ao PÚBLICO em Fevereiro, confirmada em comunicados e declarações posteriores do seu presidente, a instituição afirmou que os cerca de 2,4 milhões de euros que tinha em depósitos bancários e aplicações financeiras no início de 2016 eram “fruto exclusivo do trabalho de anteriores direcções”, deixando entender que tinha herdado essas reservas da equipa directiva que cessou funções no final de 2006, altura em que se iniciou o primeiro mandato do actual presidente, José Frias Gomes. Na verdade, o pecúlio então herdado era inferior a 1,2 milhões de euros, não tendo cessado de aumentar desde então, excepto em 2010, ano em que registou uma pequena quebra. 

Nas explicações dadas em Fevereiro, a CDL afirma que “a actual direcção tem procurado, enquanto fiel depositária destes bens (…) recorrer à sua utilização sempre que necessário, procurando para os restantes valores, cautelarmente, que não se desactualizem em termos de valor, acautelando-se necessidades futuras”. Analisando as contas da instituição entre 2006 e 2015 — que foram agora facultadas ao PÚBLICO pelo Instituto da Segurança Social — verifica-se, porém, que, desde 2006, a CDL só julgou necessário recorrer a tais reservas em 2010. Isto apesar de, nos seus relatórios de actividades, se queixar frequentemente de falta de meios para satisfazer pedidos de medicamentos urgentes e responder a outras solicitações dos pobres que a ela recorrem. 

Com a excepção assinalada, não só nunca precisou de mexer nas poupanças herdadas, como estas mais do que duplicaram. Logo no final de 2007, os depósitos e aplicações já tinham aumentado 86.037 euros, passando dos 1.175.708 de 2006 para 1.261.745 euros. Um ano depois, Frias Gomes conseguia fazer subir o bolo para 1.441.015 euros, saltando logo no final de 2009 para 1.730.724 euros. O ano seguinte foi o da excepção, caindo as reservas para 1.665.256 euros, com uma quebra da ordem dos 65 mil euros.

Daí para diante foi sempre a acumular, chegando o pé-de-meia aos 2.469.639 euros no final de 2015, o último ano cujos resultados são conhecidos. Desse total, que representa um aumento de 110% em relação ao montante recebido em 2007, 2.146.702 euros correspondiam a depósitos bancários e dinheiro em caixa e 322.937 euros estavam aplicados em obrigações.

600 mil euros por explicar

Esta situação terá sido entretanto alterada, tendo o presidente da CDL afirmado à revista Sábado, no início do mês passado — dias depois da divulgação pelo PÚBLICO de uma notícia sobre o fosso existente entre a dimensão da actividade sociocaritativa da instituição e as suas disponibilidades financeiras —, que a soma dos seus depósitos e aplicações financeiras era nessa altura (Março de 2017) de apenas 1,6 milhões de euros. 

Sobre a abrupta redução destas poupanças que, a julgar pelas declarações de Frias Gomes, terão assim caído quase 900 mil euros em pouco mais de um ano, o presidente da Cáritas de Lisboa nada disse e o site da instituição não reflecte nenhum investimento ou despesa imprevista que tenha ocorrido no mesmo período. 

Os planos de actividades para 2016 e 2017, documentos pormenorizados que estão disponíveis no mesmo site, não fornecem qualquer pista sobre a existência de projectos que possam explicar tal redução dos depósitos e aplicações. 

Apesar disso, o PÚBLICO localizou já este mês, nos serviços oficiais de registo e notariado, uma escritura celebrada no dia 29 de Setembro do ano passado, entre a CDL e o Banco Comercial Português, que explica o destino dado a 320 mil dos quase 900 mil euros que saíram das contas da instituição desde o final de 2015, ficando perto de 600 mil por esclarecer. Nos termos dessa escritura, a Cáritas de Lisboa comprou a pronto, por aquele valor, uma fracção de um prédio acabado de construir em 2004, numa nova urbanização de Campolide.

O espaço em causa tinha sido cedido provisoriamente pelo BCP, no Verão de 2015, e estava lá instalada, desde então, a Loja É dado, na qual a Cáritas, duas manhãs por semana, distribui roupas usadas a pessoas encaminhadas pelos seus serviços sociais. 

Na acta da reunião da direcção da CDL em que foi aprovada a aquisição da loja, em Julho do ano passado, nada consta quanto à finalidade e justificação da compra. O relatório de actividades de 2014 mostra no entanto que a Loja É dado, antes de ir para Campolide (Rua Campos Júnior 11-A), já tinha estado em dois outros espaços igualmente cedidos temporariamente pelo BCP, no Lumiar e no Alto dos Moinhos.

Face à natureza precária destas cedências e “para evitar mais mudanças”, a direcção da CDL afirma no seu relatório de 2014 que fez nesse ano “um pedido de cedência de espaço à Câmara de Lisboa para que possa ser utilizado como armazém de roupas” e que, em Junho desse ano, “foi realizada uma reunião com o vereador da Acção Social para, entre outros assuntos, se tentar obter uma resposta a esse pedido”. O documento acrescenta que “até ao final de 2014 este assunto não ficou resolvido”. No relatório de 2015 não há qualquer referência ao caso. 

Câmara contraria direcção da CDL 

No mês passado, o PÚBLICO perguntou à Câmara de Lisboa quantos pedidos de cedência de espaços lhe foram dirigidos pela Cáritas Diocesana desde 2010 e qual o desfecho de tais pedidos. Em resposta, por escrito, a Secretaria-geral do município diz que, em 2014, a CDL requereu à autarquia a cedência de um edifício camarário situado na Estrada de Benfica 410-416, “para a criação de uma residência universitária para estudantes não residentes na Grande Lisboa” e que “este pedido não foi atendido”. No ano seguinte, todavia, a câmara cedeu-lhe um espaço, na Rua Manuela Porto, 15, em Carnide, “com destino a Jardim de Infância”. Já em 2016, “deu entrada na câmara um pedido de cedência de espaço para um Centro de Dia para idosos com Alzheimer, que se encontra em apreciação”. 

Mais nada. Ou seja: de acordo com a informação prestada pelos serviços da autarquia, a Cáritas Diocesana de Lisboa nunca lhe dirigiu qualquer pedido relativo à cedência de um espaço para instalação da Loja É dado. 

Além da cedência a preços simbólicos de instalações para associações e entidades que preencham certos requisitos e se candidatem nos termos regulamentares, a Câmara de Lisboa promove, com alguma frequência, hastas públicas para venda e concursos para arrendamento de espaços não habitacionais do município, muitas vezes situados em bairros sociais, onde residem populações carenciadas e potencialmente utilizadoras dos serviços da Cáritas. Nos documentos públicos da CDL e da autarquia não há qualquer referência à participação daquela entidade nesses processos. 

O PÚBLICO pediu à CDL que esclarecesse todas as questões aqui tratadas, tendo a respectiva direcção informado, por escrito, que as respostas solicitadas “serão dadas em sede própria e a quem de direito”.